Frutos que se colhem devagar

Notícias Magazine

A saudade faz-nos insistir nas memórias felizes. E não é um acaso que as da infância estejam sempre revestidas de um sabor especial, porque é a fase da vida em que mais genuinamente sabemos maravilhar-nos com coisas mínimas e em que o tempo parece ter uma dimensão maior.

Sempre que penso no meu avô, vêm-me à cabeça as tardes quentes de verão em que ele regava o milho e me pedia para percorrer os sulcos descalça, ajudando a manter abertos os caminhos para a água fresca. O milho era mais alto do que eu e desvendava os seus labirintos como quem persegue os mistérios da terra.

Não consigo percorrer a estrada quase sempre deserta do Pergulho sem ver o meu avô meio curvado, a caminhar com os braços atrás das costas, e sem o sorriso largo da minha avó a guiar-me. Uma vez, na festa da aldeia, a porta-voz de um rancho convidado trocou o nome e chamou à povoação «Pedregulho». As duas letras a mais fazem muita diferença mas por mim bateu tudo certo, porque as raízes têm a solidez da rocha e com a aldeia aprendi muito sobre força e paciência.

Quando era miúda, num sábado de plantações, os meus avós ofereceram-me um marmeleiro. Era apenas um pequeno pedaço de esperança, de raízes minúsculas, quando o coloquei no local escolhido. Ainda hoje é «o marmeleiro da Inês», mesmo que a dona perceba pouco da poda e há anos não saiba o que é sujar as mãos na terra. Não acerto com as épocas certas para as sementeiras.

Nunca soube o que é trabalhar de sol a sol ou ficar com as mãos calejadas de tanto usar a enxada. Para mim é fácil falar do amor à terra, porque lhe dedico a ligação nostálgica de quem sente quase sempre à distância, deixando para os irmãos a dureza de ajudar os pais a cuidar.

É preciso paciência para esperar que aquilo que se deita à terra cresça. E é preciso persistência para voltar a plantar quando se perde tudo. Com metade do país despovoado, distribuem-se folhetos com regras secas sobre as áreas a limpar em torno de casas e povoações, enviam-se e-mails, esgrimem-se interpretações. A floresta sofre as consequências de um abandono acumulado ao longo de décadas e de repente parecemos querer resolver tudo de uma vez.

É verdade que a responsabilidade por manter as propriedades limpas já está inscrita na lei há muitos anos, embora a malha tenha sido apertada. Tal como um imóvel degradado pode resultar no agravamento do IMI, a mesma cultura de zelo deve levar um proprietário rural a sentir o dever óbvio de cuidar de um bem que contribui para a segurança de todos.

Essa evidência não deve fazer-nos esquecer outras que sabemos de cor. A começar pelo facto de a floresta ter perdido valor económico e ser hoje mais fardo do que fonte de rendimento. Sem falar da idade média elevada dos poucos que continuam a viver na terra, da falta de cadastro e sobretudo da falta de ligação afetiva de muitos proprietários que vivem em meios urbanos e nem fazem ideia onde ficam os terrenos de família.

O compromisso nacional é necessário, porque 2017 foi demasiado negro para que nada mude. Mas também é preciso assumir que não muda tudo de repente nem a mudança se faz apenas com limpeza. Politicamente, há que lançar medidas estruturais e perceber que no mundo rural os frutos demoram. Com a mesma paciência que tem quem planta uma vez e outra. E ainda outra.