Quando os jovens trocam a praia pelo trabalho

Texto de Cláudia Pinto

Francisco Filipe, de 18 anos, está neste momento a estudar para os exames nacionais, com o objetivo de candidatar-se à licenciatura em Engenharia Agronómica. E se este ano está mais concentrado nos estudos, no verão passado trocou a praia pelo trabalho durante o mês de julho. Em vez de acordar às dez da manhã e divertir-se com os amigos sem horários, esteve numa empresa de aeronáutica a ajudar na área de produção.

“Tinha alguma curiosidade em experimentar uma atividade profissional e no momento em que surgiu uma oportunidade, não hesitei.” Não imaginava que poderia ser tão duro e confessa que a rotina de trabalhar das 8 às 17.00 horas foi mais exigente do que esperava. “Estava numa fábrica e comecei a perceber que é preciso trabalhar muito para receber algum dinheiro. Deu-me a conhecer outras realidades. Percebi que temos de lutar bastante se queremos ser alguém na vida.”

Francisco era uma espécie de colaborador polivalente, pronto a ajudar nas tarefas que fossem necessárias. Desse mês intensivo recorda os conselhos dos colegas mais velhos, que insistiam para que Francisco não abandonasse os estudos de forma a ter uma profissão menos dura. E, apesar de não ter sido fácil recusar os convites dos amigos para irem à praia, afirma que se sentiu útil ao ver o trabalho recompensado. “Optei por utilizar o dinheiro para pagar a carta de condução.”

Os jovens estudantes devem ter um trabalho temporário no verão? Com que utilidade? Se tem um filho adolescente, é provável que já tenha colocado esta questão. Nuno Reis, psicólogo clínico do Centro do Bebé, a trabalhar também com jovens institucionalizados, dá resposta positiva à primeira questão, desde que a decisão seja partilhada entre pais e filhos.

Os benefícios são diversos, do ponto de vista psicológico, para quem decide ter uma experiência profissional durante as férias. O psicólogo enuncia alguns: “Ganhar dimensão de responsabilidade ao nível de horários, contactar com outras pessoas, perceber outras realidades, colocarem-se noutro ponto de vista que não o deles, construir e consolidar a sua identidade.” Sair da zona de conforto é então uma das grandes mais-valias. “Do ponto de vista do desenvolvimento, abre o espetro, não o afunila. Ajuda-os a perceberem que estão em situações novas e que têm de proceder de maneira diferente. Acaba por ser uma experiência de crescimento e de transformação que lhes dá outra perspetiva da vida”, sublinha.

O período de férias escolares representa uma logística acrescida, tendo em conta o tempo que os jovens acabam por passar sozinhos ou sem familiares disponíveis. “Em Portugal, temos períodos de férias muito longos, um calendário escolar discutível e eventualmente muito desequilibrado, ou seja, os jovens têm praticamente três meses de férias, à exceção dos anos em que possam ter exames, e fará sentido ocuparem esse tempo fazendo coisas diversas, se concordarem”, afirma Nuno Reis.

Uma experiência pré-profissional

Há outras formas, mais suaves, de começo de contacto com o mundo de labor dos adultos. É o caso do voluntariado. Este é o segundo ano em que Alexandra Fino inscreveu o filho Salvador, de 14 anos, numa atividade de verão. O programa “Marézinhas do Futuro”, promovido pela Câmara Municipal de Cascais (CMC), destina-se a jovens dos 12 aos 14 e tem o objetivo de sensibilizar para a preservação das praias, prestar informação ambiental e assegurar que os equipamentos e acessibilidades estão a funcionar bem. “Gosto de estar na praia, é um ambiente com o qual me identifico e sinto integrado”, esclarece Salvador, estudante, também às voltas com os exames nacionais. Para o ano, se tudo correr bem, estará na área de Ciências no 10.º ano. “Quero ser veterinário”, revela.

Todos os anos, o cenário repete-se. Salvador gasta uma fatia das férias com os pais e irmãos, vai à praia com amigos ou fica em casa a jogar computador. “Tenho de combater isso. Apesar de gostar, sei que não é saudável estar tantas horas em frente ao ecrã”, reconhece. A mãe concorda e considera essencial dar sugestões e outras opções aos filhos. O filho Guilherme, dez anos mais velho, conhece bem a realidade da limpeza das praias. Desde cedo que participa em iniciativas do género, acabando por ser um exemplo para o irmão Salvador.

Com a experiência acumulada, Alexandra, que tem mais uma filha (Matilde, de 11 anos), argumenta que a participação nestes projetos permite-lhes sair da rotina, conhecer outras pessoas e fazer amigos. E tem a certeza que os condiciona de forma positiva para o futuro. “É uma vivência diferente. Também acho que a questão de socialização e entreajuda entre os vários participantes é muito importante. Por outro lado, os pais sentem que eles estão bem entregues porque são programas muito bem organizados e coordenados.” Alexandra afirmar ainda que esta atividade acabou por ajudar o filho Guilherme a procurar soluções de ajuda monetária para investir no que precisa: “Ainda hoje trabalha em projetos pontuais para juntar dinheiro para aplicar num curso de reabilitação psicomotora que pretende tirar a partir deste ano.”

Segundo dados da CMC, só em 2017, 1850 jovens entre os 12 e os 30 anos integraram um total de seis programas de voluntariado e cidadania ativa, dedicando 284 173 horas a diversas causas e contribuindo com um serviço para a comunidade. Em troca de algumas horas de participação recebem uma bolsa de ajudas de custo que vai dos 8 aos 20 euros, sempre que as mesmas não sejam asseguradas pelos vários parceiros.

Reforço da autoestima

A partir de que idade é que estas atividades fazem sentido? Não é fácil ter uma resposta definitiva sobre as faixas etárias que mais beneficiam destas experiências. Para Alexandra Fino, um jovem com 14 anos não é demasiado novo para integrar estes projetos.

“Julgo que a autoestima na pré-adolescência é muito oscilante. Poucos são os jovens que já estão bem equilibrados. Hoje em dia começam a fazer tudo mais cedo mas, por outro lado, são imaturos durante mais tempo. Recebem muita informação mas têm pouca maturidade para a gerir. Estes projetos ajudam-nos a cumprir horários, a ter regras e a sentirem-se úteis.”

Para Nuno Reis, a partir dos 16 anos é perfeitamente razoável alinhar nestas iniciativas, “desde que não seja algo imposto mas sim discutido entre todos”, reforça. Também é fundamental que todo o processo seja acompanhado, que os pais participem e tentem saber mais acerca do que o jovem está a fazer. “É importante que a família mostre interesse mas sem controlo ou julgamentos.”

Isabel Filipe, mãe de Francisco Filipe, não tinha muita oportunidade para conversar com o filho no regresso a casa embora tenha tentado, juntamente com o marido, acompanhar a experiência. “Ele chegava tão cansado que só tinha tempo de tomar um banho, jantar e dormir.” Recorda a frase que o filho repetia: “Isto é muito duro.” Francisco mostrava alguma indecisão relativamente ao futuro e à profissão que gostaria de seguir e este trabalho ajudou-o a refletir.

“Por mais discursos que tenhamos e por mais que os tentemos despertar para a realidade da vida, não há nada como o confronto. Ele ficou com muitas incertezas à mesma mas também com a convicção do que não queria para a sua vida. Aliás, quando o questionámos sobre se queria voltar ao mesmo trabalho este ano, respondeu rapidamente que não.” O facto de ser o mais velho de três irmãos poderá ser benéfico para os outros. “Não há nada melhor do que o exemplo.”

O psicólogo Nuno Reis recebe alguns jovens em consulta que demonstram alguma insegurança quanto à capacidade de desenvolverem alguns trabalhos. “Eles partilham as suas experiências a trabalhar na apanha da fruta no estrangeiro, ou durante uma temporada numa empresa, e revelam o receio de não conseguirem estar à altura. Participar nestas atividades acaba por ser importante para o sentimento de satisfação e de que são capazes”, defende. “Como acabam por ser reconhecidos, estas experiências são muito relevantes em termos de autoestima.” Alexandra concorda: “Nestas idades, os jovens querem mostrar ao mundo que também são gente e que já sabem fazer as coisas. É uma forma de se sentirem úteis.”

Há que não esquecer, no entanto, a importância da componente lúdica e do lazer. Mesmo que o adolescente opte por um trabalho temporário no verão, não deve descurar as férias. Equilíbrio é a palavra de ordem. “Caso contrário”, alerta Nuno Reis, “temos adolescentes que não vivem a idade certa e que se tornam adultos demasiado depressa. De igual modo, também não tem mal se um jovem não quiser desenvolver estas tarefas. Não me parece que seja um sinal preocupante e não devemos formatar os adolescentes na lógica de que só se desenvolvem de forma conscienciosa e harmoniosa se tiverem uma experiência profissional aos 16 e 17 anos.”

Para quem deseje experimentar um trabalho temporário, três meses dão para tudo e permitem organizar o tempo entre férias e outro tipo de atividades. Não só neste período, como no resto do ano, o segredo passa mesmo por “ouvir e sobretudo confiar nos filhos”, remata o psicólogo.