Texto de Sofia Teixeira
Em setembro de 2015, uma das estrelas da Semana da Moda de Nova Iorque foi a australiana Madeline Stuart. Um ano depois, no mesmo evento, foi a vez da indiana Reshma Qureshi pisar o palco. A primeira é portadora de Síndrome de Down, a segunda sobrevivente de um ataque com ácido.
Ambas foram postas em palco pela FTL Moda, uma empresa italiana especializada em desfiles e produção editorial que promove a diversidade e que já havia colocado na ribalta mulheres em cadeira de rodas e amputadas. Estas são ainda exceções que confirmam a regra – a indústria tem pouca diversidade e assenta em padrões de beleza estereotipados – mas podem ler-se como sinais de mudança e mensagens sociais fortes.
A sensibilização para a diversidade, a contestação e a provocação não têm sido feitos apenas através de modelos na passarela, mas também pela desconstrução de conceitos instituídos. Em 2015, o indiano Ashish causou burburinho com um desfile onde homens usavam saltos altos e mulheres andavam de skate. O ano passado, o designer Daisuke Obana, da marca masculina japonesa N. Hoolywood, apresentou na semana da moda de Nova Iorque uma coleção inspirada em sem-abrigo. O público chamou-lhe insensível. Guy Trebay, crítico de “The New York Times”, lembrou que “a moda é, principalmente, um dispositivo reflexivo”.
Em 2015, o indiano Ashish causou burburinho com um desfile onde homens usavam saltos altos e mulheres andavam de skate.
Enquanto expressão criativa e artística, a moda pretende surpreender, questionar, confrontar. Mas também pretende envolver, e os passos que dá baseiam-se nas mudanças sociais que perceciona. “Hoje, as marcas de moda funcionam como barómetros daquilo que as audiências esperam ou, numa abordagem mais contemporânea, daquilo que as audiências querem – ou pensam querer”, defende Fernando Oliveira, coordenador do mestrado em Branding e Design de Moda do IADE – Universidade Europeia.
“A Benetton percebeu isso desde muito cedo e as suas campanhas polémicas refletem um ativismo político que se pode inserir numa orientação relevante para o branding contemporâneo: o envolvimento do público.” Por isso, o professor e investigador acredita que “a ideia das marcas de moda atuarem sobre as questões políticas e sociais não é mais do que uma reação aos estímulos e preocupações atuais das audiências.”
O ano passado, o designer Daisuke Obana, da marca masculina japonesa N. Hoolywood, apresentou na semana da moda de Nova Iorque uma coleção inspirada em sem-abrigo.
Um bom exemplo disso é o desfile de Jean-Paul Gaultier, em julho deste ano, na Semana da Moda de Paris: uma coleção que foi considerada uma ode ao fumo e uma crítica às atuais atitudes rígidas em relação ao tabaco. Gaultier, de resto, juntamente com Alexander McQueen (1969-2010) e Vivienne Westwood, destaca-se pela irreverência que imprimiu às décadas de 1980, 90 e 2000.
No caso de Westwood, o ativismo também não se ficou pela roupa criada. A designer tomou posição sobre muitas causas sociais e políticas, surgindo em público com t-shirts com frases como “Não sou terrorista, por favor, não me prendam”, em protesto contra a aprovação de leis antiterrorismo no Reino Unido; deixando de usar pele animal nas suas coleções e tornando-se membro da People for the Ethical Treatment of Animals (PETA); usando membros da comunidade cigana em vez de modelos num desfile em Itália, num momento sensível de tensões sociais; criando (e usando) t-shirts de apoio à libertação do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que visitou na Embaixada do Equador em Londres.
Mas nem tudo é irreverência e ativismo tão declarados. Às vezes, a tomada de posição é mais subtil e só notada no imediato por quem segue os criadores. Nos anos 80, por exemplo, os designers japoneses Issey Miyake, Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto apresentaram em desfiles vestuário destinado à mulher, largo e fluido, pouco de acordo com os padrões de então.
“Isso abriu outras possibilidades ao feminino e à exploração de uma interessante androginia que libertava claramente a mulher dos ditames e estereótipos vigentes de beleza e feminilidade”, considera Catarina Moura, professora de Moda na Sociedade Contemporânea, entre outras disciplinas, na Universidade da Beira Interior (UBI).
Entre a contracultura e o mainstream
“A moda sempre acompanhou de perto a contracultura, inspirando-se num conjunto de movimentos que não só não alinhavam com as tendências mainstream como negavam convictamente tudo o que elas representavam”, prossegue Catarina Moura.
“O modo como as pessoas se vestiam significava, de facto, algo no âmbito destes movimentos, funcionando como uma projeção daquilo em que acreditavam e, consequentemente, constituindo-se como uma extensão da sua identidade.”
No entanto, a indústria da moda tem também a capacidade de reduzir essas apropriações a uma dimensão estética, destituída de conteúdo ético ou político real. Uma tendência que, de acordo com a professora e investigadora, é especialmente notória hoje.
O ano passado, no apogeu do movimento #metoo, a nova diretora criativa da Dior, Maria Grazia Chiuri, tirou da cartola a famosa t-shirt com o slogan “We should all be feminists”, ideia que rapidamente se multiplicou pelas cadeias de pronto-a-vestir em versões várias: “my body, my mind, my choice”, “I’m not your baby”, “girls can do anything”.
No apogeu do movimento #metoo, a nova diretora criativa da Dior, Maria Grazia Chiuri, tirou da cartola a famosa t-shirt com o slogan “We should all be feminists”
Esta tendência, critica Catarina Moura, “transformou-se num absoluto epifenómeno”. A professora da UBI entende que as mensagens são importantes, merecem toda a exposição que seja possível dar-lhes – a moda é um ótimo veículo para lhes dar visibilidade – mas diz que, ainda assim, o resultado final é um vazio.
“Não desacreditando as boas intenções dos designers e dos utilizadores das t-shirts, temos de ter honestidade suficiente para perceber quão esvaziadas de sentido se tornaram: a moda é capaz de transformar o que em tempos foi alternativo, periférico e minoritário, em algo totalmente mainstream, genérico e globalmente aceitável”, sustenta, concretizando: “Mas isso significa que estas t-shirts, por exemplo, se tornaram apenas um ‘estilo’ e vesti-las, por vezes, diz apenas algo sobre as nossas preferências estéticas, não sobre as nossas ideologias, sobre aquilo em que acreditamos ou com que estamos politicamente comprometidos”.