Fobias a palhaços, ao umbigo, aos quivis. O que é que mais nos apavora?

Texto de Sofia Teixeira

Há nove anos, quando entrou em casa e viu o marido de volta de um saco de quivis, Olga Rodrigues, de 32 anos, comercial da Maia, deu um pulo para trás e afastou-se. O coração ficou a bater mais rápido, sentiu-se agoniada. Foi neste dia que percebeu que tinha uma fobia invulgar a quivis. Se visse alguém a comer um, retirava-se.

Na frutaria não se chegava perto deles e, se quisesse comprar para o marido, que os adora, pedia ajuda a alguém para os pôr no saco, bem fechado. Em casa, não iam para a fruteira normal, caso contrário não comia fruta nenhuma de lá. “Não conseguia olhar para quivis nem tão pouco tocar-lhes, e ver alguém a comer um era algo impensável. Sentia um misto de nojo, repulsa e medo, apesar de racionalmente saber que não fazia sentido nenhum.”

“Não conseguia olhar para quivis nem tão pouco tocar-lhes, e ver alguém a comer um era algo impensável. Sentia um misto de nojo, repulsa e medo” (Olga Rodrigues, 32 anos)

Hoje, com muito esforço, depois de fazer um módulo de Programação NeuroLinguística (PNL), consegue estar perto destas peças de frutas e, embora com muito desagrado, se for absolutamente necessário, até pegar-lhes. Mas ver alguém a comê-los ainda a deixa muito incomodada. Olga não sabe de onde veio esta fobia. Todavia, refletindo sobre o assunto, acha que os quivis lhe parecem um bicho, talvez um rato. “Se calhar daí o nojo.” Mas embora não adore roedores, tendo de escolher entre ratos e quivis, a escolha continua a ser a menos comum: “Que venham os ratos. Fazem-me muito menos impressão.”

Explicar uma fobia não é linear. “Algumas poderão ter origem na nossa programação genética, que nos levaria a recear instintivamente animais perigosos. Outras poderão surgir por associação de ideias ou experiências: por exemplo, passar a ter medo de gatos por outrora ter vivido algo muito doloroso ou assustador na presença de um, ou por ter sido mordido por um animal peludo e passar a associar tudo o que é peludo a perigo”, aponta o psicoterapeuta Vítor Rodrigues. “Tudo isto, no entanto, poderá explicar algumas situações, mas está longe de explicar todas.”

“Algumas fobias poderão ter origem na nossa programação genética (…). Outras poderão surgir por associação de ideias ou experiências: por exemplo, passar a ter medo de gatos por outrora ter vivido algo muito doloroso ou assustador na presença de um” (Vítor Rodrigues, psicoterapeuta)

A questão da origem, contudo, nem sempre se reveste de grande importância. “É importante distinguir uma reação traumática a um acontecimento a partir do qual se pode começar a ter uma reação, de uma fobia propriamente dita, que normalmente está relacionada com diversos fatores”, explica Nuno Mendes Duarte, psicoterapeuta cognitivo-comportamental e diretor clínico da Oficina de Psicologia. No primeiro caso, a origem pode ter alguma relevância, no segundo nem por isso. “O que clinicamente é relevante é o conjunto de sintomas, não a relação com uma causa específica.”

Um problema frequente
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de 400 milhões de pessoas são afetados por algum tipo de fobia. As mais vulgares são a agorafobia – estar em espaços percecionados como inseguros, sejam eles abertos ou fechados, e que podem incluir centros comerciais, salas de espetáculos e transportes públicos – e a fobia social (ou ansiedade social), que inclui a incapacidade para lidar com interações sociais, como por exemplo encontrar-se com pessoas que não são próximas ou comer em público.

Mas as chamadas fobias específicas, a um objeto ou situação em particular, também são frequentes. De acordo com os dados de um estudo transnacional acerca da incidência de fobias no mundo (“The cross-national epidemiology of specific phobia in the World Mental Health Surveys”), publicado em 2017, cerca de 7,4% das pessoas sofrem de fobias específicas, sendo que a incidência ao longo da vida é maior nas mulheres (9,8%) do que nos homens (4,9%). E o início é precoce – aos oito anos de idade, em média.

Foi assim para Bárbara Santos, de 24 anos, que não aguenta bonecas de porcelana. Pelos sete anos, quando dormia em casa da avó, havia várias destas bonecas em cima de uma cómoda com espelho que ficava virada para a cama. “Tinha sempre a sensação que as bonecas ficavam a olhar para mim. Tinham de as levar para a sala e a porta do quarto era trancada”, conta a profissional de restauração do Porto.

O choro era uma das manifestações do seu pânico. Além disso, fugia. Agora, se vê alguma boneca de porcelana em casa de alguém ou numa loja já é capaz de controlar o choro e a reação de fuga, mas sabe que isso não significa que o problema esteja resolvido. “Consigo estar no mesmo espaço mas só se estiver mais alguém comigo. Sozinha sou incapaz. E tocar nelas está completamente fora de questão.” Bárbara nunca procurou ajuda porque estas bonecas, que dantes muitos tinham em casa, são cada vez menos frequentes, pelo que acaba por ser raro ter de se confrontar com elas.

“Tocar nelas [bonecas de porcelana] está completamente fora de questão.” (Bárbara Santos, 24 anos)

As implicações de uma fobia são tanto maiores quanto mais difícil seja evitar o contacto com o objeto ou situação fóbica. “A agorafobia – ou fobia social -, por exemplo, é uma perturbação ansiosa que causa um forte impacto na vida de quem a sofre, já que limita o funcionamento familiar, social e/ou profissional”, sublinha o psicoterapeuta Nuno Mendes Duarte.

E apesar de referir também que há fobias específicas que podem ser limitadoras da liberdade – como o medo de insetos (entomofobia) ou de aves (ornitofobia) -, explica que grande parte das pessoas que sofrem de fobias específicas não procuram ajuda porque vão gerindo a sua vida de forma a evitarem o contacto.

Medo ou fobia?
A fobia de Ana Lima era pouco comum mas incapacitante: a vienense de 25 anos, agora a viver em Andorra, era incapaz de andar no lugar do passageiro dos automóveis. Até aos 16 anos estava pouco habituada a andar de carro, mas, quando o namorado tirou a carta e começou a ir buscá-la a casa, houve um dia em que uma ideia despropositada lhe atravessou o espírito: e se o carro subisse o passeio e acabasse por capotar?

“Eu sei que é ilógico e irracional. Mas foi uma ideia que começou a escalar”, confessa. Passado pouco tempo, a ansiedade era tanta que corpo e espírito se descontrolavam: “Sempre que me sentava e o carro arrancava tinha ataques de pânico, achava que ia morrer, chegava a desmaiar”. Deixou praticamente de entrar num automóvel e sempre que era impossível escapar sentava-se no banco de trás de cabeça baixa.

“Sempre que me sentava e o carro arrancava tinha ataques de pânico, achava que ia morrer, chegava a desmaiar”. (Ana Lima, 25 anos)

O ano passado ganhou coragem para tirar a carta, mas tinha de ir medicada para as aulas. Estando ela aos comandos do automóvel não se sentia tão insegura, mas, se o instrutor pegava no volante, começava a sentir-se mal. “Decidi procurar um psicoterapeuta e começámos por fazer coisas simples. Por exemplo, subir um passeio comigo a conduzir, depois subir o passeio com o terapeuta a conduzir muito devagar, e falámos com um técnico forense de uma seguradora que me mostrou num simulador que um carro não capotava por subir passeios.” Ainda hoje não adora andar no lugar do passageiro, mas consegue fazê-lo. Ou seja, tem medo, mas já não tem uma fobia.

Um dos critérios para distinguir a fobia do medo é a racionalidade subjacente: “Um medo tem uma razão de ser facilmente compreensível, de tipo racional e útil. Uma fobia é um medo que não faz sentido nem a quem o sente”, considera o psicoterapeuta Vítor Rodrigues. Mas há outro nível de destrinça: ser ou não capaz de lidar com isso. Alguém que tem receio de voar pode ficar nervoso na descolagem, tomar um calmante para dormir e evitar fazer viagens muito longas; alguém fóbico rejeita um emprego de sonho se isso implicar fazer uma viagem de avião. O evitamento limita a vida.

Apesar de não existir nenhuma forma de impedir o aparecimento de uma fobia, é possível aprender a lidar com ela, sobretudo recorrendo a ajuda especializada. O tratamento “expõe a pessoa ao objeto fóbico por etapas”, realça Nuno Mendes Duarte. O objetivo é recondicionar a pessoa, fazendo com que aprenda que está segura perante o estímulo.

“Podemos, por exemplo, começar por ver uma aranha num livro e ajudar a condicionar a resposta ansiosa, para que esta se torne cada vez mais tolerável. Só passamos ao patamar seguinte quando a pessoa já se sente calma neste patamar. A neuroplasticidade do cérebro permite-lhe aprender ao longo da exposição que não é necessária a resposta ansiosa, e a pessoa vai acalmando à medida que lida com situações cada vez mais difíceis”, refere. E a boa notícia é que, no caso das fobias específicas, sejam elas mais ou menos estranhas, o tratamento é geralmente rápido e bem-sucedido.