Gravidez: um estado de graça com inquietações à mistura

Texto de Sara Dias Oliveira

Ana Sofia Carvalho está grávida pela primeira vez. Barriga de sete meses, Vicente deverá nascer no início de novembro pelos cálculos médicos. “Os primeiros meses custaram um bocadinho mais com os enjoos. Mas já passou. A barriga foi crescendo e comecei a sentir o bebé”, conta a jornalista da Sport TV.

A gravidez de primeira viagem não lhe mudou significativamente as rotinas. Mas sentiu as mudanças no corpo. Mais volume em determinadas partes, muito sono, mais peso para transportar todos os dias.

“A gravidez alterou pouco a minha vida, não me impediu de continuar a trabalhar. Não ando tão rápido, faço tudo com mais calma, a tomar banho demoro mais tempo, para sair de casa são 20 minutos. Leva tudo muito mais tempo.”

Os exames revelaram que não é imune à toxoplasmose e, por isso, a parte alimentar sofreu alterações. Mais cuidados com certos produtos. As recomendações nesta área foram assimiladas rapidamente. Apesar de tudo, o verão ameno, menos quente do que é habitual, tem sido amigo da gravidez. Nos inchaços, no caminhar, no trabalhar.

Ana tem 33 anos e quer parto normal. Se soubesse que não ia demorar muito tempo até prescindiria da epidural. Mas também não é extremista. O que tiver de ser, será. “Não crio muitas expectativas”, revela. “Tenho muita curiosidade para ver como vai ser, mas nada que me crie ansiedade. Digamos que é a curiosidade normal.” E aquela sensação de que nada será igual depois do nascimento do Vicente.

“Nascerá alguém que vai depender de mim para sempre.”

Por esta altura, Maria Beatriz terá poucos dias de vida. É a primeira filha de Maria Francisca, 33 anos, bolseira de investigação na área médica. A gravidez implicou alguns afinamentos nas rotinas: menos cafés por dia, mais legumes na alimentação. A barriga cresceu muito rapidamente e os pés incharam na etapa final. No início, alguns sobressaltos, algum stresse. Exames e exames. Depois, mais tranquilidade.

“Faço o mesmo mas mais devagar porque o peso aumentou e os pés inchados já não ajudam muito. Tomo dois cafés por dia, no máximo, e faço uma alimentação mais saudável.”

O ballet e o pilates deixaram de fazer parte do exercício físico, serão retomados quando houver disponibilidade. Maria Francisca trabalhou até ao fim da gravidez: às 38 semanas ainda não estava em casa à espera do parto.

Sofia Martins, 36 anos, está grávida pela segunda vez. António, o primeiro filho, tem dois anos. Eduardo vem a caminho numa barriga de quatro meses, ainda pouco percetível. Na primeira gravidez, zero enjoos. Nesta já não foi bem assim. Enjoos, sim, além de corridas constantes para a casa de banho nas primeiras semanas. Agora já passou.

Sofia, funcionária dos serviços académicos da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, garante que o estado de graça não lhe altera significativamente as rotinas, mantendo as caminhadas. Mesmo assim, tem mais cuidados com a alimentação, sobretudo com os alimentos crus. E sente-se mais contente, mais feliz.

“Ando mais bem-disposta, rio-me à gargalhada por coisas mínimas, não sei se tem a ver com este estado de graça.” Há um sorriso luminoso no rosto.

Ansiosa, mal-humorada, luminosa, zen
A gravidez é um estado de graça? Depende. “Como não existem duas mulheres iguais, ou até sequer semelhantes, não se pode generalizar e afirmar que a gravidez seja um estado de graça para todas as mulheres”, responde Cláudio Rebelo, assistente hospitalar graduado em Ginecologia/Obstetrícia no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.

Há vários géneros: “Temos desde a grávida mais ansiosa, constantemente preocupada, dotada de um querer saber (com amplas pesquisas na internet) quase sufocante; à grávida ‘mal-humorada’, que usa a desculpa das hormonas para fazer tudo como quer; até à grávida ‘zen’, em que tudo está bem, completamente despreocupada, que por vezes até se esquece das consultas e da realização dos exames.”

São nove meses de transformações. E várias preocupações. O aumento exagerado de peso ajuda a provocar stresse e angústia, levar à perda da autoestima e até conduzir a uma depressão, quer durante a gravidez, quer depois do parto. A dificuldade em engravidar e desfechos infelizes em gravidezes anteriores podem contribuir para que o estado seja mais de desgraça do que de graça.

“Amplos estudos demonstram que o estado psicológico e a forma como se ultrapassam os primeiros três meses de gravidez, nomeadamente as queixas de náuseas, vómitos, as alterações intestinais e as perturbações do sono, condicionam o estado mais ‘luminoso’ da restante jornada”, adianta Cláudio Rebelo. Uma grávida bem-humorada e descontraída vive a gravidez em estado de graça.

“Sentir-se-á assim uma verdadeira ‘special one’, vitoriosa, luminosa e a cumprir um desígnio universal. Importante para tudo isto é também ter um companheiro(a) à altura para a ajudar e mimar nessa caminhada.”

Entre 50 a 80% das grávidas têm enjoos e vómitos que funcionarão como mecanismos de proteção alimentar nos primeiros três meses. Estes distúrbios dependem dos valores da hormona da gravidez e são mais frequentes nas grávidas com alterações da tiroide. Costumam desaparecer pela 20.ª semana, mas em 15% das grávidas mantêm-se durante os nove meses.

E como a barriga cresce, e a progesterona relaxa, pode haver azia, refluxo gástrico e obstipação. Alterações musculares podem provocar dores nas costas, na bacia e nas ancas. Há ainda o metabolismo dos açúcares e a diabetes gestacional, que aumentou 65% nos últimos dez anos.

Nas fases iniciais da gravidez, o pâncreas produz mais insulina, mas depois das 18 semanas há uma resistência à insulina pela ação de hormonas produzidas pela placenta. “O feto só pode utilizar a glicose como fonte de energia para o seu desenvolvimento e crescimento”, explica Cláudio Rebelo. Ou seja, o corpo adapta-se e as grávidas não precisam de ingestão extra de açúcares.

Alimentação, exercício, sexo
Uma mulher grávida é uma mulher que tem um novo ser dentro de si. E cada gravidez é uma gravidez. “Deve seguir um estilo de vida saudável, o que implica evitar excessos alimentares e períodos prolongados de jejum”, frisa Teresa Almeida Santos, diretora do Serviço de Reprodução Humana do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e professora da Faculdade de Medicina de Coimbra.

Uma alimentação variada, evitando a ingestão de carne e peixe crus ou mal cozinhados. Saladas e legumes crus devem ser bem lavados. E exercício físico? “Pode ser realizado durante a gravidez, exceto se existir alguma patologia que o contraindique.” Atividades ao ar livre e caminhadas são hábitos saudáveis que não devem ser colocados de lado, portanto.

Em condições normais, trabalhar não é contraindicado. Há, no entanto, exceções. “A grávida deve continuar a trabalhar desde que a sua atividade laboral não implique exposição a tóxicos ou esforço físico muito excessivo, o que deve ser avaliado caso a caso ao longo da gestação”, diz a médica.

Quanto a medicamentos, nada de abusos. Qualquer comprimido, só com indicação e prescrição médicas. Dúvidas e receios são normais neste estado e devem ser partilhados com o médico que acompanha esta fase da vida. “É frequente as grávidas sentirem alguma ansiedade, mas as consultas pré-natais com a equipa de saúde ajudam a lidar com esta situação.”

E o pai da criança faz parte do processo. Segundo Teresa Almeida Santos, “o companheiro deve ser envolvido na vivência da gravidez e acompanhar a mulher grávida, nomeadamente nas consultas e na preparação para o parto. Os casais que vivem este período conjuntamente sentem-se mais preparados para lidar com o parto e com o recém-nascido”.

E, durante a gravidez, as relações sexuais não estão proibidas. Desde que as grávidas se sintam bem e não haja ameaça de parto prematuro.

Tudo muda, dos rins ao coração
Todos os órgãos e sistemas do corpo da mulher alteram-se desde o primeiro momento. “As mudanças que ocorrem na mulher durante a gravidez servem para nutrir o feto em desenvolvimento e preparar a mãe para o trabalho de parto e parto”, refere Cláudio Rebelo, assistente hospitalar graduado em Ginecologia/Obstetrícia no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.

O peso aumenta. O aconselhável anda entre dez e 12 quilos numa grávida com peso normal; e entre seis e oito numa grávida com excesso de peso. Grávida obesa não necessita de ganhar peso. O volume plasmático aumenta em média de um a 1,5 litros, os valores da hemoglobina baixam, há mais necessidades de ferro para a síntese da hemoglobina materna e fetal e para a produção de certas enzimas.

Há alterações hormonais, cardíacas, renais, respiratórias, musculares e no metabolismo dos açúcares. “Os fenómenos de vasodilatação e aumento do volume sanguíneo levam a uma diminuição da tensão arterial (tonturas) e a um aumento do débito do coração (mais 20% às oito semanas e mais 40% às 30)”, sublinha o médico.

“A vasodilatação ocorre também nos rins (mais 1,5 centímetros de tamanho renal), com mais ênfase no sistema coletor e produtor de urina, o que predispõe a infeções renais – é importante a ingestão de 1,5 litros de água por dia durante toda a gravidez.”