Luís Portela: “É obrigação da Ciência investigar e esclarecer a Humanidade”

Nascido em 1951, Luís Portela assumiu a liderança da Bial aos 27 anos. Para trás ficou a carreira médica e de investigador. A Parapsicologia era, e é, a área de eleição. (Leonel de Castro/Global Imagens)

Texto de Joana Amorim

Pode um homem da Ciência acreditar em dons mediúnicos? Pode um médico acreditar em vidas sucessivas? Luís Portela prova-o que sim. E acredita que é obrigação da Ciência investigar e esclarecer a Humanidade. A bem do seu conforto espiritual. Budista, cristão, taoista, diz beber de todos os mestres, vendo em Jesus Cristo um ser extraordinário. Move-o a verdade. A verdade pela verdade. Num homem que se escreve triste mas sorri, emocionado. Assim, na primeira pessoa, o “chairman” da farmacêutica Bial.

No seu mais recente livro “Da Ciência ao amor – pelo esclarecimento espiritual” diz que entre a Ciência e a fé escolhe o caminho do meio. Que caminho é esse?
Os chamados mistérios são explicáveis mais cedo ou mais tarde. A história da Humanidade demonstra isso: situações que não eram claras e que, por força da investigação científica, foram descobertas. Respeito a posição de fé, mas faz falta investigar sob o ponto de vista científico os fenómenos parapsicológicos que estão descritos desde a Antiguidade.

Não se investiga por preconceito?
Não sei. Nas últimas décadas houve algum esforço de investigação com resultados interessantes e que criam a “obrigação” de a Ciência dar continuidade e esclarecer a Humanidade. Através desse esforço será demonstrado que muitas das fantasias que pululam por aí são isso mesmo, são balelas, em que há uma exploração da ignorância dos seres humanos.

Como os milagres?
De alguma forma. De algumas situações que são descritas como milagrosas e que não passarão de fenómenos explicáveis sob o ponto de vista científico. A mediunidade, por exemplo. Não vamos dizer que isso não existe. Existe. Não defendo “isto é a verdade, aquilo é a mentira”. Defendo que é obrigação da Ciência investigar e esclarecer a Humanidade.

No livro é muito crítico dos cientistas. Que devem fazer Ciência a bem da verdade. Pelo bem comum.

Desconfio daqueles cientistas que fazem uma carreira a tentar demonstrar que isto é verdade ou que aquilo é mentira. O caminho é procurar a verdade pela verdade. E não me parece que seja apropriado que os cientistas e as pessoas que têm características mediúnicas se comecem a achar seres fantásticos, explorando as pessoas e tirando partido económico.

Há sempre uma fraude associada a estes fenómenos?
Sim. Tenho passado a minha vida a ler obras de grandes pensadores e verifico que há, por vezes, uma tendência de as começarem a escrever e, ao fim de alguns anos, criam umas instituições, umas fundações, e depois cobram os seus bilhetes, ganham o seu dinheiro. Acho isso criticável. É comparável ao caminho que algumas religiões infelizmente fazem.

Na transmissão da mensagem?
Tenho um enorme apreço por Jesus Cristo, por Buda, por Lao Tsé. Mas custa-me imenso que alguns ditos seguidores divulguem a sua mensagem em altares dourados, em edifícios profundamente ornamentados, com uma “mise-en-scène” enorme. Para mim, Jesus era o mais simples dos simples e não precisava de templos para divulgar a sua mensagem. Esse é o Jesus que eu admito. Custa-me que a sua imagem seja explorada de uma forma que não me parece apropriada. O caminho da verdade é um caminho de simplicidade, de transparência, de entrega, de dádiva.

E falta isso à Ciência neste esclarecimento espiritual?
Acho que sim. Muito ficou por demonstrar. Na Universidade de Virgínia, Ian Stevenson criou uma equipa para estudar o fenómeno das supostas vidas passadas em crianças. Em 68% dos três mil casos estudados ficou demonstrado que existiu essa pessoa.

E a partir daí Stevenson deixou de ser um cético.
Sim. Se se continuar esta via da investigação, mais cedo ou mais tarde concluir-se-á alguma coisa sob o ponto de vista científico. E esse é o meu caminho. A Ciência não tem mais o direito de dizer, “Ah, não, isso não existe”. Se se esclarecerem estas situações vamos poder conhecermo-nos melhor. Que somos uma partícula de energia. Que os outros seres humanos são partículas de energia, essencialmente iguais, como os animais, as plantas. E não haverá necessidade de andarmos aqui todos a supormos que somos melhores ou maiores. Provavelmente haverá uma postura de maior respeito, tolerância, solidariedade. Algumas pessoas dirão: “Mas isso é uma utopia!”. Outros dirão: “O Portela passou-se!”. Tudo bem. Agora o que eu defendo é que aqui, neste planeta, podemos fazer melhor, podemos viver melhor. Não me parece nada de absolutamente utópico, é um caminho possível. E para esse caminho ser possível a Ciência tem uma postura que será determinante. Com a ajuda da Ciência será muito mais fácil de os homens se entenderem e viverem melhor.

Usou a expressão “O Portela passou-se!” Foi surpreendido com comentários desse género? Nomeadamente depois da publicação do livro “Ser espiritual”?
Se foi para mim muito simpático que o livro se tenha vendido muitíssimo bem – vai na 24.ª edição -, tão simpático ou mais foi o facto de eu ter sido convidado para imensas intervenções públicas. O que foi ainda mais simpático foi o eu ter sido convidado por budistas, que eu não conhecia antes; gente do reiki, que eu não conhecia antes; movimentos espíritas, que eu não conhecia antes; uma série de instituições das mais diversas ideologias e, também, por instituições católicas. E tenho um grande apreço pela evolução que a Igreja Católica tem feito nos últimos 15, 20 anos. Esse é o caminho. De tolerância, de abertura, de congregação de esforços para um mundo melhor. Acho que os últimos papas, nomeadamente o Papa Francisco, têm assumido muito essa postura e hoje é um gosto grande ser convidado por instituições católicas para apresentar os meus pontos de vista.

Destacou o Papa Francisco, que vê a Humanidade como um poliedro que não apaga as diferenças e respeita a pluralidade. É disso que estamos a falar?
Sim. A mensagem essencial dos chamados mestres espirituais é muito próxima de uns para os outros. Onde as coisas divergem é na mensagem que os ditos seguidores dos mestres vão juntando, as práticas que vão assumindo. Desejaria era que se gerasse um movimento ecuménico e acho que o esclarecimento espiritual pode conduzir a isso. E tenderia a dizer que, em último caso, se as religiões fizerem esse caminho, provavelmente encontrar-se-ão num ponto, que é a verdade. Nos últimos anos acho que há uma tendência ecuménica.

Não fala em Deus, ou deuses, mas em mestres. Há algum de que se aproxime mais ou motiva-o a verdade?
Não me considero religioso porque não sinto necessidade de ter determinadas práticas. Tenho um enorme prazer em me considerar um livre-pensador, em pensar pela minha cabeça, em não assumir uma posição fanática em relação a isto ou aquilo. Agora, tenho um enorme respeito por todos esses mestres. Quem leu o “O Livro do caminho perfeito”, do Lao Tsé, é das coisas mais bonitas que se pode sentir, tem tanta sabedoria. Não me importo se alguém disser “Você é taoista.” Mas tenho pelo Buda também uma grande admiração, acho que ele teve uma postura fantástica, de dádiva, de entrega. Se alguém disser “Você é budista”, sim, eu bebi muito dos ensinamentos que o budismo transmite.

Mas teve uma educação católica.
Fui criado de uma forma católica, cristã, e tenho uma imensa admiração por Jesus. Eu não acredito num Jesus filho predileto sentado à direta de Deus Pai. Mas acredito num Jesus que é eventualmente o melhor de nós todos. Jesus foi um ser extraordinário. Que nos deixou um exemplo de conduta e uma mensagem de lucidez, esclarecedora sob o ponto de vista espiritual, fantástica. Não tendo eu um aparelho para medir, talvez seja o melhor de nós todos. Pois bem. E se alguém me disser “Você é cristão”, eu até me sinto elogiado. Porquê? Porque se eu for capaz de seguir o exemplo fantástico que Jesus nos deixou sentir-me-ia muito bem comigo próprio.

Como é que guiou espiritualmente os seus filhos?
Tive uma educação católica, fui batizado, fiz a comunhão chamada solene, com muito respeito, mas aos 12 anos pedi à minha mãe para não me obrigar a ir à missa, que na altura era dita em latim.

Foi precisamente nessa idade que fez a leitura comparada das bíblias católica e protestante…
[risos] Aquilo não me dizia nada e os meus amigos gostavam de se escapar para ir ver jogos de andebol ou de voleibol no Campo da Constituição [no Porto] e eu também queria fazer a mesma coisa, mas achei por bem pedir à minha mãe autorização. Senti que me libertei de uma obrigação. Bom, se eu me libertei, gostava que os meus filhos fossem livres. Não os eduquei em nenhum enquadramento religioso. Procurei focar-me na educação nos valores universais, deixando espaço para depois terem cada um a sua opção. O resultado é que uns não quiseram casar pela Igreja e não batizaram os filhos, e outros quiseram casar pela Igreja e batizar os filhos. O que merece o meu respeito. É assim que me sinto bem a fazer as coisas.

É médico de formação. Acredita em vidas passadas. Qual o seu posicionamento perante a eutanásia?

Tenho um grande respeito pela vida [silêncio]. Pela vida espiritual e, naturalmente, pela vida física. O espiritualista percebe que a vida física se faz de grande respeito. Acho que vimos à Terra como quem vai à escola e o que faz sentido é estarmos aqui o tempo necessário para aprendermos o mais possível. Não faz sentido interrompermos a vida a meio do percurso. Será um abdicar, será uma derrota grande sob o ponto de vista pessoal alguém cometer o suicídio.

E para quem acredita nas vidas sucessivas…
… alguém que comete suicídio apenas adia aquilo que tem de fazer. Terá que voltar para aprender aquilo que não aprendeu desta vez. Mas, obviamente, as pessoas têm o direito de cometer suicídio. O que me parece é que não têm o direito de contratar um médico para cometer suicídio. Nem o Estado tem o direito de obrigar o profissional de saúde a fazê-lo e a cobrar isso dos impostos dos contribuintes. Mas a melhor maneira de as coisas se resolverem é através de um referendo depois de uma discussão muito aberta e esclarecedora da população. E não a correr. Não consegui perceber qual era a pressa agora.

Através da Fundação Bial financia investigação em Psicofisiologia e Parapsicologia. Áreas onde gostaria de ter feito a sua carreira de investigador, não tivesse tido que assumir a Bial na sequência da morte prematura do seu pai. É uma espécie de eterno retorno?
Acho que devemos ser exigentes connosco, não devemos ser exigentes com a vida nem com os outros. Quando a vida nos condiciona no sentido de irmos para aqui ou para ali, não devemos ponderar se faz sentido, se não faz. E foi esse o sentido que eu tive, aos 27 anos, quando estava desejoso de fazer a minha carreira médica e de investigador, mas a vida parecia que me estava a empurrar para dar continuidade à empresa do avô e do pai. O que foi para mim uma decisão muito difícil. E até hoje tenho alguma nostalgia. Mas não vivi a pensar nisso.

Até que o professor Nuno Grande o surpreendeu quando se decidiram as áreas a apoiar pela Fundação.
Havia o meu desejo interior de poder privilegiar essas áreas. Mas não tinha a coragem de explicitar isso. Foi para mim um espanto quando o professor Nuno Grande me disse que, se calhar, faria sentido apoiar a Psicofisiologia e a Parapsicologia. “Então você é que é o homem da ideia disto, você é que vai pôr o dinheiro, é razoável que seja a área onde você trabalhou e que toda a gente sabe que você gosta”, dizia ele. Foi bonito. Mais bonito foi depois eu ter pensado apoiar dez ou 12 investigadores e até agora a Fundação ter apoiado 1 351 investigadores vindos de 25 países.

Passou o testemunho aos seus filhos António e Miguel. Luz atrai mais luz?
Procurei não criar peso nos ombros dos meus filhos. O meu pai pressionava-me para eu ir trabalhar na empresa e não achei graça, portanto não queria fazer isso aos meus filhos. Foram colocadas três soluções e chegámos à conclusão de que o melhor era darmos oportunidade ao meu filho mais velho. Se calhar fui o último administrador a chegar a essa conclusão. Acho que o António tem feito bem as coisas e o Miguel, que é quase quatro anos mais novo, tem-se revelado também um gestor dedicado e competente no que faz. Estão inseridos numa equipa de gestão mais competente do que tínhamos há dez anos.

Em entrevistas fala de si enquanto uma criança tristonha. O seu filho António fala num pai mais fechado. É curioso, porque o que mais guardo de si é, precisamente, o sorriso. É um homem feliz?
Procuro estar de bem comigo próprio e com os outros. [silêncio] Sinto-me bem comigo, relativamente bem. Para mim, o conceito de felicidade vai muito no sentido do que conseguimos proporcionar a nós e aos outros. Acho que consegui proporcionar trabalho, bom trabalho, e gostava de dar algum contributo para que a Humanidade se esclarecesse. E se isso vier a acontecer, provavelmente quando terminar a minha passagem pela Terra serei um ser feliz, um homem realizado.