Sabem qual é a coisa civilizada a fazer em Portugal? Um inglês explicou-me

Notícias Magazine

Tenho um amigo que veio há um ano viver para Portugal e que, desde que chegou, cumpre o religioso hábito de comprar diariamente o jornal.

Isto não seria assim tão estranho, não fosse o facto de ele ser inglês. E se hoje já arranha umas frases em português, na altura em que aqui aterrou só conseguia dizer uma versão manhosa da palavra «obrigado».

Quando lhe perguntei por que raio comprava ele a imprensa numa língua que nem sequer dominava, ele respondeu simplesmente isto: «Porque é a coisa civilizada a fazer.»

Se queremos informação credível, se queremos estar informados, então «a coisa civilizada a fazer» é comprar um jornal. O Ewen, assim se chama o meu amigo, compra um jornal que não entende porque sabe que sem jornalismo não há democracia.

Informar os cidadãos para que eles tomem as suas próprias decisões esclarecidas é uma atividade que custa dinheiro. É preciso investigar e testemunhar para se poder denunciar os abusos e controlar os poderes.

Mesmo que não saiba ler aquelas palavras, o meu amigo inglês sabe que elas cumprem uma função social: a de salvaguardar a nossa liberdade.

Não fomos habituados, como os ingleses, a ler jornais. Os números, aliás, são bastante esclarecedores. Há um relatório da WAN – Associação Mundial de Jornais de 2002 que apontava que mais de metade da população inglesa lia jornais, enquanto em Portugal esse número não chegava aos oito por cento.

Éramos, no início do milénio, o único país da Europa Ocidental abaixo dos dois dígitos – muito abaixo dos 71 por cento da Noruega ou até dos 13 por cento da Espanha.

A internet há de entretanto ter roubado leitores ao papel, mas acrescentado consumidores de informação – em Portugal como nos demais países.

Depois da minha conversa com o Ewen, perguntei-me até que ponto vemos o jornalismo como uma necessidade de todos. A minha ideia é debatível, eu sei.

Podemos usar um argumento histórico e dizer que tivemos cinco décadas de ditadura tacanha, um nível de educação demasiado baixo, uma população demasiado pobre. Ou podemos usar o argumento de que se faz péssimo jornalismo, de que se faz demasiado clickbait de que não faltam truques na imprensa portuguesa.

Mesmo que isso seja tudo verdade, não bate outro argumento: o de que estar informado é um dever cívico.

Há um ano realizou-se um Congresso de Jornalistas em Lisboa em que se debateu a necessidade de criar uma política portuguesa de educação para os media.

Os miúdos nas escolas deviam perceber desde muito cedo que partilhar informação falsa é um atentado à cidadania. E que estar informado fomenta essa mesma cidadania.

Acrescento isto: num país de turismo, não podemos continuar a deixar que os hotéis não tenham os jornais do dia disponíveis para os seus hóspedes – uma peculiaridade muito portuguesa. O mesmo nos cafés. As universidades deviam estar obrigadas a proporcionar aos seus alunos assinaturas das edições online. O mesmo vale para as escolas. Porque quanto mais esclarecida estiver a população, mais exigente ela vai ser – com o país, com as políticas, com o próprio jornalismo. Porque, como diz o Ewen, é simplesmente a coisa civilizada a fazer.