Texto de Sofia Teixeira
Não nos apetece pensar em doenças antes de partir de férias, não temos por hábito ir ao médico sem estarmos doentes e há, ainda, uma ideia generalizada de que a consulta do viajante só é necessária se o país de destino exige vacinas que não temos, como a da febre-amarela. Com estas três ideias erradas em mente, muitos portugueses continuam a rumar a paragens mais ou menos distantes sem fazer uma consulta de medicina de viagens antes da partida, aumentando assim a probabilidade de complicações perfeitamente evitáveis.
A medicina de viagens é abrangente e há muitos motivos para fazer uma consulta antes de partir, além das vacinas obrigatórias: a altitude e o frio, as más condições de saneamento básico no destino, a presença de doenças endémicas – como a dengue, malária, febre-amarela e a encefalite japonesa -, as atividades diferentes das habituais que serão feitas durante a viagem ou a presença de condições de saúde mais frágeis, ainda que o destino seja em tudo idêntico ao país de origem.
“O mundo é grande e as regiões são todas mesmo muito diferentes umas das outras, mas genericamente os países da América Central e do Sul, África e Ásia são merecedores de alguns cuidados para garantir uma viagem mais segura”, defende Diogo Medina, médico com especialização em Medicina do Viajante. E é sobretudo importante fugir das armadilhas que vêm com o excesso de confiança: “Locais como o Brasil, São Tomé ou Cabo Verde, pela proximidade histórica e cultural, criam uma falsa sensação de familiaridade nos viajantes portugueses, que se expõem a riscos preveníveis quando viajam para estes locais.”
O melhor conselho a qualquer viajante é que faça uma consulta antes da partida, entre quatro a oito semanas antes, como recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS). Não faltam no país consultas deste género disponíveis, seja em hospitais, centros de saúde, consultórios privados ou mesmo através de telemedicina, como faz Diogo Medina.
Nestas consultas, o médico realiza uma avaliação personalizada que inclui o destino, o próprio viajante e as atividades que vai desenvolver. Além das vacinas e dos medicamentos profiláticos (para a malária, por exemplo), o viajante sai da consulta com um conjunto de recomendações de comportamento para fazer face aos riscos. Genericamente, o conselho mais importante, de acordo com o médico, é “sermos a nossa própria mini-ASAE e policiar um pouco a qualidade do que comemos”, já que uma parte substancial dos problemas de saúde entra pela boca. “Devemos evitar água da torneira não tratada, recusar copos com gelo e preferir os alimentos que possamos descascar, desembalar ou que sejam cozinhados na hora e ao calor, por oposição aos alimentos crus, comidos com casca ou de preparação questionável, como molhos e sobremesas caseiras em locais cujos cuidados de higiene alimentar sejam dúbios.”
Não é por acaso que os problemas mais comuns durante a viagem e na pós-viagem são as alterações gastrointestinais, como diarreia e vómitos, quase sempre benignas e passageiras, mas que podem e devem ser avaliadas se o quadro persistir.
O maior sinal de alarme é a febre, que nunca deve ser negligenciada. “Qualquer febre que surja na sequência de uma viagem a um destino tropical deve ser alvo de investigação nas primeiras 24 horas após o aparecimento. Podemos estar perante situações de malária, dengue ou outras infeções que necessitem de cuidados urgentes e que, caso contrário, podem ser potencialmente fatais”, alerta o médico. A malária é previsível, quase sempre curável, mas Diogo Medina lembra que, embora sendo cada vez mais raro, ainda morrem pessoas em Portugal devido a malária contraída em viagens por os cuidados de saúde não terem sido procurados, ou sido feitos demasiado tarde.
A consulta do viajante é talvez uma das únicas na qual a pessoa não tem queixas e não está doente. E isso altera completamente a dinâmica da observação. “Implica um pensamento médico completamente orientado para a prevenção e, por isso, menos paternalista e diretivo do que a medicina dita curativa. É preciso dialogar bastante e convencer as pessoas que as medidas que propomos podem mesmo evitar a doença”, explica o médico, acrescentando que nem sempre é fácil convencer as pessoas a tomarem medicamentos profiláticos.
As crianças e idosos são os grupos mais fáceis de abordar: as crianças porque os pais geralmente cumprem todas as recomendações, os mais velhos porque já viram muita coisa e são mais prudentes. “O grupo mais difícil é mesmo o dos adultos e jovens adultos, que têm uma sensação de invencibilidade que às vezes é difícil de desconstruir”, resume Diogo Medina.
Cuidado com os acidentes
Curiosamente, os principais problemas em viagem não são as doenças: “São os acidentes pessoais, sejam quedas ou acidentes rodoviários – os de mota, por exemplo, são frequentes”, explica Diogo Medina. Umas vezes porque não conhecemos as estradas, os fluxos de trânsito e o veículo que conduzimos, outras porque – seja em transporte próprio ou alheio – facilitamos e pomos de parte as regras. “Cá, as pessoas estão habituadas a usar capacete, cinto de segurança e a conhecer as suas próprias limitações. No estrangeiro, esquecem rapidamente esses cuidados e conduzem sob o efeito de álcool, sem proteção pessoal, ou em veículos com demasiados ocupantes”, aponta.