Peter Café Sport: o abrigo dos lobos do mar

Texto de Sofia Teixeira

A distância entre qualquer parte do mundo e o Peter Café Sport não se mede em quilómetros, mas em milhas náuticas. As centenas de bandeiras de barcos penduradas nas paredes e no teto mostram que o seu destino andou sempre profundamente ligado ao mar. E o cosmopolitismo do lugar torna-se palpável quando olhamos para quem se senta às suas mesas.

É o mundo inteiro que se cruza dentro das quatro paredes: grupos de jovens mochileiros holandeses, abastados iatistas americanos, seniores ingleses e antigos pescadores baleeiros locais cruzam-se e convivem todos os dias. E hoje, como há décadas, ninguém vai por acaso: ir ao Peter beber um gin é uma peregrinação obrigatória para quem passa pelo Faial (Açores).

Vitorino Nemésio escreveu que, para os açorianos, a geografia “vale outro tanto como a história”. A açorianidade – termo criado pelo escritor que exprime a condição de ser açoriano – é marcada, em primeiríssimo lugar, pela geografia de quem vive há séculos no meio do mar e das tempestades. E a história do Peter Café Sport é, também ela, profundamente marcada por essa geografia.

Foi a localização da Horta, a meio caminho entre o Velho e o Novo Mundo, que ditou que aqui se instalassem quatro companhias de cabos submarinos que, a partir de 1893, transformaram a ilha numa torre de Babel. Quando, em 1918, Henrique Azevedo (1885 -1975) abriu o Café Sport, batizou-o assim por causa do gosto pelo desporto, um gosto que não era alheio à influência dos ingleses e alemães expatriados na ilha, que trabalhavam para essas companhias, e que levaram a paixão do desporto para aquelas paragens.

O nome “Peter” haveria de surgir apenas na geração seguinte, também pela mão de um inglês. José Azevedo (1925-2005), filho do fundador do Café Sport, trabalhou seis meses no porto da Horta e o seu patrão, um oficial inglês do navio H.M.S Lusitânia II, achando-o parecido com o seu próprio filho Peter, começou a tratá-lo assim. Tanto José como o café que herdou do pai passariam a ser conhecidos por esse nome.

Finda a Segunda Guerra, mais uma vez, a geografia da Horta ditou a história da ilha e do café: protegida pela Ponta da Espalamaca, a norte, e pelo Monte da Guia, a sul, a baía da Horta afirmou-se como um ponto de paragem dos aventureiros que faziam a travessia do Atlântico e que encontraram no Peter uma hospitalidade que lhes era tão necessária como o pão para a boca.

Depois de meses a enfrentar as vagas do Atlântico, os homens chegavam ali e o Peter – a quem um desses aventureiros chamou “excêntrico São Cristóvão dos marinheiros estrangeiros” – enfiava-se num pequeno barco a remos para lhes ir dar as boas-vindas a meio da baía, onde fundeavam. “Ajudava-os com a autorização médica [exigida para desembarcar até aos anos 1970], agilizava os abastecimentos necessários, fazia-lhes câmbio de moeda estrangeira, providenciava reparações aos barcos e servia até de posta-restante”, conta José Henrique Azevedo, filho de Peter e atual proprietário.

Ali recebiam cartas e encomendas dirigidas aos navegadores, serviço que ainda hoje mantém e que lhes valeu, em 2004, o galardão “Correio de Ouro” atribuído pelos CTT. “Hoje, escreve-se menos e por puro romantismo. Mas já temos atrás do balcão cartas deixadas por jovens de escolas náuticas para amigos que aqui vão passar em 2020 ou 2021”, partilha José Henrique.

Noutros tempos, tanta ajuda e hospitalidade não passavam despercebidas aos aventureiros que, apesar do ar andrajoso com que desembarcavam, próprio de muitos meses no mar, eram abastados e cultos. Escreviam livros e davam entrevistas sobre as suas aventuras marítimas pioneiras e o Peter era sempre mencionado. O homem e o café. Pois estavam para os navegadores como a baía da Horta estava para os barcos que chegavam: um abençoado porto de abrigo dos lobos do mar.

O escritor inglês Bernard Venables, por exemplo, dedicou o livro Baleia! (1969) a Henrique e José (Peter) Azevedo. Escreveu: “Nunca um viajante encontrou melhores amigos”. José Henrique gostava que daqui a muitos anos escrevessem o mesmo sobre ele: “Que me mantive fiel ao lema do meu avô e do meu pai. Que este é um espaço especial, onde as pessoas podem ser ajudadas”.

Hoje, na Horta, a caça à baleia deu lugar ao “whale watching” (observação de baleias). Há bem mais viajantes a chegar de avião do que aventureiros. No entanto, o icónico Peter mantém-se praticamente inalterado. O gin tónico – a bebida da casa desde o tempo dos clientes ingleses das companhias de cabos submarinos – chama-se agora “gin da amizade”, uma expressão emprestada a um poema açoriano, que faz alusão à promessa implícita que a casa faz há 100 anos: “Aqui, está-se sempre entre amigos”.