A nossa história sem nós

Notícias Magazine

Eu não gostava das respostas que dava às perguntas que me fazias, não gostava da maneira como me sentava quando conversávamos. Não gostava da pessoa que era contigo.

Lia no teu rosto o reflexo do que encontravas no meu. Os teus olhos espelhavam o incómodo. Não gostava da pessoa que era contigo e, no entanto, quando tentava mudar, falhava sempre.

Era como se os gestos não me obedecessem, como se as palavras recusassem fazer-me a vontade, como se tivesse deixado de conseguir pronunciá-las e fossem elas, palavras independentes, a pronunciarem-me a mim. Era como se não existisse escolha.

A forma como me entendias, a pessoa que achavas que era, não dava espaço para que mudasse. Assim me convenci de que já não conseguia ser outro aos teus olhos. Quando fazia o contrário do que esperavas, afirmavas que estava a ser irónico, rias mesmo quando não tinha graça. Demonstravas-me que não havia razão para contrariar a minha natureza, a natureza que me impunhas. Eu conheço-te, dizia a tua voz.

No início, era eu que procurava maneiras de exprimir o que os teus olhos me pediam. Não resistia ao teu contentamento, existia para uma certa expressão do teu rosto. Nesse tempo, não custava fazer-te a vontade, ser ator de mim próprio, usar o meu corpo e a minha voz para representar um papel que me parecia inofensivo. Como as drogas, quando quis sair, era tarde. As tuas certezas não me deixavam regressar a mim. Já não conseguias acreditar naquele que era realmente.

Agora, não sei onde estás. Houve um momento em que os nossos corpos se afastaram, foram puxados em direções opostas. Se tivesse sido capaz de mostrar-te, se tivesses podido ver, qual teria sido a nossa história?

Longe, ficarás para sempre a recordar alguém que não existia de facto. Longe, ficarei sempre preso a dúvidas, como se me afundasse num mar gelado e noturno, como se as dúvidas fossem pesos a levarem-me para o fundo. Agora, deixaram de existir espelhos a refletir aqueles que éramos juntos: eu para ti, tu para mim.