O dia em que o Porto viu um milagre

Texto de Ana Patrícia Cardoso/ Arquivo JN

«Vendem, carregam as redes, lavam-nas (…) metem ao ombro os barcos para os deitar ao mar. Acabada a pesca, todo o trabalho cabe à mulher, que fabrica a graxa que trata dos filhos, que faz as redes, as lava e as conserta e que vai vender por esses caminhos fora.» escrevia Raul Brandão, em 1923, no seu livro Os Pescadores.

Os ventos sopraram favoráveis e no início do mês os «pescadores não tiveram mãos a medir com a abundância de sável fora do comum».

O escritor, nascido na Foz do Douro, conviveu com homens do mar de norte a sul do país e as suas famílias para escrever a obra. 42 anos depois, a 1 de abril de 1965, o Jornal de Notícias voltava às margens do Porto para noticiar o milagre do sável.

O negócio já tinha visto melhores dias, vendiam-se «quatro ou cinco», que «quase não chegava para cobrir despesas feitas com gasolina e pessoal». Até que os ventos sopraram favoráveis e no início do mês os «pescadores não tiveram mãos a medir com a abundância de sável fora do comum».

O que seria um dia de pesca como outro qualquer transformou-se em dois dias de festival do peixe. «A marginal do Ouro à Cantareira – antiga zona portuária – esteve transformada num autêntico mercado ao ar livre». Um acontecimento feliz para quem vivia dependente das marés.

À época, a pesca ocupava grande importância na vida das gentes que viviam nas margens do Douro e fazia parte da alma da cidade, como escreveu Raul Brandão: «Esta paisagem – mar, rio e céu – entranhou-se-me na alma, não como paisagem, mas como sentimento».