Quando a Internet é a alma do negócio

Álvaro Isidoro/Global Imagens

Texto de Pedro Emanuel Santos

As fronteiras desapareceram e abriram-se novas estradas digitais que aproximam destinos antes quase impossíveis de se tocarem. Os novos negócios estão aí. Sem entraves físicos que coloquem areia nas engrenagens da proximidade.

“O tempo e espaço entraram numa nova conceptualização, deixaram de ter barreiras”, resume Elísio Estanque, sociólogo e investigador da Universidade de Coimbra.

Esta nova aventura tem tudo para não ser, somente, um episódio esporádico na história da internet. Talvez seja o ponto de partida para aquilo que as futuras gerações encararão com a maior das normalidades. Mas que as gerações atuais ainda olham de soslaio, com a desconfiança que as novidades trazem sempre atreladas em si.

“A internet está a crescer e, não restam dúvidas, vai crescer cada vez mais. E é uma grande feira, cabe lá tudo.” A opinião é do francês Jean Martin Rabot, especialista em novas tecnologias que, na Universidade do Minho, trabalha fenómenos relacionados com a sociologia do quotidiano e do imaginário.

“Há muitos negócios, muita coisa em jogo. É lá que vamos encontrar soluções para tudo, é lá que cada um vai buscar aquilo que lhe interessa”, acrescenta.

Neste enorme mundo em rede, palco de permanentes inovações e invenções, acaba por não surpreender que os outrora movimentos tradicionais do quotidiano sejam ultrapassados em excesso de velocidade pela rapidez da rede. “As pessoas deslocavam-se a consultórios, a bancos, a tudo. Hoje, podem fazer exatamente as mesmas coisas online, é uma realidade incontornável”, garante Jean Martin Rabot.

Resta apenas tentar adivinhar o futuro, perceber que rotas abrem as novas formas online de oferta. “Estamos numa fase de transição em que não sabemos ainda quais são as atividades que enraizarão em definitivo e as componentes que não conseguirão prescindir da presença face a face”, acredita Elísio Estanque.

Ou, como lembra Paulo Faustino, especialista em marketing digital, “o digital é o presente e o futuro será ainda mais”. Uma tendência crescente que levará a que “áreas como a educação, a formação, a consultoria ou mesmo de consultas possam ser 100% online”.

O coreógrafo

Rita Carmo

A companhia de dança que tem o maior dos palcos

Chama-se Online Dance Company (ODC), nasceu em maio de 2016 e é coordenada pelo bailarino e coreógrafo Cifrão. Uma vez por mês disponibiliza vídeos de dança, dos mais diversos estilos, através da internet.

O sucesso do projeto traduz-se nas cinco milhões de visualizações que os vídeos da ODC registaram em apenas dois anos. Por cá e junto do público estrangeiro.

Os vários prémios conquistados entretanto – alguns deles internacionais – são também sinal de que Cifrão estava certo quando percebeu que “as plataformas digitais eram o sítio certo para expor a dança a todas as gerações”.

O feedback do público é constante, as reações chegam praticamente ao segundo. Durante e após as transmissões dos vídeos.

A ideia é não mais parar daqui em diante. Porque, apesar do muito que já foi coreografado e transmitido para uma vasta audiência virtual, para os próximos anos está prometido “um espaço enorme de progressão”. Assim acredita Cifrão, a alma que dá corpo a uma companhia de dança de padrões originais.

A nutricionista

André Vidigal/Global Imagens

Conseguir emagrecer a milhares de quilómetros de distância

Em 2014, o conceito de nutricionismo online era imberbe. Lilian Barros lembrou-se de lançar o nutricionistas-online.com. Sentia que era possível ajudar mais gente através de um meio em que todos estão contactáveis em simultâneo e em rede.

O processo é o mesmo como se de um convencional consultório médico se tratasse. O paciente é avaliado, é-lhe atribuída ficha clínica, traçado o historial. Depois, há diários alimentares e planos para seguir à risca.

“A única diferença é que todo este processo é realizado através de videoconferência. Mas a eficácia é a mesma”, detalha Lilian Barros, que conta com a colaboração de um chef para sugerir receitas saudáveis.

O site é procurado por pessoas que vivem, essencialmente, fora do país. Sobretudo emigrantes. Os preços começam nos 45 euros e baixam para os 35 durante as consultas de acompanhamento. Há a possibilidade de optar por outros pacotes com valores variados. A certeza é que quem está do outro lado terá sempre tratamento personalizado.

O advogado

Um escritório que chega a todos os lados desde o Porto

Paulo Sérgio Rodrigues é brasileiro. Mas quase português. Nascido do outro lado do Atlântico, estudou Direito na Universidade do Porto, regressou ao Rio de Janeiro e voltou novamente para Portugal.

Com uma ideia fixa, a de criar um escritório de advogados online. Se assim o pensou, assim o fez. Em fevereiro, lançou o psradvogado, sítio especializado em consultas à distância. Como se de um escritório se tratasse. Mas tudo via internet.

Os clientes acedem ao site, expõem os problemas que querem resolvidos e, por 70 euros mais IVA, toda a assistência jurídica é realizada depois através de Skype ou por chat.

Apesar de manter escritório físico, no Porto, Paulo Sérgio Rodrigues baseia a quase totalidade da atividade no vasto mundo da internet. Casos na área do direito cível, não toca em direito penal.

“A grande vantagem para quem me procura é evitar o constrangimento das deslocações ou a necessidade de procurações. Trato de tudo na mesma, só que à distância”, garante o advogado.

O PT

Pedro Granadeiro/Global Imagens

Um corpo perfeito moldado a partir do conforto de casa

O projeto foi batizado com nome próprio e idealizado para chegar a todos. Chama-se Paulo Fernandes Fitness, está online há dois anos e é destinado a quem deseja moldar o corpo sem se deslocar a um ginásio. Mesmo para quem mora a milhares de quilómetros de Portugal. Há inscritos desde Espanha, Inglaterra, Brasil, Itália, França, Suíça, até da China.

Paulo Fernandes trabalha em colaboração com uma nutricionista, uma treinadora e uma secretária. Os planos são individualizados, a estratégia delineada para levar o cliente ao que pretende. Como se de um ginásio se tratasse.

“Depois, é só enviar os exercícios adequados ao cliente e ir seguindo a evolução”, diz. Por preços a partir de 50 euros, o acompanhamento é feito por email, às vezes almofadado com imagens vídeo quando a hora é de explicar mais pormenorizadamente o tipo de exercício a realizar a partir de casa.

A distância acaba por ser amiga da interação entre os dois lados. “O feedback com os clientes torna-se mais regular do que num ginásio”, assegura.

O psicólogo

Álvaro Isidoro/Global Imagens

Quando a privacidade de um divã tem o tamanho do mundo

Democratizar o acesso a serviços de saúde mental. Foi com esse propósito que Tiago Campos, Marisa Pereira e Paula Ribeiro lançaram, em 2014, o We Care On, um gabinete de psicologia, coaching e bem-estar que não tem quatro paredes como limite, mas o espaço imenso da internet.

As consultas são realizadas através de videochamada, chat ou email. A escolha é sempre do paciente. Até podem ser anónimas, caso quem esteja do outro lado se sinta mais à vontade dessa forma.

A tabela de preços varia entre os 15 e os 50 euros à hora, a escolha do psicólogo é sempre livre, assim como a hora da consulta. “Metade das pessoas chega até nós do estrangeiro. Sobretudo emigrantes portugueses que precisam de apoio”, revela Tiago Campos.

Casos de ansiedade e depressão dominam o grosso dos que buscam a We Care On. Projeto que acaba por funcionar como um espaço que quebra barreiras delicadas em processos, também eles, delicados. À distância.

O explicador

Diana Quintela/Global Imagens

A enorme sala de aula que vai de Trás-os-Montes ao Algarve

Luís Serrano estudava no Instituto Politécnico de Setúbal quando se apercebeu de um novo caminho a explorar no universo das explicações. Há três meses, o jovem, de 21 anos, lançou a plataforma Learnify, que congrega 300 explicadores do país inteiro e privilegia a internet como forma de contacto com alunos do ensino básico ao superior.

O objetivo foi transportar o que existe fisicamente para uma base comum de interação online. O processo de utilização parece simples: os estudantes acedem ao site, escolhem a disciplina a que pretendem ser apoiados, marcam uma aula e aguardam pela disponibilidade de um explicador que os possam ajudar. Estejam onde estiverem.

“Pode dar-se o caso de explicador e explicando entrarem em contacto desde pontos do país completamente diferentes”, explica Luís Serrano. Por áudio ou vídeo, como os alunos se sentirem mais à vontade, eles que contam com a liberdade de, no final, poderem avaliar o serviço que estão a pagar desde cinco euros à hora dando nota final ao serviço prestado.

O contabilista

Ivo Pereira/Global Imagens

Números e contas que batem certo ao sabor da rede

Juntar as novas tecnologias à contabilidade e conceber um projeto inédito com características únicas. Foi essa a base que levou Pedro Ferreira, 40 anos, a criar a SCO, uma empresa que, a partir de uma freguesia de Famalicão, executa serviços de contabilidade para clientes espalhados pelos quatro cantos do mundo. Só pela internet.

“Apenas me encontrei presencialmente com um cliente uma única vez. E foi para jantarmos, nem falámos de trabalho”, conta Pedro Ferreira.

Tudo começou em 2011, devagarinho, e foi crescendo à medida das centenas de solicitações que hoje em dia recebe a SCO. Os clientes, particulares ou empresas, acedem ao nosso portal e contam com toda a documentação que pretendem para o seu caso. O mais comum é pedirem cenários de faturação para perceberem quanto terão de pagar em impostos.

Os esclarecimentos são prestados por email, a qualquer hora e seja qual for a origem do autor da dúvida. Mesmo aos clientes estrangeiros, que são cada vez mais. Sobretudo provenientes do Brasil.

O padre

O site que é uma igreja de portas abertas para os fiéis

A página é de autoria anónima e anónimo é como prefere continuar o padre que a alimenta, a ritmo quase diário, desde o simbólico dia 25 de dezembro de 2005.

São milhares de posts, nunca assinados, com reflexões sobre os mais variados assuntos e muita interatividade com os visitantes. E com um espaço único: um confessionário virtual onde os fiéis podem discretamente libertar desabafos e possíveis pecados. Como se num templo católico estivessem.

Ao email do responsável pelo site chegam, a um ritmo diário, mensagens de pessoas que procuram conselhos, auxílio e conforto espiritual. “Outras vezes, querem apenas um ombro amigo”, revela o autor, pároco num concelho do interior do país.

A única diferença destas confissões é que não têm o valor de uma feita em ambiente de igreja. Mesmo assim, aliviam o espírito, lavando-o.

O sucesso do blogue faz com que a vontade de o manter não cesse. A bem, até, da Igreja Católica. Porque a internet é “um espaço que a Igreja deve valorizar como um púlpito excelente de evangelização”.