Texto de Ana Tulha
Não foi consensual em fevereiro de 2017, quando entrou em vigor, continua a não o ser agora. Ainda assim, quase ano e meio depois, o “imposto Coca-Cola” – a taxa aplicada às bebidas açucaradas – resiste, com consequências notórias. A principal é a tendência da indústria para cortar nos açúcares dos sumos e refrigerantes. “Não houve uma alteração drástica do consumo, mas uma reformulação do produto, o que é positivo”, resume Pedro Graça, Diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Os números sustentam a teoria. Segundo uma análise da DGS a 190 bebidas (amostra aleatória), disponibilizada à “Notícias Magazine”, 43% das bebidas taxadas reformularam as quantidades de açúcar entre novembro de 2016 e março de 2018. Alargando a amostra às bebidas não taxadas – néctares – , a percentagem fica nos 37%.
A tendência é confirmada pela Associação Portuguesa das Bebidas Refrescantes Não Alcoólicas (PROBEB). “Em 2017 houve uma redução de 6 219 toneladas de açúcar – 16,6%, relativamente ao ano anterior”, confirmou à NM Francisco Mendonça, secretário- geral da PROBEB, que realça ainda o incentivo, por parte das marcas, às opções sem ou com menos açúcar.
Só que nem tudo são boas notícias. “Em Portugal temos a ingestão de bebidas açucaradas muito concentrada numa certa faixa etária. Aí, o consumo é muito superior à média nacional. Metade dos rapazes adolescentes portugueses consome uma lata de refrigerante por dia. É um dado preocupante”, sublinha Pedro Graça. E no entanto existe, desde 2012, uma orientação, com força de lei, para não entrarem refrigerantes nas escolas.
Isso não chega, garante o diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. “Ainda não conseguimos estratégias para reduzir o número de vendas destas bebidas nos estabelecimentos de ensino superior. E há uma grande permissividade em relação à publicidade.”
Indústria contesta
E enquanto se vai afinando a fórmula para cortar aos açúcares – o consumo excessivo acarreta múltiplos riscos, das cáries à obesidade – a indústria continua a não estar pelos ajustes. “Este imposto [0,08 euros por litro para bebidas com menos de 80 gramas de açúcar por litro; 0,16 euros por litro para bebidas com mais de 80g/l ] é uma medida discriminatória e desproporcionada, com impactos económicos negativos sobre o setor”, frisa Francisco Mendonça. O argumento da PROBEB é validado pelos dados disponibilizados pela Nielsen à NM. Segundo a empresa de estudos de mercado, a venda de refrigerantes sofreu, entre abril de 2017 e abril de 2018, uma quebra de 11%, por oposição aos néctares, que registaram um aumento de 4%.
O setor lamenta ainda o âmbito do imposto. “Ao incidir sobre toda a categoria – abrange produtos com baixo valor energético e mesmo sem valor energético – o imposto não incentiva a reformulação das bebidas abaixo de 80 gramas de açúcar/ litro, que pagam todas o mesmo imposto”, advoga.
Essa será uma das questões em cima da mesa do grupo de trabalho criado em março, que está encarregue de apresentar conclusões até 30 de junho. “A ideia de criar escalões poderá ser a de que algumas reduções marginais sejam incentivadas, em vez de se ter apenas escalões de mais alto e mais baixo imposto”, admitiu já o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, num prenúncio de que o “imposto Coca-Cola” veio mesmo para ficar.