Gugudadismo

Notícias Magazine

Li há poucos dias um artigo sobre livros para crianças com críticas mais ou menos recorrentes, como por exemplo o uso de cores escuras.

Eu sei que anoitece de vez em quando e que as crianças são obrigadas a ver coisas tão incríveis como sombras, escuridão, e que, mesmo de dia, há fenómenos abomináveis como o xisto, a terra, alguns cabelos, alguma tez, chocolates e outras coisas terríveis, todas elas de cores pouco claras.

Eu sei que nem toda a realidade é boa, mas tenho dificuldade em qualificá-la pela escuridão dos seus matizes. Curiosamente, comidas muito pouco saudáveis têm embalagens alegres, com cores vivas e garridas. As mesmas pessoas que se incomodam com o entrevamento das cores não se parecem importar com a His teria tonal destas embalagens, nem com o que elas representam.

Entre as críticas mais comuns apontadas a alguns livros de literatura infantil-juvenil, há uma que me comove particularmente: as crianças não devem ler nos livros que lhes são dirigidos palavras que não conhecem.

Eu próprio já cometi a ousadia de ter na capa de um álbum ilustrado a palavra «misantropo», que obviamente não pertence à lista de vocábulos aceites. Não é uma «palavra infantil» e não devemos expor crianças a tamanho perigo.Pode dar-se a fatalidade de, depois disso, ficarem a conhecer o significado de mais uma palavra e chegarem a adultas sabendo mais do que gugu dadá.

«Misantropo» não é difícil de explicar (pessoa que não gosta de outras pessoas), mas o mais assustador, muito mais do que cores escuras, é o facto de alguém acreditar que um leitor, criança ou adulto, deve conhecer tudo o que lê, que não deve encontrar novidade nenhuma, que não se deve deparar com situações novas, palavras novas, frases novas.

Os livros, dependendo da sua qualidade, têm caraterísticas perturbadoras e inovadoras. Quando não acontece, deixam muito a desejar. Se as crianças nos pedem rebuçados para jantar, pode ser que lhes façamos a vontade, porém, a maior parte de nós insistirá nos brócolos.

As crianças podem querer somente palavras que conhecem, aquelas que pertencem ao índice das palavras aceites ou toleradas, mas as palavras-brócolos (sem qualquer desprimor para as palavras-rebuçados, que também fazem falta) garantem um crescimento saudável. Pelo menos para quem ambiciona chegar aos oitenta balbuciando um pouco mais do que gugu dadá.