Ex-segurança de discotecas dá conselhos aos pais sobre as saídas à noite dos adolescentes

Violações, pancadaria, álcool, muito álcool, droga, muita droga, e excessos – tantos que lhe custa a acreditar. Marlon Queiroz nem pestaneja ao falar dos dez anos que trabalhou como segurança de discotecas no país, «sempre à procura da paz mas preparado para a guerra».

Brasileiro colossal, praticante de jiu-jitsu desde os 19 anos (tem 38), era porrada à porta com os grupos barrados e porrada no interior, a separar brigas entre clientes. O medo nunca o travou. Nunca, a não ser quando pensa nos filhos, Mateus de 20 anos e Lucas de 10, os seus bens maiores.

«Sou apologista de os jovens saírem para se divertir: as discotecas fazem tanto parte do ciclo da vida como as universidades. Têm é de estar preparados, o que não acontece em mais de noventa por cento dos casos», alerta Marlon Queiroz

«Sou apologista de os jovens saírem para se divertir: as discotecas fazem tanto parte do ciclo da vida como as universidades. Têm é de estar preparados, o que não acontece em mais de noventa por cento dos casos», alerta Marlon Queiroz, incapaz de deixar de pensar no seu filho mais velho sozinho em Newcastle, Inglaterra, a estudar Engenharia e a fazer sabe-se lá o quê.

«O aliciamento da droga é muito grande na noite. Os miúdos apanham bebedeiras que os pais nem sonham. Os mesmos garotos que chegam de camisas finas e risco ao lado no cabelo, vindos de famílias sólidas, às seis da manhã saem da discoteca armados em gangsters do bairro, todos alterados.»

E é quase sempre assim, como uma regra matemática – ou uma maldição: aos 14 anos começam a sentir o anseio. Aos 16, quando os pais finalmente os autorizam a ir às discotecas e aos bares, muitos adolescentes parecem já ter atingido o tamanho definitivo que terão em adultos, mas Marlon sabe que não.

«É sério, dealers são como farmacêuticos. Conhecem as dores de alma dos nossos filhos, sabem como aplacá-las. De repente já eles estão agarrados e nós mal percebemos.»

«São uns meninos. Acabaram de sair das festas familiares no terraço de casa deles para um ambiente com drogas, prostitutas, gente do bem e do mal, a achar que os conselhos dos pais são para ignorar.» Nenhum está preparado para quatro vodkas sem perder o juízo, ou para repelir um dealer que lhes ofereça cocaína para arrebitar, charros para acalmar, LSD para amar.

«Nós ensinamos-lhes que droga é ruim, mas droga é que nem bola-de-berlim: é boa, por alguma razão movimenta milhões e pessoas arriscam a vida por ela. Faz é mal», resume o ex-segurança.

Aos pais, que como ele se consomem a ver passar as horas, aconselha-os a tomar medidas para não terem de correr atrás do prejuízo.

Nunca se habituou a ver miúdos caídos na casa de banho das discotecas depois de cheirarem umas linhas para mostrarem aos amigos que são muito rebeldes. Nem quando vivia na Baixada Fluminense, uma das regiões mais violentas do Rio de Janeiro, receou tanto por alguém como agora, por Mateus. «É sério, dealers são como farmacêuticos. Conhecem as dores de alma dos nossos filhos, sabem como aplacá-las. De repente já eles estão agarrados e nós mal percebemos.»

Aos pais, que como ele se consomem a ver passar as horas, aconselha-os a tomar medidas para não terem de correr atrás do prejuízo. Que saibam sempre onde vão os miúdos, porque há boas e más discotecas. E, claro, com quem vão: sendo aquele o seu grupo de amigos, é suposto conhecerem pelo menos alguns. Também não faz sentido mandá-los regressar às 04h00 quando a noite só começa às 02h00; porém, nas primeiras vezes, convém irem levá-los e buscá-los.

«Ser ele a chamar um táxi bêbedo é fácil, ao passo que com o pai à espera irá controlar-se mais», diz Marlon. Pela parte que lhe toca, em vez de assumir que o filho ficará pelo Frize limão, mais vale mostrar-lhe que percebe e aconselhar cuidado com o que bebe, quanto bebe, sempre no bar, nunca do copo dos outros.

«Fala-se muito da violência na noite, mas ela está é nesta sociedade em que cada vez é mais difícil ser miúdo»

«Já tive pais a pedirem-me para dar um olhinho aos miúdos, a ver se se portavam mal. Pais a ligarem eles próprios à Uber se não podiam ir buscá-los no final, para garantirem um regresso seguro.» Diz-lhe a experiência que são também estes pais que lhes perguntam como foi a noite, tal como perguntam pelo dia na faculdade, permitindo que não se fechem na concha.

«Fala-se muito da violência na noite, mas ela está é nesta sociedade em que cada vez é mais difícil ser miúdo», aponta. Pais demitem-se do seu papel por trabalharem 12 horas por dia e quererem ser amigos, tudo muito moderno.

Filhos perdem as regras porque são órfãos de pais vivos e têm de fazer judo, equitação, esgrima, piano, ter seguidores, estar no quadro de honra, ser bonitos, criar empresas gloriosas e seguir os últimos gritos da moda – demasiada pressão.

«Quando eu tinha 16 anos a gente só tinha de botar uns ténis, umas calças e dar uns beijos às miúdas. Sou de uma geração em que os pais também trabalhavam muito, mas havia outra disponibilidade.»

«Já tirei as chaves do carro a miúdos de 18 anos que iam conduzir à beira do coma.»

E aqui voltamos à figura do segurança, sem a qual não existiria esta história. «Sei que muitos antigos colegas não reconhecem o seu valor (também eu só descobri o meu ao sair da noite), mas eles cuidam do bem maior de qualquer pai.» Só isso bastaria para ensinar os filhos a serem educados, dizerem «Ora então boa noite, continuação de um bom trabalho», a olhar nos olhos – afinal, o segurança trabalha a favor deles.

«Já tirei as chaves do carro a miúdos de 18 anos que iam conduzir à beira do coma.» Evitou violações: elas embriagadas, eles idem, as hormonas mais elevadas do que os níveis de caráter, num instante perdem-se os limites entre consentimento e estupro.

«A violência e a delinquência juvenil estão a aumentar por haver justamente essa falta de vínculos, um vazio de gentileza instalado.»

«Acontece bastante no próprio grupo de amigos, razão por que os pais devem fazer por conhecê-los», sublinha Marlon. Ao Mateus sempre repetiu que «não» só tem um significado, é universal. Mesmo se uma rapariga está a cair de bêbeda e avança, ele não tentará nada porque ela não está em condições de decidir.

«Os jovens precisam de sentir que à vontade não é à vontadinha, e a maioria vive à vontadinha», diz. O respeito que não têm quando saem é já o que lhes falha quando mandam os adultos lá de casa para lugares feios, escuros e distantes. «A violência e a delinquência juvenil estão a aumentar por haver justamente essa falta de vínculos, um vazio de gentileza instalado.» A noite é só a hora a que todos os monstros despertam.

Pais, estes são os conselhos de um homem da noite

  • Sem trânsito Se o jovem diz que vai para a discoteca X, mas se não estiver fixe vai para a Y, e assim sucessivamente, a resposta de Marlon é só uma (deu-a muitas vezes a Mateus): «Não. Quando você for adulto, pode rodar a cidade à procura de emoções. Por enquanto vai para a discoteca X e fica lá, circular na noite é perigoso. E eu preciso de acordar a meio da noite e saber onde você está se acontecer alguma coisa.»
  • Levem-nos Óbvio que não será sempre assim, mas pelo menos nas primeiras saídas procure levar o seu filho ao local de diversão para ter uma noção do que o espera. Depois de ele entrar, se for preciso, dê a volta com o carro, vá ter com o segurança e peça-lhe para dar um olho. «Tive pais a deixarem-me o número deles. É muita gente, mas acabava por ficar sempre mais atento àqueles miúdos», reconhece Marlon.
  • E vão buscá-los De novo será só ao início, como forma de garantir que ele se controla um pouco mais (nenhum filho quer ser apanhado a fazer más figuras e arriscar uma quebra de confiança logo nas primeiras saídas). Se não puder mesmo ir buscá-lo, ponha o despertador, ligue à hora combinada e chame-lhe o táxi para controlar aquela vinda para casa em segurança.
  • Perguntem Calmamente, sem julgar nem se exaltar, informe-se de como correu a noite, do que viu, do que ele próprio fez. Parta do princípio de que vai haver álcool (mesmo que ele jure a pés juntos que não lhe vai tocar) e avise-o para ter cuidado com o que bebe, os excessos, sempre no bar, nunca do copo de outra pessoa. Ensine-lhe que a lealdade aos amigos também acaba se eles decidirem fazer estragos ou andar à tareia.
  • Falem sem reservas Em casa de Marlon existe a regra de chamar as coisas pelos nomes – sexo, drogas, tudo. «Digo ao Mateus que não existe um pozinho branco, existe cocaína. Já o meu pai era assim frontal, mostrou-me até como se cheirava. Depois disse-me para não vir com a história de que tinha sido enganado e avisou-me de que iria ficar agarrado, destruído, mas a vida era minha e eu é que sabia.» Marlon nunca lhe tocou.
  • Conheçam A discoteca para onde vai, o ambiente, quem são os amigos (pelo menos os mais chegados dentro do grupo), o próprio adolescente que tem em casa. Proibir as saídas não é boa política, até porque o fruto proibido é o mais apetecido. «Têm é de estar todos preparados, informarem-se sobre o terreno. Um surfista também só entra numa onda grande se estiver pronto para ela.»

Marlon Queiroz: da noite para o dia

Marlon Queiroz tinha entrado na maioridade quando descobriu o jiu-jitsu brasileiro – uma ideia nada descabelada que o forjou contra o bullying – e, desde então, nunca mais parou de se servir dos braços e das pernas com prontidão.

«A questão das desigualdades sociais, de como resolvê-las para evitar esta violência absurda à nossa volta, sempre mexeu muito comigo», conta o ex-segurança, nascido e criado em Belford Roxo, um município do Rio de Janeiro.

«É preciso quebrar esse ciclo – e porque não ser cada um de nós a fazê-lo com o que estiver ao nosso alcance para ajudar? Acredito realmente que podemos marcar a diferença na vida de alguém.»

Em 2000, tinha ele 20 anos, casado e já com Mateus, veio para Portugal em busca de melhor vida. Ser empregado de mesa e ajudante de pintor numa oficina dava-lhe pouco com que sustentar a família, pelo que trabalhou dez anos como segurança em várias discotecas do país.

«Quando saí dele [do mundo da noite], há sete anos, descobri que só me restava uma sensação de perda de tempo, vários inimigos e uma grande lista de processos em tribunal.»

«Não posso dizer que estou arrependido, há situações pelas quais temos mesmo de passar, contudo não ganhei nada de útil, nada de que me orgulhe», adianta. Nada a não ser o livro Máfias da Noite (ed. Planeta), que publicou em 2012, e o curso de argumento para cinema que fez na Restart, em Lisboa, com ideias de um dia adaptar para filme essa reflexão crua do mundo da noite.

«Quando saí dele, há sete anos, descobri que só me restava uma sensação de perda de tempo, vários inimigos e uma grande lista de processos em tribunal.» Ainda em 2012, ao ser convidado para trabalhar em Inglaterra com o professor de jiu-jitsu Lúcio Rodrigues, campeão mundial e diretor da academia Gracie Barra Fulham, em Londres, Marlon não olhou para trás.

De 2015 a 2017 foi para o Dubai: de manhã dava aulas a crianças (o jiu-jitsu é obrigatório nas escolas), à noite treinava as forças especiais. «Todos pensaram que tinha fugido, mas não fugi nada. Só segui em frente.»

Hoje dá aulas particulares, pratica diariamente com o professor Sérgio Vita e luta a nível internacional pela Icon Vita Team. Também se prepara para lançar neste ano o seu segundo livro, O Último da Fila, para questionar porque é que o meio nos torna mais violentos.

«Alguém que abandona a escola cedo, sem uma boa base familiar, sem ter o que comer, também terá as suas oportunidades, porém será sempre o último da fila.» E aqui é tão fácil modificarmos a vida de uma pessoa, diz. É só perceber quem, perto de nós, precisa de ajuda e fazer acontecer. «A sociedade desconfia de quem se mostra bom, mas às vezes pode ser assim simples.»