Exclusivo Oprah Winfrey: «Apenas queremos ser ouvidos, seja como for»

Entrevista de Lucy Allen / The Interview People | Fotografia de Getty Images

A indústria vestiu-se a rigor, de negro, para a 75ª edição dos Globos de Ouro, no início da semana em Beverly Hills, Los Angeles, Califórnia. Era a forma de protesto contra os abusos sexuais e a desigualdade de género. Mas foi Oprah Winfrey a mulher da noite.

Além de ter ganho o prémio carreira Cecil B. DeMille, atribuído todos os anos a uma pessoa com reconhecido impacto no mundo do entretenimento, escolhida pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, deu nas vistas com o seu discurso que mais parecia um «estado da Nação».

No palco, diante de uma ovação retumbante, falou de assédio, injustiça racial e liberdade de imprensa. A audiência caiu-lhe aos pés quando disse querer «que todas as meninas que estão a assistir a isto saibam que há um novo dia à vista».

Já nos bastidores, Oprah falou sobre a incrível reação ao seu discurso inspirador, as lições que a vida lhe ensinou e as esperanças para o futuro – mas não da hipótese levantada por muitos de vir a ser candidata a presidente.

O seu discurso foi maravilhoso e inspirador. Qual sente ter sido a lição mais valiosa que aprendeu com a vida e com a carreira?
Na verdade, a maior lição que aprendi ao longo da minha carreira recebi-a de Maya Angelou, escritora e ativista dos direitos humanos, quando a conheci. Passado algum tempo juntas, ela disse-me: «Sabes, querida, tens de saber que quando as pessoas te mostram quem são, deves acreditar nelas à primeira.»

Oh, também já aprendeu essa lição? Eu aprendi. Acreditar à primeira, não à 29ª vez. Se alguém nos mostra falta de integridade ou honestidade uma vez que seja, irá repetir muitas outras. O problema é que levamos 29 vezes a ver a mesma coisa caso ela venha com outra saia ou a usar um par de calças diferente.

Por isso, acho que esse foi um dos meus maiores ensinamentos: saber avaliar alguém pelo seu comportamento e as suas ações, não só em relação a mim, mas também em relação a terceiros. Porque se uma pessoa fala de outras também fala de nós. Tornou-se a minha maior lição de sempre nas relações pessoais e na profissão. Outra foi saber manter-me enraizada, também me tem sido muito útil.

«No que diz respeito a filmes sou apenas a miúda nova no bairro, sinto-me sempre fora da minha zona de conforto quando estou a representar. Não há nada mais intimidante do que isso.»

Atualmente encontra-se no topo do mundo. O que a mantém humilde?
Isto torna-me humilde. Quando me ligaram a convidar-me para receber este prémio, disse-lhes que não devia ser eu a pessoa a ficar com o galardão Cecil B. DeMille. Sabe porquê? Estive a trabalhar com a Reese Witherspoon na primavera e no inverno passados e calhou perguntar-lhe numa manhã na sala de maquilhagem: «Então, quantos filmes já fizeste?» Ao que ela me respondeu: «Oh, minha doce criança, não faço ideia. Foram tantos.» E depois pensei: «Espero que ela não me pergunte a mim, porque acho que foram cinco [risos].

Daí não estar a perceber, até me explicarem que este prémio carreira tem que ver com entretenimento. Aquilo que pude fazer com o The Oprah Show, toda a afirmação cultural que fomos fazendo no mundo, deixa-me muito muito orgulhosa, de facto.

Agora, no que diz respeito a filmes sou apenas a miúda nova no bairro, sinto-me sempre fora da minha zona de conforto quando estou a representar. Não há nada mais intimidante do que isso.

«Todas as experiências grandiosas da minha vida, que me conduziram a este momento preciso, resultaram de trabalhar a partir do meu interior. Por isso parecem tão autênticas – porque o são, de facto. Quando forem capazes de fazer o mesmo, tornam-se vencedores.»

Que conselho daria às futuras gerações que querem fazer filmes em Hollywood?
A melhor maneira de fazê-los é fazendo as coisas de que se gosta. Durante 25 anos trabalhei no The Oprah Show e o Stedman [Graham, o marido] pode dizer-lhe que havia noites em que eu chegava a casa e até me custava a despir, só de saber que dali a quatro horas tinha de estar a pé de novo. No entanto, nunca me sentia realmente exausta a ponto de esgotar.

Por isso façam o trabalho que vos sai diretamente da alma, do vosso passado, das histórias com que cresceram ou vos trazem paixão. Das histórias que não só desejam ardentemente contar como nunca ganhariam forma se não fossem vocês a pegar-lhes.

A maior pérola de sabedoria que alguma vez recebi, além daquela sobre como as pessoas nos mostram quem são, é que a chave para a realização, o sucesso, a felicidade, o contentamento na vida consiste em alinharmos a nossa personalidade com o propósito da alma. Acredito que todos temos uma alma e uma energia espiritual própria. Quando conseguimos pôr a nossa personalidade ao serviço do que quer que isso seja, não podemos evitar ser bem-sucedidos.

Então, se fizerem filmes que vos surjam do interior não podem falhar, ao contrário de quando fazem coisas por julgarem que podem dar dinheiro, vir a ser um êxito ou trazer-vos algum nível de atenção ou sucesso.

Tenho a dizer que todas as experiências grandiosas da minha vida, que me conduziram a este momento preciso, resultaram de trabalhar a partir do meu interior. Por isso parecem tão autênticas – porque o são, de facto. Quando forem capazes de fazer o mesmo, tornam-se vencedores.

«Comecei a ver esse fio comum à humanidade em que toda a gente quer saber como foi, se fez bem, se o estamos a ouvir, se aquilo que dizem faz sentido para nós. Apenas queremos ser ouvidos, seja como for.»

Tem sempre ótimos conselhos para toda a gente. Olhando para trás, qual daria a uma Oprah de 7 anos? Ou à Oprah de 13, prestes a sobreviver como mulher neste mundo?
Aos 7 anos eu era tão triste… Todo o amor verdadeiro que recebia vinha dos meus professores. Não faz ideia do poder de se reparar noutro ser humano e da sensação que é uma pessoa saber que foi vista, realmente vista, por nós. É a maior dádiva que podemos oferecer.

Em todos aqueles anos do The Oprah Show, a lição mais importante que aprendi foi que em cada programa, sempre que fazia uma entrevista, alguém me perguntava invariavelmente «Como foi?», de uma maneira ou de outra, quer eu falasse com um pai que matou as duas filhas gémeas ou com Barack Obama, George Bush, Beyoncé. Todos eles diziam o mesmo: «Como foi?»

Comecei a ver esse fio comum à humanidade em que toda a gente quer saber como foi, se fez bem, se o estamos a ouvir, se aquilo que dizem faz sentido para nós. E reconhecer isso nos outros ajudou-me a tornar-me uma pessoa de compaixão, de compreensão. Uma pessoa que pode entrevistar qualquer pessoa acerca de qualquer assunto, porque sei que o que está no centro do meu entrevistado é o mesmo que trago no meu centro. Apenas queremos ser ouvidos, seja como for.

«Para as mulheres que suportaram tantas dores e permaneceram em silêncio, a sentir que não podiam falar nem dispunham de outros recursos, ver-nos agora todas a falar a uma só voz deve dar-lhes o poder que nunca tiveram.»

No ano passado, quando a atriz Meryl Streep ganhou este prémio, viviam-se tempos muito diferentes. Donald Trump tinha acabado de ser eleito presidente dos EUA e ela atacou-o no palco, fazendo eco do sentimento geral. Com o seu discurso agora, toda a gente vestida de preto em solidariedade, acha que o país como um todo se está a mover numa direção melhor?
Sem dúvida que sinto que o que aconteceu… Sabe, tendo eu visto isso ao longo dos anos em milhares e milhares de entrevistas, a observar as pessoas na sua disfunção, sei que quando uma coisa verdadeiramente negativa está a levedar, há sempre uma reação diametralmente oposta que também é possível acontecer.

É como diz a terceira Lei de Newton: para toda a ação existe uma reação de igual valor e direção, mas com sentido oposto. Então, quando em outubro começou a acontecer algo tão grande como atrizes a acusarem o produtor Harvey Weinstein de assédio, pensei: «Atenção, atenção, atenção, atenção.» E com cada revelação a cada dia, pensava: «Aqui está uma oportunidade para um crescimento poderoso, para usarmos este momento no sentido de elevarmos o que está a acontecer em vez de estarmos constantemente a vitimizar-nos.»

Creio que vestir de preto em sinal de solidariedade foi um passo. Aquilo que o movimento Time’s Up está a fazer contra o assédio sexual, com o seu fundo de milhões de euros em donativos para ajudar mulheres mais desfavorecidas, é outro passo enorme.

Foi muito importante para todos nós, que estamos envolvidos no Time’s Up, isto não ser apenas sobre as mulheres de Hollywood – porque já somos um grupo privilegiado – e, sim, extensível às mulheres do mundo. Como eu disse no meu discurso, não há uma cultura, uma raça, uma religião, uma política ou um local de trabalho que não tenham já sido afetados por isto.

Uma das razões por que quis contar a história de Recy Taylor [uma jovem agricultora negra que em 1944 foi violada por seis homens, vendada e deixada à beira da estrada quando ia da igreja para casa em Abbeville, no Alabama, EUA] foi justamente para as pessoas saberem que está a acontecer há demasiado tempo. Acho que para as mulheres que suportaram tantas dores e permaneceram em silêncio, a sentir que não podiam falar nem dispunham de outros recursos, ver-nos agora todas a falar a uma só voz deve dar-lhes o poder que nunca tiveram.

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