Henrique Sá Pessoa: «Recusei trabalhos a ganhar muito dinheiro porque queria estar com a minha filha»

Texto de Ana Patrícia Cardoso/Fotografia DR

Mais do que pai e filha, somos muito cúmplices”. É assim que Henrique Sá Pessoa, de 42 anos, descreve a relação com a única filha, Inês, de 11. É um dos chefs mais conhecidos em Portugal, conta já com uma estrela Michelin pelo Alma (em 2016), gere ainda outros quatro restaurantes – o Tapisco, Cais da Pedra, um espaço no Mercado da Ribeira e outro no Corte Inglês – e o mais provável é encontrá‑lo a cozinhar o prato favorito da filha – massa com atum.

«Eu tento que, na minha semana, haja quatro dias em que faço o horário diurno para estar com ela.»

Quando foi pai, fez uma escolha. «Estava numa fase de projeção da carreira mas sabia que a minha lista de prioridades ia mudar. Não ia ser um pai ausente. Recusei muitos trabalhos, a ganhar muito, porque queria estar com a minha filha. Aceitei que em vez de ser o número um, podes ser o número três ou o número dez.»

Inês nunca soube o que era viver com os dois pais. «Separámo‑nos quando tinha 2 anos, era muito pequena.» Henrique mantém uma boa relação com Natalie, a ex‑mulher, e a filha passa uma semana em casa da mãe e outra em casa do pai. O modelo parece funcionar. «Ela está habituada e eu tento que, na minha semana, haja quatro dias em que faço o horário diurno para estar com ela.» Quando tem mesmo de se ausentar, conta com a ajuda da família e da namorada, Sílvia.

A expressão «seguir as pisadas do pai» não se aplica no caso de Inês, que quer ser bailarina, mas já se nota a influência paterna na forma como encara a comida. «Se calhar, outra criança diz “não gosto de queijo”. Ela é mais “não gosto da pele do tomate quente na massa”.» Com o paladar mais apurado, já vai distinguindo um dia bom e mau no tempero do pai. «A Inês já me diz “isto hoje não te correu muito bem, pois não?” E eu a pensar que ela não ia notar nada.»

Para além disso, nunca foi uma criança esquisita. «Gosto de pensar que tive alguma influência nisso. Sempre a habituei a comer de tudo. Os pais é que são os responsáveis pela alimentação, não os filhos.»

Com uma relação tão próxima, Sá Pessoa admite que é «um bocadinho permissivo. Diria que sou soft com ela. E a Inês também já aprendeu a dar‑me a volta»

A pequena já vai sabendo fazer algumas coisas na cozinha. «Já me surpreendeu com um pequeno ‑almoço, panquecas e tudo. “Estás cansado, precisas descansar, olha o que fiz”.» Esta compreensão surge sobretudo pelo diálogo entre os dois. «Há pais que não falam de trabalho com os filhos, eu não percebo isso. Se ela souber onde estou e o que faço, vai entender melhor quando estou preocupado ou cansado.»

Fazer que a filha se sentisse incluída na sua vida foi uma escolha desde o início. «Já foi comigo à Noruega, aos Estados Unidos. Também vai regularmente à Austrália porque a mãe é de lá. Já viajou bastante para a idade dela. E quando estamos juntos, vamos experimentar outros restaurantes, coisas novas. É a parte boa.»

Mas não foi sempre assim. Quando começou a perceber que as pessoas conheciam o pai, Inês ficava irritada. Não percebia como estranhos podiam falar com o pai e isso deixava ‑a incomodada. Só com o tempo foi percebendo que era sinal de reconhecimento pelo trabalho e hoje está consciente da exposição do pai.

E até vão ter um projeto televisivo em conjunto. Ainda por estrear, o programa vai mostrar como é a vida de um chef fora da cozinha. «É um desafio grande mas acho importante mostrar que, apesar da minha profissão, nós comemos o que as outras pessoas comem, gostamos de fast food, de doces. Basta ter moderação. Não sou nada fanático e vão ver isso.»

Com uma relação tão próxima, Sá Pessoa admite que é «um bocadinho permissivo. Diria que sou soft com ela. E a Inês também já aprendeu a dar‑me a volta. De qualquer forma, não sou nada apologista de castigos, de prolongar o momento no tempo. Prefiro que a situação seja falada e que ela perceba que errou», defende.

Um irmão ou irmã para a Inês está nos planos do chef e da namorada. Até lá, vão aproveitando a companhia da família grande, sobretudo nas férias de verão, em Sagres, que já se tornaram «sagradas». «Juntamo‑nos mais de dezoito. A Inês adora, fala nisso desde janeiro.»

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