Doenças do intestino: “Não se isole, fale, diga o que sente”

Entrevista de Cláudia Pinto | Fotografias de Leonel de Castro/Global Imagens

Quais são os anseios e motivos que levam os doentes com Doença Inflamatória do Intestino (DII) às suas consultas?
São várias. Questões relacionadas com o casal, os filhos, a família, ou mesmo o emprego acabam por dominar estas sessões. Ora porque a doença está em remissão e por esse motivo a pessoa não sente a necessidade de a discutir, ora porque considera-se a si mesma, e à sua própria saúde, secundária a tudo o que precisa de fazer pela família ou pelo emprego. Mas muitos utentes procuram realmente esclarecimento e ajuda na integração da DII e dos seus sintomas, as crises ou alterações no curso da doença, novas informações ou esclarecimento de mitos e outras questões relacionadas com a mesma. O trabalho do psicólogo nestas áreas é muito vasto, abrangendo as relações interpessoais e a comunicação entre elas, o conhecimento da doença, a gestão do stress relacionado com a mesma, o ajuste dos pensamentos da pessoa acerca de si mesma, a superação dos desafios que surgem ao longo do curso da doença, as estratégias de resolução de problemas, bem como o treino de assertividade, entre outras questões.

Por que fases passam os doentes até aceitarem a doença?
Cada pessoa faz a sua própria viagem com a DII. Aprender e integrar uma doença crónica é algo muito pessoal e íntimo. O choque com as DII (doença de crohn ou colite ulcerosa) vai obrigar a procurar mecanismos de defesa que evitem a desistência. A negação pode surgir como um compasso de espera, em que, ao seu ritmo, o utente vai integrando gradualmente a nova realidade, e enfrentar a doença. Impotência, desespero, temor, apreensão a um futuro que não se escolheu. Uma doença que não tem cura mas que tem bons tratamentos é uma informação muitas vezes superada pelos «mitos e moda» encontradas na internet. O caráter duradouro da doença, e dos prognósticos associados, a experiência e conhecimentos de cada um sobre a DII, bem como as relações estabelecidas com os médicos e técnicos de saúde, entre outros fatores, vão testar as defesas da pessoa com DII. A melhor estratégia é defender a integração da doença na vida, melhor do que um conformismo disfarçado de «aceitação» de viver como um doente. Não deixamos de ser quem somos, passamos a ser mais do que éramos, com novos desafios pela frente, e novas forças para os enfrentar.

É importante selecionar a informação a que se acede na internet…
Infelizmente, vivemos uma era em que o desconhecimento vale tanto como o conhecimento. Um boato passa facilmente a um estudo sem que o seja e de repente temos uma espécie de verdade absoluta com pouco ou nenhum fundamento. Esta doença é grave! É importante que os doentes conversem com os especialistas e oiçam mais do que uma opinião.

“Em alguns casos, são os enfermeiros que surgem como primeira linha “psicológica”, que compreendem as necessidades da pessoa com DII e referenciam as situações.”

Qual o papel do apoio psicológico para doentes de DII?
Julgo que não é bem compreendida a eficácia da psicologia em pessoas com DII. Por exemplo, os casos que são referenciados por médicos para a consulta são habitualmente situações de depressão ou ansiedade moderada a grave, habitualmente já com psicofármacos prescritos. Ou seja, a atitude de referenciar a psicologia prevenindo a prescrição de fármacos não é o mais comum. O psicólogo só é chamado a intervir quando os psicofármacos não parecem suficientes para compensar a situação. Uma clara inversão de um possível modelo «ideal».

Em alguns casos, são os enfermeiros que surgem como primeira linha «psicológica», que compreendem as necessidades da pessoa com DII e referenciam as situações.
Em termos de qualidade de vida relacionada com a saúde, cerca de três quartos dos doentes sofrem hospitalizações devido a crises da doença. Mais de 60% referem sintomas ansiosos e/ou depressivos de intensidade moderada. Todos sofrem de algum tipo de ansiedade e/ou stress relacionado com a doença. Mais de 10% perderam o emprego devido à DII ou não foram admitidos num novo emprego pela doença. E 34% consideram o seu trabalho não adaptado à doença. Um terço considera que recebe comentários injustos devido à sua performance no trabalho. Economicamente, a perturbação mental, em geral, está relacionada com o absentismo laboral e a produtividade.

A DII é uma doença crónica que está associada a sintomas desconfortáveis e crises incapacitantes. Que conselhos podem ser dados aos doentes de forma a tentarem integrar a doença nas suas vidas?
As DII são complicadas de aprender e de gerir para conseguirmos integrá-las na vida. Os sintomas são delicados e as possíveis limitações terão de ser revistas e compreendidas. Contudo, se antes era previsível que uma pessoa com DII teria uma evolução em termos de limitações e mesmo de incapacidades, hoje em dia, com as novas terapêuticas, isto já não é tão linear. Até podemos considerar que o objetivo máximo é aprender a lidar com o imprevisível. A eficácia da medicação é tão evidente que, sabendo a probabilidade de se vir a ter uma crise da doença, não significa que a mesma ocorra realmente. Então, como fazer? Como viver se não sabemos se vamos ter uma ou dez crises este ano ou nos próximos? Vivendo um dia, um mês, um ano de cada vez. Aprendendo as regras da sua DII, diferente da DII do próximo, e tentando tornar-se perito nesse novo jogo que a doença trouxe para a sua vida. Não se isole. Fale, diga o que sente, independentemente se as pessoas concordam ou não.

“Esta doença é grave! É importante que os doentes conversem com os especialistas e oiçam mais do que uma opinião.”

Como funcionam as consultas de psicologia da APDI e quem pode beneficiar delas?
Ser associado da APDI traz inúmeras vantagens, desde consultas especializadas de psicologia ou de nutrição, entre outros serviços e informações. A primeira consulta de psicologia é gratuita, e as seguintes, tem um custo de 15€ por sessão. A vantagem de ser associado é conhecer um espaço com pessoas que já passaram por situações semelhantes e que poderão ajudar os doentes a encontrar mais rapidamente o caminho. Não têm nem devem estar sozinhos a enfrentar estes novos desafios que a DII traz consigo.

Como adaptar a doença à vida

  • Não se isole, procure ajuda.
  • Não há problema em revoltar-se. Porque pior do que a revolta por se saber com esta doença, ou por se sentir incompreendido, é a revolta consigo mesmo.
  • Tenha, pelo menos, uma atividade física. Inúmeros estudos demonstram que a prática de exercício físico regular diminui as hormonas más ligadas ao stress, como a adrenalina e o cortisol, e aumenta o nível das hormonas boas, como as endorfinas, agindo diretamente sobre o nosso humor.
  • Aprenda a ter o seu «kit de sobrevivência». Se está em fase de crise e não sabe quando virá a próxima urgência em ir à casa de banho, pode ajudar ter na carteira, uns toalhetes, roupa interior a mais, entre outros itens. Pode nunca usar mas se surgir a necessidade, ainda bem que lá estava.
  • Ao chegar a um novo local (centro comercial, centro de congressos, concerto, entre outros) verifique logo onde ficam as casas de banho e outros locais importantes. Se tiver uma urgência, não irá perder tempo à procura.
  • Vai precisar de tempo. Se o caráter crónico da doença assusta porque significa para sempre, então porque é que tem de controlar tudo já? A cada dia e a cada passo vai descobrir mais acerca da sua doença e a das suas novas capacidades para lidar com ela.
  • Tenha os seus contactos de referência sempre à mão. O médico, o enfermeiro, a associação, o psicólogo, a nutricionista, o familiar, aquele amigo… Para cada tipo de crise ajuda ter um contacto de referência.
  • Pare de fumar ou descubra como o fazer. O tabaco prejudica a doença, aumenta a progressão da mesma e diminui a eficácia da medicação. Existem consultas de cessação ou de desabituação tabágica nos centros de saúde, nos hospitais ou mesmo na APDI.
  • Se precisar de ajuda psicológica, agende uma consulta na APDI através dos números de telefone 222 086 350 e 932 086 350 ou pelo email [email protected].

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Leia AQUI a reportagem sobre colite ulcerosa e doença de Crohn, a propósito da petição recentemente lançada.