Texto: José Miguel Gaspar | Fotos: Rui Oliveira/Global Imagens
Começa-se numa rotunda de Chaves, num rotundo zero, o meco está junto ao jardim da cidade, é o marco quilométrico original, diz só N2 e tem um zero. Tem mais uma centena de autocolantes de motards colados, cores berradas sobre branco, não se vai ver até final, 738 quilómetros depois, Chaves-Faro pela Estrada Nacional 2, um marco tão estrepitoso, tão famoso, tão contrastante com o seu gémeo final.
Quem faz a viagem da nostalgia, atravessar o país continental na estrada que liga norte e sul, a nacional que é uma coluna vertebral encastrada no meio de Portugal, uma rota turística crescente, um segredo que era só de motards, quem a percorre tem que subir e começar ali.
Qualquer dia que seja, sempre manhã cedo, há ali motards a parar. Parou agora um par, faz amanhã oito dias, eram nove da manhã, é a moto preta de Joaquim Sandeu, leva a mulher Ana Paula atrás, vêm de Vilar de Mouros, vão demorar quatro dias a descer, vão na Suzuky Intruder 800 cc, eles irão devagar.
“A piada disto é como os slows, dançar docemente, reparar, ver, parar, apreciar”, diz o Sandeu, “é um apelido, sou Oliveira mas todos me chamam Sandeu”.
E logo a seguir chega outro tipo de motard sem motor, o ciclista, e este é especial. “Sou Osvaldo Carvalho, sou Polícia Municipal, vim agora de Cabeceiras de Basto, saí às seis da manhã, 100 quilómetros a pedalar”. Faz agora um ano que ele desceu a EN2, foi ali marcar a data, “vou já sair de seguida, mais 100 quilómetros, estou em Cabeceiras à hora de almoçar”.
Por que é que Osvaldo é especial? “Fiz a estrada em 26 horas seguidas, 738 quilómetros a pedalar, fui com mais três roladores de Basto, parámos de cinco em cinco horas, e para almoçar e jantar”. E ele diz mais de si: “Devo ser o português com mais quilómetros nas pernas, faço mil por semana, quatro mil por mês, tenho tudo registado no Strava, é uma aplicação, vá lá ver, é verdade, é um vício que ganhei, pela minha saúde é verdade.” E Osvaldo vai, monta a sua Mérida Reacto, uma bicicleta de quatro mil euros que só pesa cinco quilos, e sai dobrado a esvoaçar.
Dali até Santa Marta de Penaguião, passando Vidago, Pedras Salgadas, Vila Real, a Cumeeira, é a paisagem do Douro que vai encantar, a sinuosa EN2 acima dos socalcos, a vinha encarapinhada em tererés, filas paralelas, a paisagem a serpear. Há gente encantadora em Santa Marta, a vila está em festa, a missa em frente à Câmara dá na TVI, há mantas boas rendadas nas sacadas, o autarca Luís Machado está inchado, vai haver cabrito assado, veio o bispo, há douros brancos e tintos e vinho do Porto para brindar.
O feliz edil é o homem da estrada, foi eleito presidente da Associação de Municípios da Rota da EN2, já lá estão 29 municípios, hão de ser os 35 que a EN2 atravessa até ao sul, ele quer fazer daquele traçado uma vantagem turística e comercial real, com sinalética, produtos estruturados, capacitação de parceiros, vantagens para todos, produtores, turistas, consumidores, uma alternativa autêntica ao sol e praia que valorize, mas mesmo, o interior.
Saímos dali enfartados, convencidos, é contagiante este autarca, e um cicerone leva-nos a subir a Santa Bárbara, é o edil da Junta da Cumeeira, Fernando Gonçalves, venham ver a paisagem, chama ele, é uma joia, e aponta a larga vista panorâmica, Lamego lá ao fundo, Mafómedes, Paredes de Arca, Paradela do Monte, os rios Aguilhão, o Sordo e o Corgo, do outro lado é o Marão e o Alvão, no fundo do vale da vinha, que até parece a pele de um Shar Pei, é a aldeia de Veiga, as casinhas concentradas, cerzidas, todas brancas de vermelho telhado. E saímos dali a serpentear.
O caso do Fiat Uno vermelho batido de FPB
Subimos e vemos uma miragem lynchiana, um carro que fere as vistas, vermelho em vários tons de vermelho, fúcsias, onagráceas, fantasmas invisíveis no Disco de Newton e aquele tom de cor que apareceu pela primeira vez ao mundo em 1859, porque foi a palavra que disse um italiano quando o dia amanheceu e ele viu a cor escorrida do sangue dos soldados caídos na Batalha de Fúcsia, uma visão de vermelho batido por excesso de azul que caiu continuamente do céu.
Mas o carro, o Uno de FPB, dá nas vistas por outra razão bastante maior: a letras pretas altas escritas com fúria, ou então escritas clandestinas a fugir, alguém pintou a ocupar a porta da entrada inteira a palavra AMOR. Na porta do outro lado escreveu a mesma palavra nas mesmas capitulares com pestanas, mas agora em inglês LOVE.
Aparentemente há duas hipóteses: é um caso de uma mulher doida e absolutamente desesperada por metáforas sobre sentimentos em andamento, esta é a hipótese da tia do dono do carro; ou então foi um homem e isso é uma brincadeira de burros, diz a mãe do dono do carro que é irmã mais velha da primeira.
As duas olham distanciadamente para o capô do carro onde esteve também pintado um coração, mas isso já foi de mais, era um coração grande e negro que agora está raspado, e uma delas depois baixa os olhos. Isto está a suceder ao quilómetro 83 da EN2, no lugar do Tabulado, freguesia de S. João Batista, concelho de Santa Marta de Penaguião.
Forcas para a esquerda, Matança para a direita
Sinuosos, descemos pela Régua, depois Lamego, é domingo, a cidade transborda de emigrantes e mulheres de unhas pintadas ácidas e agres sotaques que passeiam na Av. Visconde Guedes, a praça que desemboca na escadaria da Sra. dos Remédios. A praça é pontilhada pelas Estátuas das 4 Estações; a do inverno está com frio, esculpida de braços apertados no coração; a da primavera é meia lasciva, exibe o fundo das costas e o mármore o peito nu.
A EN2 corre pelo meio da cidade, paralelepipédica, com os seus carros dormentes de domingo. Saímos, subimos, agora em asfalto entre sinalética de atravessamento de animais e terras de nomes exorbitados: uma Sande, outra Sucre, há a Matancinha e um cruzamento que aponta Forcas para um lado e Matança para outro. Ali é freguesia da Magueija, concelho de Lamego, quilómetro 112 da EN2. Porque parámos, pára logo alguém a seguir para perguntar o que desejamos – é assim o Douro, dado e delicado com o estrangeirado -, pois perante aqueles nomes tão gravosos desejamos explicações.
“Os nomes dizem exatamente o que são”, diz Abel Ribeiro bem-disposto, “sou o Abel das carreiras, 43 anos a comer alcatrão”, acrescenta ele, folgazão, “moro na Rua da Esperança, é a rua depois da Rua da Matança”, diz Abel sem qualquer perturbação.
“O lugar chama-se Forcas porque antigamente era ali enforcada gente. Já não é do meu tempo, tenho 70 anos, mas é do tempo da minha mãe, era menina, fazia agora 104 se fosse viva, já não é. Era ali em baixo numa leira, enforcados nunca vi, só vi os postes de os pendurar, era eu pequeno, já lá não estão, uns ricalhaços compraram isto, limparam tudo.”
E a Matança? “Isso é do tempo do Reino da Traulitânia e da barafunda que se seguiu ao assassinato do Sidónio Pais, foi em 1918, e os de lá do Porto, a Monarquia do Norte, queriam restaurar o rei. Enfrentaram-se de Lisboa até cá acima e houve por aqui uma matança, com a derrota dos do Norte e a vitória da República, e o nome de Matança ficou”, diz Abel que diz depois, assim do nada, que tocou muitos anos tuba na Filarmónica da Magueija, “sim, a tuba, aquele instrumento de vestir, gosto muito”, e põe-se a soprar umas notas como um desenho animado estafado.
Subitamente muda de pauta, para dizer que andou “na Guerra do Ultramar, Moçambique, 27 meses no mato da porrada” e depois pára, põe um ar saudoso e fala no seu Capitão Marinho Falcão, “faleceu este maio, um homem bom, vamos venerá-lo no encontro anual, é sempre em Fátima, é a 5 de agosto, somos o Batalhão 29-23, Companhia 27-52, Cavalaria, não, não tem nada a ver com cavalos, andávamos a pé. Vamos lá então ali acima a casa beber um dourinho fresquinho?”, e Abel alisa a gravata, abre e fecha o casaco e põe um sorriso da grande alvura.
Nada sucede em Santa Comba, a rua de Salazar é a desolação
Seguimos, zarpam carros de matrículas suíças, cintilantes, as bermas da EN2 estão mal roçadas, o capim trigueiro a cabecear, caganitado por cabras serranas, há eólicas gigantes a espreitar do lado de lá do rio Balsemão, para um lado é Meijinhos e Melcões, passamos o Colo do Pito, desacelerámos, fazemos zoom, o “do” foi pintado com corretor branco para ficar “de”, vá lá saber-se porquê, continuamos, a EN2 corre ao lado da A24 em asfalto irregular, remendado, saltitamos pela serra de Montemuro adentro, Rota do Românico, já estamos em Castro Daire, planalto beirão, terra do Bolo Podre, nome muito excedido para aquilo que é só uma (ótima) massa de folar.
Nada mais a assinalar até Viseu, a cidade que reclama “a terceira centralidade” fervilha de animação, é domingo, ainda ali andam os 203 grupos de etnografia e folclore do Europeade, todos juntos e endireitados, janotas, aprumados, fizeram um cortejo de dois quilómetros de extensão.
A próxima paragem é Santa Comba Dão. A paisagem já mudou, aplainou, o vinho já não é Douro, é Dão. Há de ser das cidades portuguesas com menos população, Santa Comba Dão, 3300 habitantes, e ao lado, Vimieiro, não é melhor, a freguesia tem 803 residentes, desde os anos 50 que envelhece e perde população, 26% são idosos, muito acima do percentual nacional (19%).
Há ali uma avenida com um nome único em Portugal, Av. Dr. António Oliveira Salazar, ninguém quis ter outra igual, tem 300 metros de extensão e é uma desolação. É ali que se ergue a casa onde Salazar nasceu. Dá-se logo por ela, antes há casas em ruínas, depois dela também, mas esta está intacta, foi há anos recuperada pela Câmara mas a porta ficou sempre cerrada. É branca e baixa, rebordos verdes, tem uma placa com inscrição: “Aqui nasceu em 28.4.1889 Dr. Oliveira Salazar, um senhor que governou e nada roubou.”
A estátua estourada e a cabeça feita num penico
É uma rua macilenta e espectral, chamar-lhe avenida é uma exageração, não passa ninguém, passa o sr. António, de São Miguel, Santa Comba Dão. Ele resume o seu sentimento, antinómico, mas é o juízo da população: “O que é que Salazar levou do país? Nada, não é como os políticos de agora, ele nada roubou. Era um merdas, era isto, era aquilo, mas vem cá muita gente para ver dele. Querem ver? Então paguem e deixem cá ficar algum!”, diz António, “esta casa podia estar a render para nós”.
E a seguir o homem lembra a estátua de Salazar em Santa Comba que em 1978, na canícula de abril, foi abatida à bomba. Mas antes disso aconteceu outra coisa: a estátua perdeu a cabeça, literalmente.
“Foi o Serra, de S. João de Areias, foi o que ouvi dizer”, diz o sr. António, “ele serrou-lhe a cabeça e fez dela um penico! A estátua ficou aí uns tempos, sem cabeça, claro está, e enquanto se discutia se a Câmara a devia restaurar, uma noite Santa Comba ouviu um estrondo e quando acordou a estátua estava desfeita, nunca se soube quem a estourou.
Escalámos o cemitério provincial, está lá a campa com placas de exaltação: “Havemos de chorar os mortos se os vivos não o merecem.” E outra: “Salazar (…) foi o melhor estadista e o mais honesto dos governantes de Portugal.” E outra ainda: “Medíocre é o povo que com ele nada aprendeu.”
Por baixo, três arranjos de flores: umas rosas desmaiadas de plástico; um ramalhete de aspeto caro da Associação Histórica do Estado Novo, tem poucos dias, está assinado 27 de julho de 2018; e um vaso de orquídeas brancas levado por alguém de Pombal. Saímos, descemos à avenida dele, também está fechada a Escola Salazar, e a avenida desvanece, entra num pedaço de pó e recomeça a EN2 sem avisar.
Um hotel fantasma, muitos carros fantasma e Michel Vaillant
Até Penacova, a EN2 transforma-se em IP3, corre ao lado do Mondego e depois atravessa-o. No lugar de Vila Nova, depois de Entre-Penedos e da Livraria do Mondego, uma escarpa de quartzitos silúricos fraturados, parecidos com lombadas de livros, e, antes do Restaurante Lampião, avista-se outra casa de fantasmas, é a maior edificação dali.
É o Hotel de Penacova, abandonado e vandalizado desde 2010, uma assombração onde se pode entrar e ver estilhaços de vidro, colchões apodrecidos, destruição. É um bico-de-obra sem solução, há oito anos a putrificar, vê-se de cima do Penedo de Castro, que mostra uma paisagem de cortar o ar. Foi Vitorino Nemésio que melhor o disse em 360 graus: “É preciso chegar às abertas e miradouros para achar a razão de ser de Penacova, que é o seu admirável panorama de água, pinho e penedia.”
Saltamos, entre Poiares e Góis, a EN2 segue sinuosa com cores peculiares, o preto-dourado das árvores-esquisso queimadas nos fogos de 17 de junho de 2017, agora cingidas pelo verde-água que rebenta no eucaliptal. Estrada das Beiras abaixo, voltam as montanhas e os abismos até Pedrógão, Castanheira, Figueiró, e os lugares de nomes indecorosos, Picha, Café da Picha, Venda da Gaita, cruzámos outra vez Pedrógão, a terra da teia incendiária e a terra-cicatriz.
Seguimos e a 14 quilómetros de Vila de Rei está na berma da estrada uma raridade, quilómetro 352 da EN2, uma sucata de carros antigos a céu largo.
É um cemitério de extravagâncias e roído metal: um Vauxhall anos 30 preto-gangster, um Opel Rekord 1700 e outro de 1940, um Sinca DAF 55, um Fiat 124 e outro Milecento, um Ford Taunus 1.3 azul-elétrico e espadal, um Citröen boca-de-sapo CX 2000, um Volvo 144S dunar, e, entre outras miudezas como um Autobianchi A112LX, um Renault 16 vermelho exasperado, o carro que Michel Vaillant conduzia no 19.º livro “Rally em Portugal”, editado por Jean Graton em 1969, em que o piloto galã correu oito etapas e fez 2 483 quilómetros em Portugal (!) e parou para meter gasolina em Góis.
Do centro geodésico de Portugal ao Ciborro é um tirinho
Chegamos ao meio, a partir daqui é acelerar, a estrada estica, endireita, é o quilómetro 369, algum sequioso de souvenirs roubou a placa da berma do alcatrão, Vila de Rei marca o centro de Portugal, está lá o Cume da Melriça e a pirâmide branca geodésica, é o centro exato, mediu a ciência que ensina a medir a Terra, de Portugal. A pirâmide foi marcada em 1802, erguida 50 anos depois, do seu miradouro vemos montes e vales, um céu à Simpsons.
Rodamos e rolamos, põe-se a noite mansamente, Abrantes, está uma lua queijo Mimolette, reflete sob a ponte sobre o Tejo, Ponte de Sor, a paisagem muda muito outra vez, Mora, planícies, as primeiras retas, não se ouve nada, só o vento, as estrelas a acender e a apagar.
Terceiro dia de três do trajeto, a vista alentejana refulgente, os planaltos dourados a vir de frente, a vénia de pinheiros e sobreiros derramados em sombras de asterisco. Num tirinho é o Ciborro, Montemor, quilómetro 500, é ali o café “oficial” da EN2, o café de Ermelinda Miguel, mãe de Jorge Miguel, foi ele que começou há dois anos a divulgar o marco quilométrico 500.
“Aqui ninguém ligava à estrada 2, foi ele, o meu filho”, diz a mãe Miguel, “meteu fotos no Face, divulgou, agora muitos param aqui, motos, vespas, carros, até bicicletas de pedal, só falta começarem a vir pela estrada a pé, digo eu, e um rapaz já me disse, é um caminheiro, que isto se fazia em três semanas, tranquilo, de Chaves a Faro a pé”, e a mulher ri-se, ri-se também a Tânia Pinto, a empregada bonita com pinta de motard, “mas não sou motard, não”.
E as duas recordam um gordo que uma vez passou ali e que, quando ia a montar, caiu, a moto caiu em cima dele e tiveram que o ajudar para se levantar, “se não ainda aqui estava, que risota”, diz a Tânia.
A jiboia, o crocodilo e a lápide na berma de Abílio
Ali perto, ainda Montemor, na Ermida da Sra. da Visitação, há coisa digna de ver e visitar, é a sala dos milagres onde há muitos, muitos anos se depõem fotos e se pede prodígio de saúde ou proteção. Manuel Crespo, o cuidador casado com Rocío Perez, “sou mexicana, apaixonei-me cá, vou aqui ficar”, mostra os primeiros ex-votos ali fixados, são lindos e naif, o mais antigo é de 1780, tem um acamado a pedir solução.
Mas há ali duas coisas muito excêntricas. Uma é um crocodilo castanho embalsamado no meio de milhares de fotografias. “Não sei de onde veio”, diz Rocío, “aqui não há crocodilos, não?”, e Manuel conta a história de um homem que esventrou sozinho, de canivete, o bestial animal.
A outra extravagância é um susto: uma jiboia preta empalhada. Manuel conta a lenda: “Foi um pastor, sentou-se numa pedra, a pedra começou-se a mexer, desenrolou-se, era uma cobra imensa, cresceu para ele, o pastor matou-a esgrimindo uma cana, ou um cajado, e depois trouxe-a para cá, não sei de onde, aqui nunca se viu cobra assim, isto não é do nosso tempo.”
Descemos, curvamos, continuamos, não há vivalma, mas na berma do quilómetro 538 da EN2, entre Alcáçovas e Santiago do Escoural, há uma visão funesta irreal: uma sepultura de mármore com cruz. A lápide tem foto e diz: “Abílio Serra, 31.3.1976 – 4.11.2012, homenagem dos amigos”.
Indagamos no café perto, café da Casa do Povo. Abílio, o infausto, que era do Sporting e do Grupo Estrela Escourense, deu-lhe um aneurisma ali e ali morreu a conduzir. Não está ali sepultado, na berma da estrada, como parece, está só imortalizado na menagem dos amigos.
Seguimos, a planície vai a dourar, o Alentejo a transluzir, a estrada ladeada de eucaliptos colossais e às vezes manadas longínquas de bois a ruminar, e antes de passarmos o Ameixial vemos o marco do quilómetro 666, o número apocalíptico da besta. Paramos, vistoriamos, os motards mais tesos colaram-lhe as insígnias, Lobos Lusitanos, Motards de Oeiras CCD 477, continuamos.
A paisagem vai mudar, km 699, levanta o lombo, o traçado é a ondear, voltam as curvas, os ganchos, as ganchetas, a densidade florestal, já entramos no Algarve, volteados, vê-se Faro.
Vamos ao centro, o centro é a marginal, está apinhada de gente e linguajar, não se acha o meco quilometral final, perguntamos, percorremos, taxistas, autoctenes, turistas, ali ninguém sabe nada da EN2, sabe o Google.
O marco final foi trasladado, está agora no meio de uma avenida com separador central, Av. Calouste Gulbenkian, é para o interior da cidade, uma zona residencial sensabor, ali está ele, quilómetro 738, branco no passeio branco entre semáforos, desolado, sem nada a assinalá-lo, sem púlpito, sem pódio, pequenino, triste, um bocadinho só.