A escola (tipo ‘Fame’) que pôs uma pequena vila portuguesa no mapa-mundo das artes

Texto Sara Dias Oliveira | Fotografias Maria João Gala/Global Imagens

Toca­‑se, canta­‑se, dança­‑se dentro e fora das salas e os sons chegam de vários lados. No auditório, na aula da orquestra de jazz, os alunos estão alinhados como num concerto. Noutra sala, conjugam­‑se guitarras, teclas e bateria, enquanto o naipe de vozes escuta o que o professor diz sobre competências rítmicas. Noutra aula, os bateristas marcam ritmos com pés e mãos.

À mesma hora, aspirantes a bailarinos, do curso de Intérprete de Dança Contemporânea, ensaiam coreografias, ouvem explicações sobre a transferência do peso do corpo e testam movimentos de hip­ hop.

Há abraços, beijos. E, de vez em quando, à entrada da Jobra, no Centro Cultural da Branca, edifício de Carrilho da Graça inaugurado em 2006, há performances espontâneas dos alunos que querem partilhar o que andam a aprender.

Marta Rodrigues fez muitos quilómetros do Algarve para entrar na Jobra, na vila da Branca, Albergaria­‑a­‑Velha [o nome vem da junção das primeiras letras das palavras «jovens» e «Branca»], a única escola profissional do continente que junta teatro, música e dança. A primeira no país a abrir um curso técnico de Instrumentista de Jazz e que, neste momento, tem no total 678 alunos de 67 concelhos.

Marta fez as malas aos 15 anos e agora, aos 17, quer ser cantora jazz. «Não me vejo a fazer outra coisa e esta escola dá­‑nos hipótese de fazer o que gostamos. Os professores criam uma ligação fixe com os alunos e encaminham­‑nos para o que queremos.»

Em março, representará a escola num concurso no Teatro São Luiz, em Lisboa. «Já tenho alguma experiência de palco, mas há sempre nervosismo.» E quando fecha os olhos, imagina­‑se a cantar, a ser reconhecida pelo mundo, a ter uma banda, a gravar álbuns.

Na vila de seis mil habitantes, os 678 alunos são bons para os negócios locais. E colocam a Branca no mapa do ensino artístico em Portugal.

A turma do último ano do curso profissional Artes do Espetáculo – Interpretação ensaia um texto. Ana Carolina, 17 anos, segue as falas até entrar em cena. Também tem sonhos, quer ser atriz ou encenadora. «Entrar nesta escola foi uma escolha acertada, não sabia nada, não conhecia autores, estilos, correntes.» Aprendeu a importância do toque, a lidar com a exposição. «A primeira fala ainda dói, o meu peito parece que vai rebentar. Depois fico anestesiada e corre bem».

A Jobra mostrou­‑lhe o caminho, o que queria ser. «E isso foi muito libertador. Aqui não há pressão de termos de ser de determinada maneira, é um ambiente à parte.» O ambiente é descontraído e criativo. E é isso que se pretende.

Um aluno de head­phones caminha aos saltinhos no corredor e, dali a nada, está numa aula a cantar músicas clássicas. Quatro colegas ensaiam ritmos com as mãos numa mesa no corredor. Há vários alunos a ensaiar os instrumentos nos bancos da escola.

Gualter passa os dias na Jobra, muitas vezes até à meia­‑noite, hora a que fecham as portas. «Temos muita sorte de termos professores de qualidade, que ensinam bem e que conseguimos ver tocar.»

Há abraços, beijos. E, de vez em quando, à entrada da Jobra, no Centro Cultural da Branca, edifício de Carrilho da Graça inaugurado em 2006, há performances espontâneas dos alunos que querem partilhar o que andam a aprender.

Gualter Silva vai para a aula de trompete. Está no segundo ano do curso profissional Instrumentista de Sopro e de Percussão, quer ser compositor. Aos 17 anos, deixou a ilha Terceira, Açores, e instalou­‑se na Branca depois de pesquisar sobre a escola e de o pai, professor de música, ter ficado convencido com o que viu.

Hoje, aos 19 anos, passa os dias na escola, muitas vezes até à meia­‑noite, hora a que fecham as portas. «Temos muita sorte de termos professores de qualidade, que ensinam bem e que conseguimos ver tocar.» «Temos muito trabalho que, no fim, é recompensado», acrescenta.

Gualter Silva, dos Açores, está no segundo ano do curso profissional Instrumentista de Sopro e de Percussão, na Jobra. Quer ser compositor.

Gualter é um dos noventa alunos deslocados que ficam em residências. «Só tinha vindo uma vez ao continente, e a escola superou as minhas expetativas.» A Jobra tem um departamento de apoio ao aluno que trata do alojamento, dos transportes, organiza debates, ajuda nas compras de supermercado, apoia nas candidaturas ao ensino superior ou na inclusão profissional.

Os alunos chegam de 67 concelhos do país e as amizades acontecem, consolidam­‑se. Salomé Costa, 17 anos, de Nelas (Viseu), e Gabriela Peres, 16 anos, de Oliveira do Hospital, partilham o quarto numa das residências da Jobra. Estão no curso profissional Instrumentista de Cordas e de Teclas.

«A relação que temos com os professores é bastante próxima e isso ajuda­‑os a ensinar­‑nos. Aqui não há grupos, toda a gente se dá com toda a gente, como se fôssemos uma família», diz Salomé.

Salomé quer tocar numa orquestra ou a solo o seu contrabaixo que é maior do que o seu tamanho. Gabriela quer fazer o mesmo com o violoncelo. «Não custa tentar. Estar em palco não é propriamente tranquilo, é um stress, mas depois chegam os aplausos e, no fundo, trabalhamos para isso.»

Salomé está satisfeita. «A relação que temos com os professores é bastante próxima e isso ajuda­‑os a ensinar­‑nos. Aqui não há grupos, toda a gente se dá com toda a gente, como se fôssemos uma família.»

Dilan Sousa quer ser produtor de música e viajar. Headphones nos ouvidos, olhos no computador, e começa mais uma aula do curso de Técnico de Produção e Tecnologias da Música, que abriu neste ano letivo. Dilan, 18 anos, da Gafanha da Encarnação, Ílhavo, quer fazer o que ainda não foi feito. «Produzir música é a possibilidade de criar uma coisa que não está lá, que não existe, e que nos define. É falar de outra maneira.» Dentro de três anos, quer estudar na Holanda ou nos Estados Unidos. E cumprir o seu sonho.

Música nas salas, música nos corredores, música sempre na cabeça dos alunos. A Jobra é a primeira escola do país a abrir um curso técnico de Instrumentista de jazz.

Há alunos da Jobra pelo mundo. André Nadais, 20 anos, natural da Branca, está em Manchester, Reino Unido, na Royal Northern College of Music, na licenciatura de Performance Musical no Instrumento de Percussão. Foi o primeiro aluno português a entrar no departamento de percussão com uma bolsa completa paga por uma associação de música inglesa e pela Yamaha.

André entrou na Jobra com 9 anos, fez o quinto grau de Percussão, o curso profissional de Instrumentista de Percussão, e partiu. A escola moldou­‑o como músico. «Não só pela qualidade dos professores do instrumento, como pelas condições da escola, e também por estar em constante contacto com música e músicos. É uma escola diferente, sim.»

«Foi uma escola onde conheci e trabalhei com grandes artistas, professores e colegas, que influenciaram o meu percurso e ainda hoje influenciam as minhas escolhas e a minha maneira de ver e viver a arte», diz o bailarino João Santiago.

João Santiago também saiu da Jobra para outro país. Aos 12 anos, entrou na escola da Branca, aprendeu dança, saiu em 2013, fez uma audição em Viena, Áustria, entrou na Artez Institute of the Arts, em Arnhem, na Holanda. Neste momento, com 22 anos, é bailarino, coreógrafo e professor com trabalhos entre Portugal e Alemanha.

A Jobra foi importante no seu trajeto. «Foi uma escola onde tive o prazer de conhecer e trabalhar com grandes artistas, professores e colegas, que me influenciaram no meu percurso e que ainda hoje influenciam as minhas escolhas e a minha maneira de ver e viver a arte», refere. Aprendeu disciplina, ética, a lidar com dificuldades. «Foi uma escola onde me mostraram a realidade do mundo das artes e, ao mesmo tempo, onde sempre me incentivaram a quebrar barreiras e a ir sempre mais longe.»

Gabriela Peres, de Oliveira do Hospital, e Salomé Costa, de Nelas (à esquerda), querem tocar numa orquestra ou a solo. Partilham quarto numa das residências da escola.

A Jobra tem cursos profissionais, ensino artístico especializado, ensino livre. Organiza espetáculos em salas importantes do país, gere cerca de três milhões de euros por ano de fundos comunitários e do Orçamento do Estado. Tem uma companhia de artes performativas, a Muda’Te. E a vila, com cerca de seis mil habitantes, sente a presença dos alunos. Rosa Saramago, do café­‑restaurante Piraquara, conta que os negócios melhoraram. «Dão uma grande ajuda ao comércio, há mais movimento.»

Carlos Coelho, presidente da Junta de Freguesia da Branca, confirma. «Esta escola dá vida à freguesia. A taxa de ocupação imobiliá­ria é total e o pequeno comércio ganha com isso», adianta o autarca que já assistiu a vários espetáculos da Jobra. «É qualquer coisa de extraordinário termos jovens com esta capacidade, com este talento.»

A Jobra, na vila da Branca, começou com 40 alunos na junta de freguesia. Estava dado o pontapé de saída de um projeto maior inspirado na série Fame, passada numa escola de artes norte­‑americana nada convencional, um êxito na televisão nos anos 1980

Filipe Marques é o homem que criou a Jobra e continua de corpo e alma no projeto como diretor­‑geral. Tudo começou com um sonho. Quando quis aprender guitarra na Branca, terra natal, percebeu que não tinha hipótese. Entrou na Faculdade de Economia do Porto, sentiu que era a oportunidade, e quando regressou à Branca nada seria como dantes. Em outubro de 1986, criou o Conservatório de Música da Jobra como escola particular de ensino livre – e que, em 1994, é reconhecido como escola do ensino oficial artístico.

Começou com quarenta alunos na junta de freguesia. Estava dado o pontapé de saída de um projeto maior inspirado na série Fame, passada numa escola de artes norte­‑americana nada convencional, um êxito na televisão nos anos 1980. «Fame era o sonho», confessa.

Filipe Marques criou o Conservatório de Música da Jobra, em 1986, como escola particular de ensino livre. Em 1994, este seria reconhecido como escola do ensino oficial artístico. Hoje continua de corpo e alma no seu projeto, como diretor-geral.

Cada um dos cem professores é escolhido a dedo. «Buscamos os melhores professores que tenham aptidões pedagógicas e que estejam ativos artisticamente – isto é muito importante –, e damos­‑lhes estabilidade, um contrato de trabalho», diz Filipe Marques. «Queremos que os nossos alunos sejam os melhores do mundo. É mais um sonho. E a vantagem da Jobra é existir aqui, na Branca. Mas o que faz esta escola não é só a localização, o que faz a diferença são as pessoas.»

O projeto não para de crescer, o espaço já não é suficiente. Daí contentores instalados nas traseiras, daí a compra de um terreno com o objetivo de construir mais um edifício.
Filipe Vieira, diretor pedagógico da escola profissional da Jobra, salienta a prática intensiva.

Rigor e competência, empenho e dedicação, transparência e criatividade, ambição e paixão são os valores da escola. «Somos ambiciosos, pensamos alto.» «E, sim, não é muito diferente de Fame», diz Filipe Vieira, diretor pedagógico da Jobra.

«Toda a estratégia escolar assenta nas artes de palco. Somos uma escola com espírito aberto, queremos ir ao encontro dos alunos numa vertente mais aberta do que fechados numa estética. O ambiente é relaxado, os alunos têm de experimentar as coisas», diz Filipe Vieira.

Há ainda os valores que importam para quem está na arte: rigor e competência, empenho e dedicação, transparência e criatividade, ambição e paixão. «Somos ambiciosos, pensamos alto.» «E, sim, não é muito diferente de Fame.»

António Zambujo e Miguel Araújo cantaram jazz em público pela primeira vez na Jobra

Em 2016 e 2017, respetivamente, Miguel Araújo e António Zambujo foram músicos convidados dos espetáculos de final de ano da Jobra, e, pela primeira vez, cantaram jazz publicamente, partilhando o palco com os alunos. Ficaram fãs do ambiente e do conceito. Miguel Araújo tem, inclusive, ex­‑alunos da Jobra na sua banda. «O ambiente da escola é fantástico, depois das aulas metem­‑se nas salas a estudar, fazem jam sessions nos corredores, é uma ideia admirável», diz Miguel Araújo. No concerto ficou rendido. «Fiquei de queixo caído com a qualidade dos músicos que é impressionante em qualquer parte do mundo.» «Temos uma fornada de músicos incríveis graças à Jobra», acrescenta. Zambujo também ­ficou «impressionado». «Miúdos com 14, 15 anos, com capacidades incríveis, com à-vontade em palco, com bom gosto impressionante.» «Na altura em que fiz o liceu, não havia uma escola deste género na minha terra. Se houvesse, teria sido um jovem muito mais feliz do que era.»