Millennials: A geração Y tem medo de crescer?

Diogo Correia, 26 anos, trabalha e estuda. Saiu de casa há nove meses. Tornou-se independente. (Foto: Igor Martins/Global) Imagens )

Não querem sair do ninho, não sabem o que querem da vida, vivem amarrados à tecnologia, não saem do sofá, não pensam no futuro. Os millennials são mesmo assim?

Há nove meses, Diogo Correia, 26 anos, arranjou trabalho numa empresa ligada ao desenvolvimento de sites e está a frequentar uma formação na área em horário pós-laboral. E saiu de casa. “Está a correr bem”, refere. Há três anos terminou o curso de Som e Imagem numa universidade privada, depois de ter experimentado Engenharia Informática, de ter estado um ano sem estudar, de aguardar pelo primeiro emprego. Nos tempos da faculdade, reconhece que não havia uma ideia clara do futuro entre os colegas. “Ninguém sabia o que queria fazer, gostávamos de filmes e vamos lá tirar um curso.”

Cresceu sem preocupações, ligado às máquinas tecnológicas que tanto são ferramentas de lazer como de trabalho. “A nossa geração passa todo o dia frente ao computador, tem de estar ligada”, diz. A estabilidade financeira, uma vida fora de casa dos pais, a meia hora de distância de carro, o crescimento profissional passaram a fazer parte da sua vida. Diogo acredita que a geração Y vai dar-se bem. Sem pressões. “A nossa geração tem futuro, mas demorará um pouco mais tempo a assumir responsabilidades do que a geração anterior.” Os interesses são outros.

“A nossa geração tem futuro, mas demorará um pouco mais tempo a assumir responsabilidades do que a geração anterior”
Diogo Correia
26 anos

Diogo é rapaz da cidade. Ana Margarida é uma rapariga da aldeia, habituada aos afazeres domésticos, a tratar do jardim, a dividir o tempo com o grupo de jovens de que faz parte em Marco de Canaveses e que se envolve em ações de solidariedade. Tem 22 anos, acabou, recentemente, o Mestrado de Gestão de Processos e Projetos de Empresas, pelo meio fez Erasmus na República Checa, e já anda a enviar currículos no seu velho computador.

Gostava de trabalhar na sua área e quer começar o quanto antes. “Mesmo que não arranje emprego na minha área, não vou ficar em casa dos meus pais, a viver à custa deles. Tenho de me fazer à vida”, diz. O rótulo de apatia e preguiça dos millennials não encaixa na imagem que tem da sua geração. Sentada no sofá? Nada disso. “Gosto de me mexer, de me ocupar. É o contrário do que dizem, de ficar na zona de conforto. Não sei se será do ambiente em que cresci”, comenta.

“Mesmo que não arranje emprego na minha área, não vou ficar em casa dos meus pais, a viver à custa deles. Tenho de me fazer à vida”
Ana Margarida
22 anos

Sai, convive com os amigos que, volta e meia, fazem o jogo de colocar os telemóveis no meio da mesa, a ver quem é o primeiro a ceder e a pegar no aparelho. Normalmente é difícil resistir. As tecnologias não são um inimigo. “Agora fazemos tudo pela Net, é uma das vantagens que agora a tecnologia nos dá.” Ana olha para o futuro com esperança. “Tenho muitas oportunidades cá, talvez porque ainda estou no início.” A independência e a estabilidade são importantes na sua vida. Não propriamente uma conta recheada no banco. A felicidade vem com as experiências a vários níveis, não só profissional.

Ana Margarida, 22 anos, terminou a universidade, procura trabalho e quer sair de casa dos pais. (Foto: Igor Martins/Global Imagens)

Ana tem dúvidas do que irá acontecer à geração que se segue. O que escuta não lhe dá muita segurança. “Faz-me alguma comichão quando dizem para deixar andar, quando não ligam a nada”, confessa.

António Vila Real tem 21 anos, vive com a mãe e os irmãos, estuda Gestão de Turismo, Hotelaria e Restauração, está a pensar mudar de curso, mas não sabe o que escolher, não larga o telemóvel e as notificações do Instagram e Facebook. Anda à procura não sabe bem de quê. E sem saber exatamente o que procura, espera ter emprego daqui a três anos.

Pode ser na área do turismo, até porque já estagiou num hotel e num hostel. O futuro é um horizonte distante. “Quero mudar de curso, mas ainda não sei o que quero”, diz. Admite que é um millennial dos pés à cabeça quando se fala numa geração que não quer sair de casa, que vive hoje sem pensar em manhã, que não faz contas à vida porque a estabilidade financeira não é uma prioridade. “É mais confortável viver com a minha mãe.”

“É mais confortável viver com a minha mãe”
António Vila Real
21 anos

Sair do país até poderá ser uma possibilidade ou nem por isso. “Depende. Se trabalharmos mesmo no que queremos, acredito que temos futuro aqui”, sublinha. Nos tempos livres, não faz “nada de especial” e não se imagina sem tecnologias. “Já é um bocado vício”, reconhece.

António Vila Real, 21 anos, anda à procura do seu caminho. Vive ligado à tecnologia. (Foto: Igor Martins/Global Imagens)

Vasco Rodrigues, 18 anos, sabe o que quer. Sabe que vai entrar em Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Fez por isso, é bom aluno, quer ser engenheiro mecânico numa grande empresa. Valoriza o conhecimento, aprender, partilhar ideias. Sabe que a sua geração tem mesmo de sair do sofá. “Temos de nos esforçar mais para conseguirmos o que queremos.”

Mais do que a geração anterior, em sua opinião. Ainda de férias, Vasco saiu com os amigos, mochila às costas. As expectativas de cada um têm a ver com a educação que se tem em casa. É assim que olha para a geração a que pertence. “Cada um é como é. É uma questão de adaptação”, refere.

“Futuro menos óbvio, menos inocente”

Cada geração tem as suas características e vive à luz do mundo que a rodeia. E adapta-se ao que a realidade tem para oferecer. A estabilidade para uns, não é a estabilidade para outros. “Os millenials cresceram num período de rápidas mudanças, com uma explosão da evolução tecnológica. Muitas dessas pessoas não imaginam como era combinar uma saída com os amigos sem telemóvel ou fazer uma apresentação de um trabalho escolar sem recorrer a um computador”, refere Inês Afonso Marques, psicóloga clínica, coordenadora da equipa infanto-juvenil da Oficina de Psicologia.

São jovens que crescerem no mundo da Internet. A maior parte das suas vidas passa-se nas redes sociais, nas séries, nos filmes, nas músicas. É uma geração informada, mais preocupada com a alimentação e a ecologia. “Tendencialmente é uma geração com maior foco no bem-estar e no autocuidado, recorrendo a aplicações que monitorizam os treinos ou que convidam à meditação.”

Estudam até mais tarde dos que os pais, até porque a escolaridade obrigatória é outra, valorizam o conhecimento e um bom currículo e, por isso, a entrada no mercado de trabalho é mais tardia e a perspetiva de estabilidade financeira é mais longínqua.

Vasco Rodrigues, 18 anos, vai tirar o curso de Engenharia Mecânica. Gosta de sair com os amigos. (Foto: Igor Martins/Global Imagens)

Para Inês Afonso Marques, ficar em casa dos pais mais tempo, não casar, ter filhos mais tarde, não significa que se quer permanecer solteiro e sem filhos para sempre ou que não haja o desejo de crescer. O mundo é outro, a geração também. “Os millenials parecem valorizar mais o ser, o experimentar, do que o ter. Para que se sintam bem, em harmonia, há uma primazia do viver, em detrimento do ter. É esta característica que leva a que esta geração seja muitas vezes encarada como permanentemente insatisfeita, saltando frequentemente de trabalho ou de incapaz de crescer”.

“Os millenials parecem valorizar mais o ser, o experimentar, do que o ter. Para que se sintam bem, em harmonia, há uma primazia do viver, em detrimento do ter”
Inês Afonso Marques
Psicóloga

“Os millenials perceberam também que para o sucesso na vida não basta uma boa bagagem académica, traduzida em notas e médias, compreendendo que a inteligência emocional e uma visão mais abrangente do mundo lhe abre novas portas para o sucesso”, acrescenta a psicóloga clínica.

É uma geração contemporânea do capitalismo tardio, exposta, desde o nascimento, à incerteza e que cresce num universo digital. O futuro traz respostas inconclusivas, difusas e o foco é na própria trajetória. Com outra valorização do tempo, em que o “presente, e, em particular, o futuro, se tornou menos óbvio, menos inocente, mais comprometido”, refere João Vasco Coelho, doutorado em Sociologia, investigador associado do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), gestor de recursos humanos.

Os ritos de passagem e de transição, como sair de casa, casar, ter filhos, saem dos padrões estabelecidos, modificam-se porque mudaram as condições que possibilitariam a sua concretização em contextos socioeconómicos específicos. “Sendo o futuro percebido como menos óbvio, valoriza-se a experiências, a detenção e a acumulação de experiências, num tempo presente num espaço controlado (o projeto, a missão, o evento, o workshop), em particular como oportunidades de assunção (controlada) de riscos de experimentação, de descoincidência em relação aos outros, e, em particular, em relação a si próprio”, sublinha.

“A experiência, em movimento reflexo, é apresentada como objeto de consumo. Valoriza-se a valorização pessoal. Consomem-se experiências, oportunidades de valorização pessoal”, acrescenta.

Designação e não desígnio

Millennial é um termo que surge, pela primeira vez, em 1987 nos Estados Unidos para enquadrar comportamentos de pessoas nascidas em 1982 e que, na altura, estavam a entrar no ensino primário. O termo ganhou asas e hoje circula à escala global, fora dos meandros académicos, para avançar com possíveis explicações para atitudes e comportamentos.

A faixa etária não tem sido consensual, tem esticado para quem tenha nascido entre 1982 e 2004. Serão os filhos deste milénio que terminam os estudos e começam a trabalhar no século XXI. “Há um elemento de impureza inerente à definição de uma geração”, refere João Vasco Coelho. A categorização tem riscos, de simplificar ou generalizar de forma abusiva. Há semelhanças e diferenças. “Trata-se, afinal, apenas, de uma designação, não de um desígnio”, repara o sociólogo.