Ser ou não ser

Notícias Magazine

Leio regularmente, se calhar lemos todos, as notícias que contam a morte coletiva de baleias em diferentes areais do mundo.

Quase nunca se chega a saber o motivo desses arrojamentos e não é impossível que sucedam simplesmente porque os grandes cetáceos têm de morrer em qualquer lado – e uma praia australiana é um sítio tão bom como qualquer outro.

Não podendo todas as baleias ser Moby Dick, suponho que alguns desses grandes e belos animais logrem escapar à caça dos baleeiros e atinjam uma idade em que já só lhes reste acabar.

E gosto, por isso, de imaginar que ao menos uns quantos destes mamíferos marinhos possuem o discernimento suficiente para, entendendo ter chegado ao fim da vida, se lançarem num esforço derradeiro ao encontro de um areal bonito onde possam falecer amenamente.

Também não está ao alcance de todos homens serem Ahab ou Sócrates, o filósofo grego que preferiu a morte pela cicuta a uma existência no exílio, sem a compreensão ou o respeito dos seus contemporâneos (que o acusaram de corromper os jovens e de levá-los a duvidar dos deuses).

Tendo escolhido morrer, Sócrates (ou o paradoxo da sua lenda) sobreviveu ao tempo e persiste como paradigma do homem livre. De um ponto de vista estritamente ontológico, não ser é tanto ou mais natural do que existir.

Tudo o que sabemos é que, por um momento brevíssimo na história do cosmos, os seres que passam a eternidade inexistindo enquanto tal se manifestam fugazmente entre as coisas do mundo – e que a isto se chama vida.

David Benatar, o filósofo contemporâneo sul-africano que passa por ser o mais pessimista de sempre, considera que os humanos deviam abster-se de se reproduzir e de criar mais e mais vítimas para uma vida de «dor e sofrimento».

Embora defenda a extinção da espécie, a sua inexistência, Benatar não advoga, porém, o suicídio, uma vez que, diz, este gera dor e sofrimento às pessoas que rodeiam o suicida. Esta mesma lógica enviesada pode ser aplicada à eutanásia ou à morte assistida.

Respeitando-se escrupulosamente a liberdade de cada um, faz mais sentido, porém, que tenhamos o direito de escolher não existir do que a faculdade de negar (ou impor) a existência de terceiros. É o que costuma separar a civilização da barbárie. E as baleias dos homens.