A fé e a tecnologia no resgate dos 13 jovens na Tailândia

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Texto de Mariana Albuquerque

“Fomos todos pais e mães. Fomos todos irmãos, padrinhos e amigos destes miúdos”. Hoje, é com o coração bem menos apertado que o teólogo e biblista Fernando Ventura fala da equipa de futebol juvenil dos Moo Pa – os Javalis – retirados com vida da gruta de Tham Luang Nang Non, na Tailândia.

A forma como as crianças resistiram à difícil jornada (os próprios mergulhadores admitem a complexidade de miúdos de 11 anos fazerem mergulho em grutas) e a resiliência do treinador, que lhes cedeu toda a comida, elevam o episódio a um patamar que vai além do compreensível. Terminada a operação, até a marinha tailandesa reagiu com admiração: “Não sabemos se isto é um milagre, ciência ou o que é.”

Mas, por cá, há uma certeza. A de que foi a humanidade que salvou os meninos da morte certa. “Se houve algo de positivo nesta história foi a capacidade de superação humana. Fez-se a diferença pela coragem, inteligência e união”, garantiu o teólogo. O “impossível deu lugar ao possível” e o mundo parou para, crenças e cores à parte, torcer por cada vida que era devolvida à superfície da terra.

Agora, enquanto os 13 “javalis” recuperam da experiência de viver, literalmente, numa caverna, arriscando-se a infeções fatais, histoplasmose, leptospirose e raiva, há que retirar lições.

“Estes fenómenos naturais têm de ser compreendidos e respeitados. O Homem pensa que, com toda a maquinaria e tecnologia que tem ao dispor, consegue controlar a natureza. É verdade que consegue, por exemplo, desviar rios e barragens, mas há um aspeto que deve estar sempre presente: a natureza em si tem uma força muito superior à do Homem”, recorda António Brum da Silveira, do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

O caso da erosão costeira foi um dos que o geólogo utilizou para fazer passar a sua mensagem. “Fazem-se pontões para salvar casas, mas há que compreender que o mar avança e recua e que, ao longo de uma determinada faixa costeira, não se deve construir”, sublinhou. As águas subterrâneas que circulam naqueles maciços calcários onde a equipa de futebol ficou presa também devem ser respeitadas. “São como rios que podem, a dada altura, isolar setores das grutas, e foi o que aconteceu.”

Num aspeto António Brum da Silveira e o teólogo Fernando Ventura estão de acordo: a resiliência das equipas de resgate internacionais e dos 13 jovens foi notável. Quando os especialistas entenderam a complexidade do resgate que tinham em mãos nunca hesitaram. Temeram, sim, mas nada os deteve. Aos olhos de quem acompanhava o caso, as técnicas usadas podiam parecer milagrosas, mas não eram.

“Houve alguma falta de informação nos meios de comunicação social”, explicou o geólogo. “Em relação à questão da extração de água da gruta através de bombas, há que entender o seguinte: o maciço calcário é como se fosse uma esponja. Se tentarmos retirar-lhe a água com uma seringa, a que está nas laterais não será retirada, portanto, não podemos dizer que bombear a água das grutas é um método extremamente eficaz. Baixou, efetivamente, o nível das águas, mas não é um método seguro.”

Curiosamente, minutos depois da conversa da “Notícias Magazine” com António Brum da Silveira, chegavam as primeiras notícias de que a principal bomba de extração de água usada na operação falhou, algumas horas após a evacuação dos últimos jovens e do treinador, fazendo subir rapidamente o nível da água. Os 100 trabalhadores que se encontravam na gruta, retirando todo o equipamento usado, correram apressadamente para a saída e conseguiram sair ilesos, aproximadamente uma hora depois, segundo relata “The Guardian”.

E mesmo as cápsulas criadas pelo magnata americano Elon Musk não puderam ser usadas. “A intenção foi boa, mas não houve viabilidade”, notou o geólogo. Zero para o mini-submarino; Um para o Homem. A vitória foi clara: felizmente, ganhou a vida; só para nos ensinar que, tal como a ciência e a fé, também a natureza tem de ser respeitada.