Portugal, o paraíso dos famosos

Cláudia está mais do que habituada ao entra-e-sai da esplanada, uma dúzia de mesas pacatas, estrategicamente colocadas a meio da escadaria do Chafariz das Janelas Verdes, em Lisboa, com vista para um simpático largo, espraiado na colina. Está tão habituada que, há uns meses, quando por lá viu uma figura meia extravagante, cabelo loiro vistoso e óculos de sol a tapar parte do rosto, nem ligou. “Primeiro nem reparei que era ela. Só quando a fui atender e puxou os óculos para cima é que percebi que era a Madonna”, conta-nos a funcionária, a meio da azáfama dos dias de um espaço que é tanto restaurante como padaria.

Lembra-se bem. Não é todos os dias que se atende uma das maiores artistas à escala mundial. Mas, para quem ali vive ou trabalha, quase paredes meias com o Museu Nacional de Arte Antiga, a presença da diva da pop já não é novidade. Desde janeiro, todos sabem que a cantora, agora com 60 anos, anda por ali. Ela e os filhos (David Banda, Mercy James, Esther e Stella, quatro dos seis filhos da americana).

Até porque Madonna não fez a coisa por menos: rendida aos encantos de um país com uma “energia inspiradora”, como já disse publicamente, inscreveu os filhos na escola (o Liceu Francês, diz-se), pôs um deles (David Banda) a jogar nos sub-12 do Benfica e, como turista que se preze, até andou a conhecer a cidade e a experimentar produtos com ADN português.

“Pediu um Moscatel de Setúbal”, relata Cláudia. “Mas não gostou muito.” A prova é que não acabou o copo. De resto, também não ficou grande tempo. Mal deu para falar, portanto. Mas, antes de ver a diva da pop seguir viagem, Cláudia ainda guardou um episódio curioso para contar. “Quando foi para pagar, estava com uma nota de 50 euros na mão. Achava que não chegava”, partilha, meio a rir, meio atrapalhada com o corrupio da hora de almoço. “Não é muito simpática”, sentencia, a torcer o nariz.

O veredito não é consensual. Ali perto, numa loja de roupa que a super estrela costuma frequentar, há quem jure que é simpática. “Cumprimenta quando aqui chega. E as crianças andam sempre divertidas, a dançar. É gente bem-disposta”, garante uma funcionária, que prefere não ser identificada.

O pedido é repetido por outras pessoas que trabalham ali à volta. Na rua, todos se mostram pouco à-vontade para falar abertamente. A custo, lá vão contando qualquer coisa. “Quase só a vejo a passar da porta para o carro, ou da porta para o ginásio [do hotel]. Só sei que é ela pelo chapéu. Anda sempre com a cadela [uma gipsy] e, onde vai, leva o staff com ela”, diz um vizinho de Madonna, que também prefere continuar anónimo.

Na hora de escolher casa, a cantora optou pelo número 92 da Rua das Janelas Verdes. O Palácio do Ramalhete, como todos lhe chamam. Construído ainda no século XVII, com o alto patrocínio de uma família abastada, o edifício, que os proprietários garantem ter servido de inspiração a Eça de Queirós em “Os Maias”, chegou à modernidade como unidade de alojamento local, com 16 quartos e luxos que vão desde uma piscina com água aquecida a um ginásio próprio.

Na Rua das Janelas Verdes, onde vive Madonna, é frequente ver turistas a parar para tirar fotos. Nas redondezas, a diva da pop já comprou roupa e bebeu Moscatel de Setúbal.

Antes, foi uma unidade hoteleira por onde, ao longo de décadas, passaram figuras de relevo como os Duques de Windsor ou o Rei Manuel II. Agora, o Palácio do Ramalhete volta a ser refúgio de uma personalidade de vulto, sem pergaminhos de realeza, mas com fama planetária.

Ainda assim, congratula-se quem por ali vive, a presença de Madonna na vizinhança não trouxe tantas mudanças como se poderia pensar. “A única diferença que noto é que agora há mais gente aqui a passar para tirar fotografias. Os japoneses tiram selfies, os tuk-tuks já param aqui. Mas só isso. E pelo menos não trouxe um aumento dos preços, como se chegou a falar”, dá graças Gaspar, cabelo grisalho e dois cães presos pelas trelas.

Nas Janelas Verdes, todos se habituaram a conviver com a proximidade da autora de “Like a Virgin” sem intromissões nem histerias. Ela agradece. “Em Lisboa, geralmente, as pessoas deixam-me em paz”, elogiou a americana, numa entrevista à versão italiana da revista “Vogue”.

A privacidade que Madonna apregoa é precisamente um dos chamarizes de um país feito oásis dos famosos. “O facto de sentirem que ainda há privacidade, que podem ter aqui uma vida normal, impossível noutros países, também pesa na decisão de vir para Portugal”, frisa o presidente do Turismo de Portugal.

Luís Araújo elenca ainda outros atrativos: “Há uma questão importante, que traz tanto as celebridades como investidores, e mesmo gente para estudar, que é o facto de as pessoas sentirem que Portugal é um país estável, do ponto de vista político, jurídico e mesmo em termos de segurança física. É um país tranquilo. E o reforço da conetividade também pesa. As pessoas sentem que, mesmo estando neste pequeno paraíso, estão ligadas ao mundo.”

Bellucci não nega uma foto
Mas há mais. O clima, a gastronomia, a arte de bem receber. Monica Bellucci que o diga. “Adoro a cidade. As pessoas são muito acolhedoras, a comida é ótima. Estão de parabéns por esta bela cidade, por um céu tão bonito, uma luz maravilhosa e um país tão encantador”, realçou, em tempos, a atriz italiana, de 53 anos, estrela de filmes como “Malèna”, “Irreversível” e “007 Spectre”.

Em 2016, depois de umas quantas visitas a Portugal que, já contou, a faziam sempre pensar o mesmo (“um dia hei de ter uma casa cá”), passou das promessas aos atos. Comprou casa perto do Castelo de São Jorge, no número 3 do Largo Contador-Mor, fez obras de fundo e começou a ser presença frequente nas redondezas. “Chegou a vir cá. É simpática e acessível”, revela um funcionário que há quase 30 anos trabalha num restaurante na zona do Castelo. Simpatia essa que, garante Mário, faz questão de estender a todos os que passam nas redondezas: “Quando passa por aqui cumprimenta toda a gente, acena a toda a gente.”

Porém, o restaurante que Bellucci mais frequenta ali na zona é à porta de casa, sem surpresa… um italiano. “Já veio cá umas quantas vezes. Comer comida italiana, claro. Pizza, massa. Numa das últimas vezes, veio com um grupo grande, umas 20 pessoas”, vai dizendo um funcionário do espaço. Abour, natural do Bangladesh, confirma que a atriz espalha sorrisos por onde passa. “É muito simpática. Já todos aqui no restaurante tirámos fotos com ela”, orgulha-se.

Monica já não aparece há algum tempo. Correm boatos de que estará de saída. “Ouvi dizer que quer vender”, acrescenta Abour. Mais abaixo, Rosa Mascate até ouviu mais. “Que já vieram buscar tudo.” Tem 78 anos e, da pequena janela da casa em que nasceu, goza de vista direta para o prédio da vizinha Bellucci. Parece pouco importada. “Disseram que era uma atriz conhecida que vinha para aí, para aquele prédio de dois andares, mas eu nem sei quem é.”

E por falar em vizinhança, ali bem perto há outro famoso que se rendeu aos encantos de Portugal: Christian Louboutin, o designer francês que criou os conhecidos sapatos de sola vermelha e, curiosamente, amigo de longa data de Monica Bellucci. Mas se a atriz italiana passeia frequentemente pelas imediações do Castelo, o francês, de 54 anos, prefere o recato do lar. Do número 12 do Largo dos Lóios, mais precisamente.

“Tem um casal de caseiros que vive cá o ano inteiro, no anexo que tem por trás da casa, e que faz tudo por ele. Por isso não costuma sair”, confidencia-nos uma funcionária da pastelaria ao lado, que não quer dizer o nome. “Nunca os vi [nem Louboutin nem Bellucci], mas às vezes vejo passar carros com vidros escuros e percebo logo que é gente conhecida”, acrescenta a empregada de uma loja de conservas, ali ao lado, que não se surpreende por o Castelo ser um local de eleição para gente endinheirada. “Há cada vez mais brasileiros a passar aqui, a perguntar se sabemos de casas para comprar. Toda a gente quer vir para cá. É um bairro sossegado.”

Voltando aos chamarizes, é preciso não esquecer as vantagens fiscais: os residentes não habituais beneficiam da inexistência de dupla tributação da pensão e de uma taxa fixa de 20% de IRS durante dez anos. Depois, há as particularidades de um mercado particularmente apetecível.

“Portugal tem apresentado uma valorização contínua do setor imobiliário, a médio e longo prazo. O investimento em imóveis continua a ser muito atrativo e percecionado como mais seguro face aos produtos financeiros”, explica Ricardo Costa, CEO da Luximos Christie’s International Real Estate, frisando ainda que, “nos últimos anos, vários rankings internacionais têm colocado Portugal como um dos melhores destinos para investir em imóveis, por ser cada vez mais seguro e rentável”. “Estes factos colocam o público com capacidade para investir de olhos postos no mercado imobiliário português.”

Entre os fatores valorizados por quem compra, continua Ricardo Costa, estão a qualidades dos imóveis, o detalhe e o bom gosto arquitetónico, mas também a localização. “A proximidade da praia ou de espaços verdes, de comércio e de serviços, bem como a acessibilidade” são fatores a ter em conta: “No caso dos estrangeiros, a proximidade ao aeroporto e a estações de metro costuma ser um aspeto relevante.”

O designer Christian Louboutin tem uma casa palaciana no Largo dos Lóios, também perto do Castelo, mas prefere o recato do lar.

E ainda há outro fator, sobretudo tendo em conta que falamos de compradores mediáticos, dispostos a grandes investimentos (no Algarve, uma moradia pode chegar aos 12 milhões de euros): a confidencialidade. “É essencial e é uma das vertentes que nos caracteriza. Temos acordos de confidencialidade, com as partes envolvidas no negócio e também com os trabalhadores da empresa para garantir a reserva da informação”, sublinha Ricardo Costa. Por isso, adianta apenas que a Luximos Christie’s International Real Estate já teve “diversos clientes estrangeiros conhecidos, designadamente artistas e jogadores da principal liga de futebol”.

Um Cantona bem diferente
Os anseios pela privacidade e discrição percebem-se quando tentamos encontrar as residências de alguns dos famosos que compraram casa em Portugal. A morada exata do ex-futebolista Eric Cantona, por exemplo, continua no segredo dos deuses. Sabe-se apenas que o francês se rendeu aos encantos de Lisboa há algum tempo, que é visto muitas vezes a passear entre o Rato e o Príncipe Real e que frequentemente escolhe o quiosque do Jardim das Amoreiras para tomar o pequeno-almoço. “Costuma pedir um croissant francês, um sumo de laranja e um café”, especifica Júnior, funcionário habituado a atender o antigo jogador do Manchester United.

A morada de Cantona em Lisboa continua no segredo dos deuses, mas o ex-futebolista gosta de tomar o pequeno-almoço no quiosque do Jardim das Amoreiras. No ano passado, investiu num prédio de luxo na Colina de Sant’Ana.

Júnior lembra-se bem dos tempos do Cantona jogador da bola: impositivo, truculento, por vezes irascível. Pois o Cantona cidadão nada tem a ver com essa imagem que lhe ficou da vida futebolística. “É uma pessoa muito discreta, muito educada. É muito diferente da história dele.” Júnior ri-se. Depois, lembra-se de um pormenor delicioso: “Até faz questão de entregar o tabuleiro no balcão, sempre que acaba.”

Sempre com roupa casual, um ar desportivo, tranquilo, óculos de sol – o “típico francês de classe média/alta”, pormenoriza Júnior -, Cantona até acede, com frequência, a dar duas de letra. “Gosta imenso de Portugal. Da alimentação, do clima, de não ser abordado como é em França.” Tudo razões que fomentam o estado de enamoramento.

“Lisboa foi uma verdadeira descoberta. Continua a ser. É uma cidade inspiradora e com uma energia muito forte. Estou verdadeiramente apaixonado”, confessou o antigo astro do futebol, entrevistado pela “Visão”, em 2016. Um ano depois, em 2017, Cantona deu nova prova de amor por Portugal, ao passar de simples morador a investidor: juntamente com Alex Ferguson, antigo treinador do Manchester United, comprou um prédio de luxo (que funciona como unidade hoteleira) na Colina de Sant’Ana.

No entanto, Cantona está longe de ser a única celebridade à escala internacional a vir para Portugal na disposição de abrir os cordões à bolsa. Muito menos a primeira. O ator John Malkovich fê-lo há mais de 15 anos, quando comprou uma casa em Portugal e investiu no restaurante Bica do Sapato e na discoteca Lux, ambos próximos da estação de comboios de Santa Apolónia. “Adoro Lisboa. O sol, a cultura, as pessoas, tudo. É uma cidade muito calma para passear, trabalhar, mas também para me divertir”, assumiu Malkovich, que até já recebeu a Medalha Municipal Grau Ouro da Câmara de Lisboa.

Outra das habitantes famosas (e menos recentes) de Lisboa é a cantora brasileira Mallu Magalhães, que se mudou para a capital há cinco anos. Tempo mais do que suficiente para se declarar. “Eu adoro Lisboa. Até já consigo andar por aí sem o Google Maps! Consigo descansar, é muito calmo. Aliás, é a medida perfeita. Adoro passear no Rato, no Príncipe Real, gosto daquela confusão, e também fui descobrindo outros bairros, os Anjos, por exemplo”, disse, no ano passado, numa entrevista ao “Observador”.

Mas há outros casos, uma infinitude deles. De artistas franceses, como o designer Philippe Starck, o realizador Joel Santoni e o músico Florent Pagny, aos atores brasileiros como Aguinaldo Silva, Luana Piovani e Giovana Antonelli. Em Hollywood, também já há quem tenha cedido aos encantos portugueses: se a notícia de que Scarlett Johansson se preparava para comprar casa em Lisboa nunca foi confirmada, parece certo que Michael Fassbender e Alicia Vikander se preparam para passar umas temporadas em Portugal, depois do investimento que fizeram numa casa de luxo no Palácio de Santa Helena, em Alfama.

De Viana ao Algarve
Lisboa assume-se, por isso, como destino preferencial da elite internacional. Mas a capital não é destino único. Christian Louboutin, por exemplo, tem uma segunda casa em Melides, no Alentejo. Philippe Starck, designer francês, tem um imóvel na Comporta. A cantora Bonnie Tyler há muito encontra refúgio no Algarve. O realizador Aki Kaurismaki vive há perto de 30 anos em Viana do Castelo.

E de há uns anos para cá também o Douro entrou na rota dos destinos turísticos mais procurados pelos famosos. “É uma tendência que abrange todo o território. Isso demonstra outra coisa: que Portugal tem ofertas para qualquer tipo de necessidade. Tanto para as pessoas que querem viver no centro histórico, como para as que preferem uma vida mais tranquila e querem descanso. Conheço celebridades e CEO’s de empresas que vivem em Nova Iorque e têm uma casa no interior português, para onde vêm uma vez por mês. Há uma dispersão ao longo do território”, confirma Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal.

Agradece o país, que entra numa senda de popularidade, feita bola de neve positiva. “Nos dias que correm, graças às redes sociais e à tecnologia digital, estas pessoas estão permanentemente expostas, são vistas por milhões em todo o mundo. Ao dizerem que estão cá, que investem cá, despertam curiosidade sobre aquilo que os fez vir”, enfatiza o líder do Turismo de Portugal.

Se tivermos em conta que só Madonna, por exemplo, tem, entre Facebook e Instagram, perto de 30 milhões de seguidores, facilmente se percebe o impacto que uma publicação da estrela da pop a gabar Lisboa pode ter. E assim, um país habituado a escapar aos holofotes, ganha protagonismo na rota de famosos dos quatro cantos do mundo. Tanto que até a imprensa internacional já faz eco desta atração.

“Toda a gente está a ir para Portugal”, anunciou ao Mundo o “The Telegraph”. Ou como diz o designer Philippe Starck: “Portugal é o melhor sítio da Europa para se estar por causa dos portugueses”. Ao cuidado da autoestima nacional.