Os Green Day e Mesquita Nunes

Notícias Magazine

A história é a de uma ida ao psiquiatra para «choramingar». Billie Joe Armstrong queixava‑se de ser um «tonto melodramático», «neurótico até aos ossos», à procura de recuperar o controlo da sua vida. Do fundo do divã, a sentença foi clara – afinal, era só falta de sexo que desmoralizava o vocalista dos Green Day.

Logo depois, na história que canta em Basket Case, o primeiro single do álbum Dookie, veio o discreto recado. Armstrong canta que pagou para resolver a carência, mas que a conversa não foi animadora: «Ele disse‑me que a minha vida era um aborrecimento.» E ninguém deu pela subtil mudança do género. Um ano depois, em entrevista, acabava com as dúvidas. «Sempre fui bissexual. Acho que as pessoas nascem bissexuais e que depois os pais e a sociedade as proíbem fazendo disso um tabu», disse à Advocate.

Recentemente, ao Expresso, Adolfo Mesquita Nunes, antigo secretário de Estado do Turismo, assumiu ser homossexual. Uns dirão que já outros o tinham feito com menos alarido – o deputado do PS Alexandre Quintanilha é casado com o escritor Richard Zimmler – ou que já havia quem o tivesse feito antes – pouco depois da chegada ao governo, a secretária de Estado Graça Fonseca assumiu o mesmo em entrevista ao Diário de Notícias.

A maioria preferiu elogiar a coragem de Mesquita Nunes que, afinal, é vice‑presidente num partido que se anuncia democrata‑cristão, conservador na sua essência. E a verdade é que o momento foi, inesperadamente, histórico – nunca um dirigente partidário havia confessado tal preferência. Escusa de confirmar, sim, estamos em 2018.

Na entrevista em que assumiu a homossexualidade, Graça Fonseca explicou que o fazia porque «leis não chegavam para mudar mentalidades». Tem razão. Adolfo Mesquita Nunes seguiu o mesmo caminho. Tal como Armstrong, primeiro discretamente, durante a campanha eleitoral e em resposta aos cartazes pinchados com a palavra gay, e agora em entrevista.

Em 1994, nem Dookie deixou de vender milhões de cópias, nem os Green Day deixaram de lançar uma nova vaga punk, nem Billie Joe Armstrong alguma vez deixou de dizer o que lhe apetecia – a mais recente foi uma simpática comparação entre Trump e Hitler.

Por cá, aposto que a carreira política de Adolfo Mesquita Nunes não será beliscada. É verdade que na hora de votar poucas coisas serão tão irrelevantes como a preferência sexual do candidato, mas é sabido que para quebrar normas é preciso coragem. E essa, sim, é rara.

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DOOKIE

Green Day
Farol Música
5,36 euros

A MINHA ESCOLHA

E QUE O ROCK CONTINUE CONVOSCO

Diz‑se por aí que o rock morreu. Atropelado pela era do hip hop, vetado à irrelevância pelas bandas indie, pela procura de novos sons ou pela variedade hoje disponível à distância de um clique, é certo que o rock já viveu tempos mais prósperos. Ainda assim, a morte está longe de confirmada.

Há quem resista, há quem brilhe e por cá até temos a sorte de ter quem o defenda com brio e génio suficiente para que não soe a velho, para que não destoe da música que impera por estes dias.

Desde 2003 de guitarras em riste, depois de Sirumba, em 2016, os Linda Martini voltaram aos discos com um trabalho homónimo, mais cru, mais rockeiro e nem assim passível de ser confundido com o trabalho de outra banda qualquer. É rock, é contemporâneo e mais um belo disco dos Linda Martini.

Gravidade, o explosivo arranque, anuncia ao que vão, Caretando, É só Uma Canção e Quase Se Fez Uma Casa mostram que não atravessam qualquer crise de identidade e, dúvidas restassem, cimentam o lugar da banda entre as melhores e mais consistentes do panorama nacional.

Que o rock continue com eles. Precisa o rock, precisamos nós.

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LINDA MARTINI
Linda Martini
Sony
10,99 euros