Sabia que tem um relógio dentro de si?

Texto Sofia Teixeira | Fotografia Shutterstock

Quantas vezes acordamos dois minutos antes de tocar o despertador? Como sabemos que são horas de almoçar? E porque é que à noite ficamos com sono quase sempre à mesma hora, mas se deixamos passar o momento depois custa-nos adormecer?

Tudo no nosso corpo funciona como um relógio e estes são apenas alguns exemplos de como o complexo mecanismo de sistemas bioquímicos e fisiológicos regula com precisão quase todas as funções do nosso corpo, como o sono, a vigília, o apetite, o processo digestivo, a temperatura e a atenção.

São sobretudo as hormonas e os neurotransmissores que criam estes ciclos e que fazem que a hora mais favorável para acordar seja entre as seis e as oito da manhã – correspondente ao pico do cortisol.

São sobretudo as hormonas e os neurotransmissores que criam estes ciclos que temos ao longo do dia e que fazem que, por exemplo, a capacidade de atenção varie em ciclos de noventa minutos, a hora mais favorável para acordar seja entre as seis e as oito da manhã – correspondente ao pico do cortisol – e o sono comece após as 20h00, já que a melatonina começa a invadir o nosso corpo pelas 18h00.

Há muito que se sabia da existência de um comportamento cíclico nas plantas e nos animais, homem incluído. A discussão era se isso seria apenas uma resposta aos estímulos exteriores, como o dia e noite, ou se haveria um «relógio interno».

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Em 1729, o astrónomo francês Jean-Jacques de Mairan pôs uma mimosa num sítio escuro e percebeu que as folhas continuavam a abrir e fechar a um ritmo certo, apesar de não haver o estímulo luminoso. Também o alemão Erwin Bünning, um dos pioneiros do estudo dos ritmos circadianos, chegou à mesma conclusão 200 anos mais tarde ao perceber que pessoas invisuais e voluntários expostos a condiçõesde laboratório – sem dia nem noite percetíveis – mantinham alguns desses ritmos, independentemente das condições exteriores.

Hoje sabe-se que há ritmos influenciados pelo exterior e outros endógenos e a cronobiologia é uma ciência reconhecida desde 1960.

Hoje sabe-se que há ritmos influenciados pelo exterior e outros endógenos e a cronobiologia é uma ciência reconhecida desde 1960. O conhecimento nesta área e o impacte que estes ciclos têm na saúde e na doença acabou mesmo por dar origem a duas disciplinas novas com aplicação à medicina.

Uma é a cronopatologia, que estuda o efeito deste ritmo biológico na saúde e na doença e que consegue definir, por exemplo, que os picos de asma tendem a acorrer perto das quatro da manhã – devido à queda na produção do cortisol durante a madrugada -, que a tensão arterial alcança os níveis mais baixos pelas três da madrugada e que os episódios agudos de doenças cardiovasculares acontecem pela manhã.

Outra a cronofarmacologia, que atendendo à variação circadiana define quais os melhores momentos para os tratamentos com fármacos, já que o horário de ingestão pode aumentar a eficácia e minimizar os seus efeitos secundários.

A novidade trazida pelos estudos de Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young, que lhes valeram o Prémio Nobel, é que foram capazes de identificar a base genética do nosso relógio biológico e explicar exatamente como ele funciona e se sincroniza com o movimento de rotação do planeta. Através de trabalhos com a mosca da fruta isolaram o gene que controla o ritmo biológico normal e demonstraram que este gene origina uma proteína que se acumula na célula durante a noite e se consome durante o dia.

NATUREZA VERSUS TECNOLOGIA

A luz e sua ausência ajuda-nos a sincronizar o nosso relógio biológico no que toca aos sonos – não é à toa que é tão difícil ter um ritmo de sono-vigília nos polos, onde durante meses seguidos é de dia ou de noite.

Enquanto espécie, começámos cedo a tentar combater os ciclos da natureza e continuamos a fazê-lo cada vez com mais afinco e com mais sucesso. Desde sempre que à noite acendemos a luz para prolongar o tempo útil, mas foram os smartphones que vieram recentemente introduzir mais alterações no nosso ritmo biológico.

A luz azulada gerada por smartphones, tablets e computadores, à noite, desregula o relógio biológico e atrasa a libertação da melatonina, a hormona do sono. Muitos especialistas culpam a tecnologia pelos problemas de sono cada vez maiores e também pelo facto de dormimos em média menos duas horas por noite do que dormíamos há cerca de sessenta anos.