Pro Bono: os advogados que trabalham de graça

Texto de Sofia Teixeira

Na cabeça e nos desejos de Teresa Morais Leitão, cofundadora da Associação Pro Bono, a ideia começou a germinar em 2006, quando perdeu o pai e nasceu a filha. «Ser confrontada com o que realmente importa fez-me querer fazer alguma coisa diferente.» Queria também que essa «alguma coisa» pudesse ser, de certa forma, uma homenagem ao pai, o advogado e político João Morais Leitão.

Percebeu que em Portugal a grande carência era – e ainda é – o voluntariado técnico e especializado. «Existem muitas alternativas para quem queira ajudar o próximo, mas poucas aproveitam ativamente as competências de cada um. Temos advogados a pintar paredes e gestores a recolher alimentos, revelam uma vontade de ajudar muito válida, mas os conhecimentos e a experiência são desperdiçados.»

Advogada há mais de vinte anos, Teresa resolveu começar pelo setor jurídico, que era o que melhor conhecia. E quis o destino que, na mesma altura, já em 2012, se cruzasse com Inês Graça, jovem estudante de Direito, hoje com 26 anos, cheia de vontade e força para mudar o mundo. Inês tinha na cabeça inquietações semelhantes: «Sempre estive envolvida em projetos sociais, mas ao contrário do que se passava já noutros países, não conseguia encontrar um projeto que juntasse voluntariado e direito», diz a advogada de 48 anos. O direito que aprendia na faculdade acabava por estar desligado da vida real e pessoas com problemas jurídicos e sem condições económicas para recorrer a um advogado não faltam.

O que começou por ser uma conversa informal entre as duas amigas rapidamente se transformou num projeto no qual juntaram esforços num ideal comum. Em 2013, nasceu a Pro Bono, apoiada pela Entrajuda do Banco Alimentar, com o sonho de permitir aos advogados e estudantes de Direito um voluntariado de competências e com o desafio de envolver as universidades e as sociedades de advogados portuguesas.

Desde que foi fundada, há quatro anos, a Pro Bono intermediou mais de 350 casos e juntou mais de 600 voluntários – advogados e estudantes – inscritos na sua plataforma.

A associação funciona como plataforma independente que reúne e põe em contacto advogados dispostos a dar o seu tempo, instituições de solidariedade social que têm beneficiários que precisam de ajuda legal e estudantes de Direito que querem fazer a diferença e coordenam esta ligação entre quem precisa de ajuda e quem pode ajudar.

Desde que foi fundada, há quatro anos, a Pro Bono intermediou mais de 350 casos, juntou mais de 600 voluntários – advogados e estudantes – inscritos na sua plataforma, fez parcerias com mais de dez sociedades e com as faculdades de Direito das universidades Nova, Clássica e Católica (Lisboa) e colabora com mais de 150 instituições de solidariedade social – como o ABLA, o Banco Alimentar contra a Fome, a Comunidade Vida e Paz e a Associação para a Igualdade Parental, etc. Após inúmeras solicitações, a associação está a iniciar a atividade também no Porto.

A advogada Teresa Morais Leitão, cofundadora da Associação Pro Bono.

A vertente internacional é também fundamental, não só porque desde início que Teresa e Inês procuraram aprender com os projetos existentes noutros países, de preferência no que respeita ao papel dos advogados e estudantes no acesso à justiça, mas também porque as diversas parcerias internacionais e participações em fóruns europeus permitem pôr à prova as suas ideias e fazer evoluir os seus modelos de atuação.

A coordenação é feita por Teresa Morais Leitão e por um «núcleo duro» de cerca de vinte estudantes de Direito ou estagiários que dedicam pelo menos três horas semanais a receber e triar os pedidos que chegam das associações, falar com advogados disponíveis e garantir toda a gestão de bastidores necessária.

«Os estudantes são mais entusiastas e sonhadores, mas a adesão dos advogados e juristas – alguns sem grande disponibilidade de tempo ou financeira, mas que abraçaram este desafio como uma obrigação cívica – tem sido surpreendente», diz Teresa Morais Leitão.

Inês Ribera recebeu em 2016 a distinção interna de Advogada Pro bono do Ano, entre os mais de duzentos colaboradores da sociedade VdA. Dez por cento do seu tempo de trabalho anual
é dedicado a casos pro bono.

Os alunos que vão passando pelo «núcleo duro» entram na vida profissional levando consigo o vício do voluntariado de competências. É o caso de Inês Graça que, depois de quatro anos como voluntária na Pro Bono, terminou o curso, estagiou no Public Counsel em Los Angeles – o maior escritório de advogados pro bono dos EUA, onde trabalhou nas áreas de emigração e direito dos refugiados – e agora está a estagiar na Sociedade Sérvulo & Associados.

«Vou conversando sobre as coisas mais estratégicas com a Teresa, apesar de já não fazer parte do dia-a-dia da associação. Mas acabo por fazer a ponte através do escritório onde trabalho. Colaborei há pouco tempo num caso de um refugiado que ganhámos: foi-lhe concedido o estatuto. Não há melhor sensação do que pôr as nossas competências ao serviço dos outros.»

A Sociedade de Advogados Vieira de Almeida & Associados (VdA) é uma das firmas que têm protocolo com a Pro Bono, mas é também, e muito além disso, uma das sociedades portuguesas com o mais antigo e extenso programa de responsabilidade social: há quase dez anos que contempla um mínimo de cinco mil horas anuais dedicadas a trabalho não remunerado.

Inês Ribera recebeu a distinção interna de Advogada Pro Bono do Ano.

«Os advogados são os intermediários exclusivos no acesso ao direito e à justiça e isso é fonte de uma responsabilidade acrescida de prestar serviços jurídicos não remunerados a segmentos desfavorecidos, que de outra forma ficariam excluídos de acesso à justiça», defende Inês Ribera, advogada do escritório do Porto, que viu o seu trabalho nesta área ser reconhecido ao receber no ano passado a distinção interna de Advogada Pro Bono do Ano, entre os mais de duzentos colaboradores da VdA.

A advogada acredita que participar em ações de responsabilidade social, individuais ou corporativas, não devia ser uma escolha, mas um dever de cidadania. Inês dedica cerca de dez por cento das suas horas anuais a casos pro bono e colabora em média com dez clientes por ano. «Temos o dever de retribuir à sociedade o que dela recebemos e acreditamos que para sermos um bom advogado temos antes de ser um bom cidadão.»

Inês recorda-se bem do caso da Casa Ronald McDonald, no Hospital de São João, no Porto. O projeto da Fundação Infantil Ronald McDonald cria «casas longe de casa» para os familiares e crianças com doenças graves e prolongadas que têm de se deslocar para longe da residência para receber tratamento hospitalar, podendo, assim, ficar alojadas ao lado do hospital de forma gratuita.

«A criação desta casa impactou e continua a impactar muitas vidas e muitas famílias e deixou-me uma sensação de genuíno contributo para a sociedade.» O programa de apoio jurídico pro bono da VdA é dirigido a todas as entidades do terceiro setor, com um foco no apoio à inovação e ao empreendedorismo social.

As candidaturas a financiamentos públicos estão entre as questões mais solicitadas. Os pedidos de apoio que recebem são analisados pelo Comité de Responsabilidade Social Corporativa, que é integrado por diversos colaboradores da firma, que decidem se podem ou não apoiar determinada entidade ou projeto.

«Temos de fazer uma gestão eficiente do tempo e alinhar os pedidos com a filosofia e as competências da VdA. Como não trabalhamos em direito da família, por exemplo, todas as situações que envolvem este ramo do direito são reencaminhadas para outros escritórios com essa valência.»

Direito da família, mas não só, é com Rui Alves Pereira, da Abecassis, Moura Marques, Alves Pereira e Associados (AMAA, que trabalha nesta área sensível há quase vinte anos. Também esta sociedade de advogados tem uma política de aceitação de casos pro bono e nos dois últimos anos arrecadou o prémio de Best National Firm for Pro Bono Work, nos prémios European Women in Business Law Awards, no âmbito do apoio prestado às vítimas de violência doméstica, uma causa que lhes é cara.

O advogado Rui Alves Pereira.

«Ajudamos a combater o crime público e a contribuir para uma sociedade mais responsável, lutando para que as necessidades e os interesses específicos das vítimas sejam reconhecidos e protegidos, especialmente das vítimas particularmente vulneráveis como as crianças e os jovens, as mulheres, as pessoas idosas e os imigrantes», diz Rui Alves Pereira.

O critério principal para o apoio é que as pessoas ou entidades sejam desprovidas de recursos financeiros para custear despesas judiciais e extrajudiciais, mas Rui Alves Pereira acaba também por dar primazia ao direito da família. «Processos que envolvem crianças e pessoas de alguma idade são realidades às quais sou muito sensível. Sou advogado, mas também sou pai e filho», diz o cofundador da Associação A Voz da Criança, dedicada à proteção dos direitos dos menores e que pretende dar voz às crianças nos tribunais.
Em causa estão quase sempre processos relativos à regulação das responsabilidades parentais. «Preocupa-me o total abandono em que vivem pessoas idosas e as constantes pressões dos familiares diretos para lhe outorgar um testamento. Parece que a partir de certa idade estas pessoas já não contam para os herdeiros, mas apenas o seu património e a herança.»

Além dos casos que o advogado aceita através de parcerias com instituições, há depois situações particulares em que os clientes confessam a impossibilidade ou a dificuldade em poder pagar honorários e ele acaba por representá-los. E situações que se transformam. «Tive clientes que a meio dos processos deixaram de ter condições para pagar honorários porque perderam o emprego ou sofreram uma redução salarial significativa. Mas não consegui deixar de acompanhar o processo até ao fim.»

O que diz a Ordem dos Advogados

O bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme Figueiredo, tem denunciado desde a sua tomada de posse que só há justiça para os mais ricos ou para os mais pobres – com apoio judiciário – e isso deve mudar porque a classe média está enfraquecida. Sobre iniciativas em particular o bastonário não se pronuncia, mas quanto ao trabalho pro bono em geral refere que a nobreza da advocacia se manifesta «acima de tudo quando o advogado assume o patrocínio por acreditar na causa que lhe é entregue, sendo capaz de defender de forma honesta e frontal, utilizando todo o conhecimento e os meios ao seu alcance e sendo o interesse nessa defesa muitas vezes superior a qualquer outro interesse pessoal, nomeadamente a retribuição do seu trabalho».