Escola: bons resultados devem ser premiados?

Texto de Sara Dias Oliveira

Na casa de Paulo Rodrigues, consultor de gestão, e de Vera Oliveira, diretora comercial, não há prémios pelas boas notas. As prendas dos três filhos chegam pelo comportamento diário, pelo desempenho geral, habitualmente em datas festivas, aniversários ou Natal. Mas, de dois em dois meses, no máximo, Beatriz (13 anos, no 7.º ano), Tiago (nove, 3.º ano) e João (quatro, pré-escolar) vão a uma livraria escolher um livro. É uma maneira de incentivar a leitura sem ligação direta às notas da escola.

“O prémio é o futuro e eles têm de trabalhar agora, todos os dias ao longo da vida, com uma visão de médio e longo prazo”, diz Paulo Rodrigues. “Tentamos estimulá-los no sentido de trabalharem na escola para, um dia, terem uma vida um bocadinho mais folgada. Acima de tudo, queremos que sejam felizes naquilo que fazem.”

Incutir responsabilidades e obrigações nas crianças é um trabalho complexo e constante mas, na sua opinião, premiar notas pode acarretar alguns perigos, como estudar apenas para ter uma prenda ou causar o efeito de bola de neve. Ou seja, hoje um rebuçado pode ser um prémio, amanhã terá de ser um chocolate, depois um telemóvel e por aí fora.

Paulo e Vera não dão azo a comparações entre notas de colegas da turma ou da escola. “Lá em casa não gostamos de comparações. Isso não importa, não queremos saber, não queremos ouvir. Cada um é cada um e tem as suas próprias capacidades.”

Quando os três filhos eram mais pequenos e andavam no 1.º ciclo, Susana Carapeto, mãe a tempo inteiro, e Vítor Rocha, técnico de equipamento dentário, premiavam a transição de ano com um brinquedo que os miúdos andavam a namorar. Podia ser um lego, uma boneca de coleção, um transformer. “É sempre um mimo, uma maneira de mostrar que lhes damos valor”, conta Susana Carapeto. Quando passaram para o 5.º ano, receberam um telemóvel. Mais do que um prémio, tratou-se de um presente para estarem contactáveis numa nova escola, num novo ciclo de ensino.

Leonor, a filha mais nova, 12 anos, no 7.º ano, aluna do quadro de mérito, foi a última a receber um telemóvel. Um aparelho em bom estado, que tinha sido da irmã mais velha e que foi embrulhado na caixa original. Leonor agradeceu e não escondeu que sabia que o telemóvel não era novo. “No fundo, este prémio demonstrava que ela já tinha atingido o patamar de merecer e de precisar de um telemóvel. É mais um prémio por crescer do que por mérito académico.”

Os filhos cresceram e perceberam que o orçamento não estica. Luísa tem 20 anos, é boa aluna e está a terminar o 3.º ano de Design. Tiago é o mais velho, tem 24 anos, e prestes a concluir o curso de Engenharia Informática, depois de ter desistido de Educação Física. Em 2017, na conclusão de mais um ano letivo, a família meteu-se no carro e foi ao parque de diversões da Warner em Madrid. Uma maneira de comemorar mais uma temporada de trabalho na escola. Por vezes, um jantar fora de casa também funciona como uma maneira de assinalar a dedicação ao estudo. “Agora já não há necessidade de premiar porque já são adultos e percebem que fazemos um esforço para que estudem fora e tenham algumas atividades extracurriculares”, refere Susana.

Elogio e orgulho
A motivação, o esforço e o empenho, que vêm de dentro, devem ser o foco, mais do que a nota, o resultado final. “Os melhores ‘prémios’ são os elogios, os incentivos verbais, o reconhecimento, a manifestação de orgulho”, refere Inês Afonso Marques, psicóloga clínica, coordenadora da equipa infantojuvenil da Oficina de Psicologia. “Uma boa nota por si só funciona como um ótimo prémio, que convida à replicação dos comportamentos que conduziram ao sucesso”, acrescenta.

Um prémio por boas notas deve ser um complemento como, por exemplo, a oportunidade de marcar uma atividade em família, comprar um livro, ter um tempo extra na tecnologia. Premiar o desempenho escolar com dinheiro exige muita atenção e a máxima ponderação. “Se o reforço é dinheiro, a criança poderá apreender que a razão para trabalhar e se esforçar é para ‘encher o seu mealheiro’ mais do que se preparar para a vida, desenvolvendo recursos e competências pessoais que a ajudarão a sentir-se integrada no mundo”, afirma a psicóloga clínica. Estratégias de encorajamento e motivação costumam funcionar.

A persistência alimenta a confiança e, regra geral, pressionar para uma pauta repleta de boas notas não é o mais aconselhável. “Quando uma criança obtém bons resultados fruto do seu empenho aprecia mais do que quando se sente pressionada pelos pais a ter determinada nota. Aliás, este foco e exigência, muitas vezes obsessivos por parte dos pais, exigindo mais e mais dos filhos, alimentam ansiedades nas crianças e jovens.” Há mais cooperação quando há estratégias encorajadoras e não ameaças. E o sucesso académico dificilmente tem um preço associado. “Pagar por notas sem que se ajude a criança a desenvolver valores e competências como a dedicação, o esforço, ou a responsabilidade e autonomia, fomenta a dependência em fatores motivacionais externos.”

Jorge Rio Cardoso, professor universitário e autor de vários livros sobre educação, entre eles “Este Ano Vais Ser o Melhor Aluno”, defende o bom senso. Acima de tudo, os filhos devem ter brio e orgulho nas boas notas. “Os pais devem passar a ideia aos filhos que o estudo é a sua atividade, quase como uma profissão, e não terá de haver necessariamente uma compensação.” Se os prémios se tornam uma rotina, o risco de só trabalhar para isso pode ganhar raízes. “Deve-se fugir do chamado modelo de compensação em que as boas notas têm de ser premiadas”, refere.

Premiar não é, na verdade, proibido, mas deve ser analisado com peso e medida. “Se pontualmente houver compensação não virá nenhum mal ao mundo.” Por sistema é que não. “O premiar imaterialmente faz sentido em todas as idades. Um elogio, uma celebração faz sempre sentido”, sublinha Jorge Rio Cardoso. E fazer as perguntas certas é muito importante. “Os pais preocupam-se muito a responder à pergunta: como motivo o meu filho para o estudo? Será que se o premiar ele ficará mais motivado? E a questão, a meu ver, deveria ser outra: como motivo o meu filho para a vida?”, conclui.