Maria do Céu Santo: «A principal queixa das minhas pacientes é a diminuição da libido»

Texto de Ana Patrícia Cardoso | Fotografia de Jorge Simão

É uma das vozes mais conhecidas quando se fala sobre sexualidade. Quando a conhecemos, percebemos porquê. Fala rápido mas de forma clara, rabisca argumentos, não usa metáforas para disfarçar os assuntos e tem piada. Muita piada.

Com quase quarenta anos de profissão, Maria do Céu Santo é especialista em ginecologia e obstetrícia. Entre as clínicas privadas, o Hospital de Santa Maria ou o Hospital da Luz, vários livros lançados, participações em programas de televisão, a noção de horários nunca foi uma coisa estanque.

«Sempre fiz banco. Havia uma noite por semana em que não dormia em casa. Quando temos filhos pequenos pode ser complicado mas eu tive uma base de apoio muito grande.» Casou com 23 anos, teve o primeiro filho, Gonçalo, aos 24, e David, aos 26. Sempre teve de conjugar a vida profissional e pessoal e viver no prédio ao lado dos pais ajudou muito. O marido, engenheiro, também tinha uma vida profissional exigente. «Costumo brincar dizendo que a minha mãe, Celeste, e a minha avó, Jesuína, criaram os meus filhos e eu dei uma ajudinha.»

David, o filho mais velho escreveu na escola: «A minha mãe é uma ambulância.»

A família é unida. Maria do Céu fala todos os dias com os filhos, apesar de um viver em Nova Iorque e outro na Cidade do México – «eduquei dois cidadãos do mundo» –, mas chegou a ter um susto com o mais velho. Na escola, a professora pediu‑lhe para escrever uma composição sobre a mãe. Ele só escreveu: «A minha mãe é uma ambulância.» «Ele explicou‑me que “quando alguém precisa a mãe está lá sempre. Pode chegar atrasada aos jantares e festas de anos, mas se nos acontece alguma coisa, ela larga tudo e vem socorrer‑nos.” É o que interessa, não é?»

Nunca pensou em deixar a carreira para cuidar dos filhos e chegou a passar períodos fora, em Paris, Barcelona e Bruxelas. Contudo, nas pacientes que atende diariamente nota a tendência contrária. «As mulheres entre os 30 e os 40 anos, desde que tenham capacidade económica, voltam a casa. Mesmo algumas mulheres em cargos de topo querem o terceiro filho como justificação para ficarem em casa. Os divórcios são uma realidade e se a mulher não tiver autonomia profissional e económica como é que ficam? Não sei se estão a ver bem as consequências destas escolhas.»

Na medicina, a escolha da especialidade também acontece muito em função dos horários. «Já ouvi que não escolhem determinada área porque não têm horário para ir buscar os filhos. Escolhem medicinas com horários mais programáveis.»

«As pessoas cansam‑se precocemente. Existe uma competição desde muito cedo para ter boas notas, para entrar para a faculdade. Muito maior do que antes.»

Ainda que não seja para ficar em casa a tempo inteiro, o horário de trabalho é reduzido substancialmente. «Em geral, fazem uma startup, um projeto com uma amiga, para ter um part‑time. Um negócio próprio que não lhes ocupe muito tempo. É o sonho de uma grande percentagem mas estamos a falar de uma classe em que o marido possa manter a casa e o ordenado da mulher não seja imprescindível para a sobrevivência da família. E quem não o faz é apenas porque não tem as condições para tal, não é porque não quer», reforça.

«Na minha geração, nem pensar. Nem que eu tivesse as condições.» A justificação que encontra passa pela pressão social que tem vindo a aumentar de geração em geração. «As pessoas cansam‑se precocemente. Existe uma competição desde muito cedo para ter boas notas, para entrar para a faculdade. Muito maior do que antes.» E as mulheres sofrem uma pressão ainda maior.

«A sociedade é muito exigente com a mulher. Tem de ser eternamente jovem, bonita, sedutora. Há uma fase em que somos autênticas supermulheres porque somos esposas, mães, profissionais, domésticas.»

Com ritmos de vida alucinantes, as pessoas estão menos dispostas para as relações porque dão trabalho. «A principal queixa das mulheres que vêm ao meu consultório é a diminuição da libido», diz a especialista.

A maioria das pacientes receia ter uma disfunção sexual mas, para Maria do Céu, a disfunção é outra. «É uma disfunção de vida. Se me levantar às seis ou sete da manhã não vou querer fazer amor à meia‑noite. Não há energia para tudo. O amor torna‑se a última coisa ao fim do dia. A rotina é a grande inimiga dos casamentos. Sabe que a principal causa de divórcio dos países desenvolvidos é a falta de sexo?»

«O assédio moral é muito, muito mais frequente do que o sexual. A pessoa vive no limite. Não aceita faltar, mesmo grávidas trabalham até à última com medo de perder o trabalho»

Como se reverte esta tendência? «Com criatividade, planeamento, eu sei que não é o que gostaríamos mas tem de ser. Vão a sítios diferentes, deixem os filhos em casa de amigos ou família. Senão a coisa vai acabar por desmoronar.»

Em relação a um dos temas mais falados dos últimos tempos, o assédio sexual, a médica coloca o tema «para segundo plano». «É importante porque tornou‑se parte da consciência global que existe esta realidade e os predadores começam a ter receio das consequências. Isso é muito importante. Mas o primeiro plano é a luta pessoal de cada um. O aumento das depressões é assustador. As pessoas não têm tempo para si.»

O assédio moral no local de trabalho preocupa Maria do Céu. «O assédio moral é muito, muito mais frequente do que o sexual. A pessoa vive no limite. Não aceita faltar, mesmo grávidas trabalham até à última com medo de perder o trabalho. Sujeitam‑se a condições sobre‑humanas por causa do medo.»

Como se combate? «Façam uma reavaliação. Mulheres e homens. Estão no trabalho certo? Será altura de mudar? Somos dos países que mais consome antidepressivos. Não pode ser. E façam amor. É como costumo dizer, cheguem a casa, comam dois quadradinhos de chocolate e façam amor.»

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