Na saúde e na doença, nas contratações, despedimentos e reorganizações

Notícias Magazine

Há 12 anos que trabalho perto da mesma pessoa. Ao longo deste tempo, nos vários edifícios que a empresa já deteve, nas várias salas por onde já passámos, nas várias arrumações que levámos a cabo, nos vários projetos que ajudámos a criar, já estivemos sentados lado a lado, costas com costas, um de frente e o outro de lado. Já estivemos separados por dois metros. Agora estamos a oito passos de distância um do outro.

Tornámo-nos amigos, claro. Às vezes, mesmo que tenhamos a cabeça escondida atrás dos monitores, nem precisamos de nos olhar para sabermos o que o outro vai responder a um comentário, uma boca, um tema de trabalho, um assunto sério ou um desabafo – aquele desabafo regado com o conhaque imaginário que permite às organizações continuar a carburar, um lubrificante das relações laborais que as torna mais leves, mais práticas, mais sinceras, mas nem por isso menos eficientes.

Eu e a Cláudia já temos mais tempo juntos na nossa relação de amizade-trabalho do que com as pessoas com quem temos relações conjugais. Estou há mais tempo com ela do que com a minha mulher. Ela está há mais tempo comigo do que com o namorado.

Em alguns assuntos, devemos saber mais um do outro do que as pessoas com quem dormimos. Mas na verdade já nem nós sabemos bem o que sabemos e o que já esquecemos. Onde começa o lado profissional e acaba o lado pessoal.

Os anglo-saxónicos (não sei se são os ingleses ou os americanos) têm uma boa expressão para isto: os work husbands e work wifes. A Cláudia é a minha work wife. E temos uma relação profissional e emocionalmente estável e de fidelidade relativa, na qual cabem mais pessoas de quem gostamos e com quem trabalhamos. Uma relação aberta, portanto. E, como qualquer relacionamento, por vezes também nos chateamos, amuamos, fazemos fita, ficamos com coisas atravessadas. O normal.

As organizações são estruturas complexas, dinâmicas, vivas. São organismos que esticam e encolhem, adaptam-se, moldam-se e encaixam-se na sociedade e na vida dos seus trabalhadores. Estes, por outro lado, andam ao sabor da corrente de tendências de mercado, de fluxos horários, de ciclos de produção ou de estratégias de administrações. Passam por chefes – de uns ficam amigos e admiradores, de outros só querem distância -, assistem a reorganizações, sentem na pele o embate das novas teorias que irão revolucionar o mercado – até à teoria seguinte. No meio de tanta elasticidade e arrumação e desarrumação, é bom ter caras familiares e de confiança em quem possamos pousar os olhos para nos dar alguma tranquilidade num mar revolto de mudança.

Mesmo que a mudança seja a melhor coisa do mundo e nós sejamos os funcionários com a maior capacidade de resiliência de que há memória desde que as empresas foram inventadas, haverá poucas coisas mais seguras e tranquilizantes do que ter um companheiro ou companheira de carteira com quem não é preciso falar para perceber que precisamos de um café fora dali ou de uma mão amiga para acabar aquele relatório.

É tão importante esta figura e esta dinâmica que os departamentos de recursos humanos deviam considerar a possibilidade de estabelecer relações estáveis de proximidade entre os funcionários, para assim tornar o trabalho mais eficaz e a conclusão de tarefas mais prazerosa.

Mais: isto devia ser contabilizado nos processos de avaliação de desempenho. Pelo meio haveria arrufos, divórcios por justa casa, ciúmes da mulher ou do marido em causa, terapia conjugal profissional em que as organizações mais modernas teriam de investir, mas os resultados a médio e longo prazo seriam facilmente comprovados por gurus da organização laboral.

Dentro de alguns dias, eu e a Cláudia vamos novamente mudar de lugar na redação – ela continua a chamar «escritório» às salas onde passamos mais de dez horas por dia – e talvez fiquemos mais longe fisicamente. Mas saber que estamos perto no que importa torna o nosso trabalho melhor.