
Texto de Sara Dias Oliveira
Em Portugal, todos os anos, são diagnosticados 4000 novos casos de cancro do pulmão, a doença oncológica que mais mata no nosso país e a principal causa de morte nos homens. Cerca de 55% dos doentes têm idade igual ou superior a 65 anos, e em 25% dos casos a doença surge após os 75. Neste momento, estima-se que 10,7% das pessoas diagnosticadas com este tipo de cancro sobreviva mais de cinco anos. Novembro é o mês do cancro do pulmão.
“O cancro do pulmão pode crescer durante muito tempo sem apresentar qualquer sintoma, o que explica porque é que, na maior parte dos casos, a doença está bastante avançada no momento em que é descoberta. À medida que o tumor cresce localmente, podem surgir sintomas como a tosse, por vezes com sangue, ou a dor no tórax”, adianta à NM Carina Gaspar, médica pneumologista no IPO de Lisboa. A tosse é o sintoma inicial mais frequente mas nem sempre é valorizado já que tende a ocorrer em fumadores a ela acostumados. A perda de apetite e de peso, o cansaço e falta de força são outros sinais.
Há duas categorias de cancro do pulmão: o cancro de células não pequenas, o mais frequente e que se desenvolve mais lentamente; e o cancro de células pequenas, mais raro, muito agressivo e que se propaga rapidamente
O facto de 90% dos cancros surgir em fumadores tem uma explicação. Há muita coisa dentro de um cigarro que perturba os pulmões. Os cigarros têm milhares de substâncias que provocam a doença, algumas que integram a própria planta do tabaco, outras que se formam no processo de transformação da matéria-prima, outras ainda que se manifestam durante a combustão no ato de fumar. “Como o pulmão é o órgão por onde entram todas essas substâncias presentes no fumo, está particularmente exposto ao risco de desenvolver cancro”, lembra a especialista. Há outros fatores de risco externos, como a poluição atmosférica – produtos de combustão dos veículos a motor, emissão de gases de máquinas industriais, cozinhas e lareiras -, a radiação que envolve mineiros em minas de urânio, e a exposição ao amianto.
O cancro surge num dos pulmões. Depois ataca o outro. “À medida que as células malignas se multiplicam, elas podem entrar na corrente sanguínea e desta forma ‘viajar’ para outros órgãos, onde se implantam e formam novos focos de doença, a que chamamos metástases. Um dos locais para onde o cancro do pulmão metastiza com frequência é o pulmão do lado contrário ao inicial, mas também o fígado, os ossos, as glândulas suprarrenais e o cérebro”, prossegue Carina Gaspar.
O típico doente de cancro do pulmão é homem, fumador, na faixa etária dos 60 aos 80
O cancro do pulmão atinge sobretudo homens fumadores a partir dos 60 anos. Mas há duas novas tendências preocupantes. A primeira é o aumento de novos casos nas mulheres, reflexo de um incremento de hábitos tabágicos no sexo feminino. Outra é a subida de casos em doentes jovens, inclusive abaixo dos 40 anos, que nunca fumaram ou que fumaram pouco e apresentam formas particularmente agressivas da doença. Palavra da especialista: “Neste grupos – não fumadores, mulheres e jovens – é particularmente importante pesquisar mutações, isto é, erros nos genes das células tumorais, porque uma única mutação pode ser responsável por todo o crescimento e propagação do tumor, e isso tem implicações no tratamento.”
O diagnóstico é como uma bomba. “Cancro do pulmão” são palavras duras de ouvir. Apesar dos avanços terapêuticos da última década, a possibilidade de cura ainda é baixa, pois a maior parte dos casos, cerca de 70%, são diagnosticados num estado avançado. Os casos com maior sucesso são os descobertos numa fase inicial, em que é possível remover todo o tumor através da cirurgia. “Estes doentes vão sempre necessitar de vigilância, mas mais de 90% estão vivos ao fim de cinco anos, e muitos nunca voltam a ter a doença”, sublinha a pneumologista.
O tabagismo, a poluição atmosférica e a exposição a certas substâncias cancerígenas são os maiores fatores de risco
Na doença metastizada, o caso muda de figura. A sobrevida geral ainda é ténue, com menos de 10% dos doentes vivos ao fim de cinco anos. O que é importante meter na cabeça é que combater o hábito de fumar é fundamental, e foram já dados diversos passos nesse sentido: advertências nos maços de cigarros, aumento nos impostos, uma lei que regulamenta o fumo em locais públicos. Para Carina Gaspar, os mais jovens devem merecer uma atenção especial: “Os adolescentes são um grupo particularmente vulnerável à dependência e aos estímulos sociais e de marketing para fumar, pelo que a educação nas escolas é uma estratégia muito importante e na qual deve ser feito, na minha opinião, maior investimento”.
Nos cigarros eletrónicos, o risco não é igual a zero. Apesar de, em teoria, estarem associados a menor risco para a saúde, o seu verdadeiro impacto só vai ser conhecido dentro de alguns anos
Há cada vez mais opções de tratamento. Cada caso é um caso, e cada tratamento é um tratamento que depende do estádio da doença, das características do tumor, se há ou não mutações, e fatores como o estado geral do paciente, idade, outras doenças. A cirurgia é a terapêutica de eleição nos estádios iniciais para tentar retirar todo o tumor. A radioterapia, por sua vez, atua sobre o tumor de forma a inibir o crescimento das células tumorais ou mesmo matá-las. Pode ser usada nos tumores localmente avançados e sem metástases, em combinação com a quimioterapia.
Na doença metastizada, a terapêutica é a quimioterapia que atua sobre as células tumorais, diminuindo o seu crescimento e prevenindo a disseminação. O objetivo é que o doente viva mais tempo e de forma mais confortável. “Habitualmente é feita de forma endovenosa, periodicamente”, frisa Carina Gaspar. “Apesar de terem surgido mais recentemente outras armas terapêuticas, a quimioterapia continua a ser fundamental para o tratamento de muitos doentes com cancro do pulmão.”
A idade média de diagnóstico situa-se entre os 60 e os 80 anos
A imunoterapia é o mais recente avanço nesta área. Reativa o sistema imunitário para que seja ele próprio a combater o tumor. No pulmão, a técnica foi inicialmente utilizada na doença avançada, mas começa agora a ser aplicada em estados mais iniciais e, a breve prazo, estima-se que as suas indicações sejam mais variadas. “Graças aos constantes avanços, e à medida que vamos compreendendo como combinar as terapêuticas disponíveis, é provável que no futuro a sobrevida do cancro do pulmão, mesmo do avançado, seja cada vez mais longa, ao ponto de se assemelhar nalguns casos a uma doença ‘crónica’ controlada.”
O cancro do pulmão costuma ser diagnosticado quando o tumor começa a interferir com outros órgãos
“Ao contrário de outros tipos de cancro para os quais já existem programas de rastreio bem definidos, como o cancro da mama ou do cólon, no caso do pulmão o risco-benefício do rastreio ainda não foi bem estabelecido”, revela a pneumologista, que lembra os resultados de um estudo internacional divulgado recentemente, com mais de 15 mil pessoas consideradas de risco. Foi feito um rastreio com tomografia computorizada (TAC) de baixa dose, de forma seriada ao longo do tempo, e o trabalho demonstrou “que esta estratégia conduz a mais doentes tratados com cirurgia curativa, e menos mortalidade. No entanto, não está livre de problemas, como o elevado número de casos em que são detetados pequenos nódulos que depois se conclui não serem cancro, mas levando no entretanto os doentes a serem submetidos a exames desnecessários, por vezes invasivos. Isso acarreta stress psicológico, além de custos”. Carina Gaspar defende que, no futuro, serão necessários mais estudos que permitam definir a melhor estratégia de rastreio para cada país.