Rui Cardoso Martins

O bebé ladrão

Notícias Magazine

Aqui lhe respondo já, com muitos anos de avanço: era você um bebé, meu caro, uma criatura de meses, quando entrou numa megaloja de roupa do Centro Comercial Colombo e saiu de lá coberto de artigos que não pagou. Sim, escondeu tudo no carrinho de bebé, com o maior à vontade, como se estivesse apenas a provar peças enquanto dormia a sesta, até blusas e um blusão minúsculo o meu amigo furtou nesse dia, em 2018. É verdade, e um pijama de criança também. Confira só se a sua mãe – esperando que ainda seja viva – se chama Cláudia. É Cláudia a sua mãe? Então era mesmo você, caro ladrão bebé, foi o seu primeiro crime.

Mas vendo as coisas para trás, para o tempo presente e vivo em que estamos – com o meu amigo ainda sem saber falar, só talvez a dizer mamã e papá -, estou a ser cruel e injusto. É claro que a culpa não foi sua, porque outras pessoas o levaram à tal megaloja de roupa e foram elas a roubar. O maligno problema é que no dia do julgamento por furto, a sua mãe não apareceu no tribunal. E a outra pessoa que a acompanhava na loja, Anabela, jurou a sandálias juntas que nada teve a ver com o esquema. Foi enganada por Cláudia. Acusada de um crime que não cometeu. Caiu, lá está, como um bebé de colo.

João Vasco Correia

– A Cláudia é minha vizinha.

– Tem alguma coisa contra ela?, perguntou a juíza.

– Sem ser esta situação, não.

– O que é que aconteceu?

– Ela disse que não tinha carta e se eu a podia levar a Lisboa fazer umas compras para o bebé. Eu disse que sim. Lá dentro, dispersámo-nos. A Cláudia foi buscar coisas para ela.

Diz Anabela que tudo correu bem até a amiga ter uma ideia.

– Liguei à Cláudia e ela disse que íamos sair pela porta de trás. Eu disse que era melhor sair pela mesma porta. Mas como ela disse que ia atrás de mim…

Acabaram por ir para a porta de trás.

– Eu vou à caixa, pago o que levo, uns brincos. Ela paga o dela e segue. À saída, estavam à nossa espera. E ela só me disse: “Tens dinheiro contigo?” E depois vi que ela tinha muitos pertences da loja com ela.

Anabela é baixa e morena, encolhe os ombros em bola.

– Houve alturas em que nos encontrámos lá dentro, sim. Ela ia buscar coisas para o bebé dela.

– Não sabia que ela ia sair sem pagar?, pergunta a advogada.

– Sem pagar, não, não fazia a mínima ideia.

Isto quase confere com a versão do segurança que controlava as câmaras de vigilância: as duas mulheres separavam-se, voltavam a encontrar-se, conversavam, miravam as peças de roupa que Cláudia ia colocando num saco cinzento em cima do carrinho. Isto durou mais de meia hora.

– Fui informando o meu colega, disse o videovigilante.

Quando as duas saíram das caixas, o colega já tinha chamado um polícia. Pediram-lhes para entrar numa sala. Revistaram tudo, incluindo o bebé. A juíza não estava convencida.

– O seu processo foi suspenso. A senhora pagou a suspensão.

– Sim.

– Porque é que pagou se, pelo que estamos a ouvir, se diz inocente?

– Porque na altura me convenceram que era mais fácil, que tinha que pagar porque eram custos do funcionamento do tribunal… Eu paguei por a ter acompanhado.

– Hum… Estava ou não estava combinada com a Dona Cláudia?, suspirou a juíza.

Anabela expirou o ar com força, ficando menos redonda.

– Não, não estava!

Vi uma vez um avô que foi comprar farinha e ovos para um bolo que ia vender, era disso que vivia, e de caminho roubou umas botinhas de lã no supermercado. O velho chorou porque só queria dar um presente à netinha.

Vi também um pai que, na véspera de Natal, roubou o casaco vermelho inacessível que a filha queria. Foi condenado a pagar uma multa que valia três casacos. Saiu gelado do tribunal.

É claro que o seu caso, bebé da megaloja do Centro Comercial Colombo, pode ser também um exemplo de pobreza e necessidade.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)