É com muito orgulho, e uma mola no nariz, que hoje tenho como meu convidado para mais uma entrevista que nunca fiz o grande Luís Vaz de Camões. Olá Luís, vou pedir que responda a esta entrevista segundo o novo acordo ortográfico, pode ser?
Na boa. Tudo é melhor que aqueles tempos da carta de achamento do Brasil, do Pero Vaz de Caminha, e cito: “capitam moor desta vossa frota e asy os (…) outros capitaães. desta vossa terra noua (…) gaçom achou, nom leixarey. pero tome vossa alteza (…) jnoramçia por boa comtade, as biij e ix e aly amdamos todo (…) aquele dia em calma a vista delas obra de tres ou (…) quatro legoas. e domingo xxij”. Isto parecia ter sido escrito num telemóvel por uma pessoa depois de chegar do Lux em coma alcoólico.
Posso concluir que Camões não se opõe ao novo acordo ortográfico?
Nicles. Eu já ouvi um Presidente da República dizer “cidadões”; se eu fosse pessoa para dar voltas no caixão, como consta, já tinha o cóccix a fazer de maçã de Adão. Não há pachorra. Cada vez que alguém dá erros graves de escrita tenho de levar com um “Chupa, Camões!”. Dá vontade de ter herpes labial.
Acho que o Luís tem de perceber que para nós, portugueses, é um dos maiores símbolos da nação.
Tudo bem. Desde que não me façam um busto num aeroporto, estão à vontade. Mas é preciso não esquecer que eu morri pobre. Segundo sei, hoje o Prémio Camões vale 100 mil euros. Dava-me imenso jeito. Podia passar um mês com um nível de vida do Jardim Gonçalves. Não tenho nada contra, mas, por mim, todos os vencedores do Prémio Camões deviam levar o cheque para casa atravessando a nado uma distância razoável e segurando o cheque do prémio com uma mão.
Eu queria que esta entrevista tivesse alguma intimidade mas, por razões óbvias, não vou perguntar “o que dizem os teus olhos?”. Por isso, vou optar por uma questão que sempre me fez confusão. Não acha que “Os Lusíadas” teriam um final mais feliz se a epopeia acabasse no canto nono?
Tem toda a razão, mas nestas coisas ninguém encomenda nove episódios. São sempre números redondos. “Os Dez Mandamentos”, etc. Fosse eu a decidir e terminava no canto nono, sem a palavra inveja e com o velho “e tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre”.
Concordo, Vaz. Ainda por cima, com o que os marinheiros andaram a fazer na Ilha dos Amores deve ter havido chatices quando regressaram a casa. Foste um bocado bufo nesse canto.
Tens toda a razão. Em bom português, “what happens in Ilha dos Amores stays in Ilha dos Amores”. LOL.