A jovem esquartejada pelo marido que se tornou “milagreira”

Túmulo de Ana Rosa, que morreu há 163 anos.

Texto de Filomena Abreu

O crime hediondo ficou para a história. No dia 21 de junho de 1855 a jovem Ana Rosa foi brutalmente assassinada. O carrasco foi o marido. Depois de lhe fazer uma emboscada, mutilou-a e abandonou o corpo. O crime só foi desvendado porque uma escrava viu tudo e soube reconhecer a vítima e o agressor. Mas a história começou cinco anos antes dessa data.

Ana Rosa casou-se com apenas 15 anos. Foi a segunda mulher de Francisco Carvalho Bastos – não há registo da primeira -, mais conhecido como Chicuta, um influente condutor de bois, com idade entre os 40 e os 45 anos. Durante o tempo em que a união durou, o casal viveu numa fazenda da região de Avaré, a 77 quilómetros de Botucatu, uma cidade brasileira do estado de São Paulo.

Mas o casamento não era feliz. Ana apanhava constantemente de Chicuta, que era muito ciumento. Cansada dos maus tratos aproveitou uma viagem de trabalho do marido para pedir ajuda a um escravo do marido, que roubou um cavalo da fazenda e a levou até Botucatu, onde a jovem tinha uma tia que era costureira num bordel local, no qual também morava.

O plano passava por ficar uns dias na casa da tia e depois rumar ao Sul do país e desaparecer do alcance do marido para sempre. Porém, a estratégia não correu como esperado. Quando Chicuta voltou e se inteirou do que se tinha passado começou a terrível vingança. Primeiro, matou o escravo que ajudou Ana Rosa. Depois, seguiu para Botucatu em busca da mulher. Ainda tentou tirá-la à força do cabaré, mas a tia de Ana Rosa conseguiu impedi-lo com o apoio da dona do bordel, Fortunata Jesuína de Melo.

Ana Rosa

A situação enfureceu ainda mais Chicuta, que começou a magicar um plano infalível para a capturar. Para tal, contratou dois capangas. Um deles era José Antonio da Silva Costa, Costinha, que se aproximaria de Ana Rosa e quando tivesse conquistado a confiança da jovem ia dizer-lhe que conhecia uma comitiva de pessoas que a levariam em segurança até ao Paraná, no Sul do Brasil, de modo a que o marido lhe perdesse o rasto.

E o plano correu de feição a Chicuta. Na madrugada de 21 de junho de 1885, Ana Rosa seguiu Costinha até à região do Rio Lavapés, onde o marido a esperava. Sem saber, Ana Rosa caminhava para a morte. Mal a apanhou, Chicuta matou-a aos poucos. Cortando-lhe e arrancando-lhe os seios, as orelhas, os lábios, os dedos e a língua.

Os pormenores só se conhecem porque uma escrava, que estava escondida no local, viu e relatou tudo mais tarde quando, algumas horas depois, um fazendeiro que cavalgava pela zona deu com o corpo abandonado de uma mulher mutilada.

A tragédia de Ana Rosa chocou a pacata Botucatu, que compareceu em peso no funeral. Os relatos da época contam que quando o caixão foi carregado pelas ruas da cidade se sentia um cheiro a flores exalado pelo corpo da jovem. Foi assim que começaram os boatos de que ela se tinha tornado santa.

Os assassinos foram todos a julgamento. Contudo, Chicuta acabou absolvido, alegando que só cometeu o crime em defesa da sua honra. Costinha também foi absolvido e diz-se que isso só aconteceu por ser de uma família rica da região. O único que foi condenado foi Hermenegildo Vieira do Prado, mais conhecido por Minigirdo, filho de escravos.

Mas o destino dos três acabou por ser trágico. Pouco tempo depois, os três morreram em circunstâncias que a população acredita serem místicas. Costinha morreu esmagado quando cortava uma árvore. Minigirdo morreu na prisão vítima de varíola. E Chicuta morreu numa tarde de sexta-feira. Quando voltava da cidade para a fazenda, o seu carro parou. Por muito que batesse nos bois que o puxavam, o carro não saía do lugar. Ao deitar-se no chão, para inspecionar se havia algum problema, os animais começaram a andar e as rodas passaram-lhe por cima, decapitando-o.

Passados 163 anos, os moradores da cidade ainda cuidam do túmulo, uma construção cor de rosa modesta, localizada no Cemitério Portal da Cruzes. Fazem-no por empatia pela história, mas principalmente porque se tornaram devotos de Ana Rosa, considerada milagreira na região. O túmulo já tem mais de 200 placas de agradecimento pelas graças alcançadas, alegadamente, através da sua interceção.

Não há informações precisas sobre a data em que começou o culto a Ana Rosa, tida como santa popular que, além do túmulo, já tem capela, também ela pintada de cor de rosa, no local onde o corpo foi encontrado. E também tem música e orações em seu nome. Mas a jovem não é considerada santa pela Igreja Católica.

Por isso, em 2012, um grupo de devotos começou a recolher assinaturas e testemunhos dos visitantes do túmulo da “milagreira” para reunir provas que ajudem a alicerçar um pedido de beatificação ao Vaticano, de acordo com a BBC Brasil.

Até ao momento, a história ainda não teve um desfecho favorável à população. Porém, já são feitas celebrações religiosas, com autorização do clero de Botucatu, na capela erguida em nome da “santinha” local.

No âmbito judicial, a memória de Ana Rosa recebeu reconhecimento público no mês passado, quando os estudantes da faculdade de Direito de Botucatu simularam um julgamento que condenou Chicuta a 25 anos de prisão. Depois disso, o povo já só espera pela canonização.