A dor é inevitável, sofrer é uma opção. Monja Coen escreve sobre depressão

Paulo Spranger/Global Imagens

Texto de Sara Dias Oliveira

“Vivemos como se fôssemos uma vela ao vento. A chama, ora pequena, ora grande, queima de um lado ou de outro, dependendo de onde o vento sopra. Ora felizes, ora tristonhos. Sem saber exatamente a origem e a direção do vento, acabamos por nos mover para cá e para lá em vários estados alterados de consciência.” As frases fazem parte do livro “O Sofrimento é Opcional” da Monja Coen, uma das maiores referências budistas da América Latina. Na obra, a budista aborda a depressão, os seus sinais e revela formas de lidar com a doença. E deixa alguns conselhos. “Sorria. Chore. Seja feliz e infeliz. Viva a vida.”

Nasceu Cláudia Dias Baptista de Souza, em 1947, em São Paulo, no Brasil. Foi mãe aos 17 anos, foi jornalista, teve uma juventude de excessos. Na década de 1980, nos Estados Unidos, começou a praticar budismo zen e fez votos monásticos em 1983, ano em que entrou para o Mosteiro Feminino de Nagoya, no Japão. Mora no templo Tenzui Zenji, em São Paulo. Está em Portugal até esta terça-feira.

As reflexões e ensinamentos budistas ajudam a superar problemas. O primeiro passo é reconhecer o sofrimento, a depressão, entender essa insatisfação permanente, e o grau da doença. Alguém em quem se confia pode contribuir para o diagnóstico. A depressão incomoda, perturba, dói. Mas, em seu entender, sofrer é opcional. Há que saber dar a volta porque, como escreve, todos nós, em algum momento da vida, passamos por uma depressão. Leve ou mais intensa.

“O budismo zen ensina-nos a atravessar o oceano do nascimento, da doença, da velhice e da morte no tranquilo barco da sabedoria perfeita”, escreve Monja Coen

As causas podem ser fisiológicas, psicológicas, espirituais. Há aspetos que contribuem para esse mal-estar. Estar longe de quem se gosta e perto de quem não se gosta. Não estar a fazer o que se gostaria de fazer. Não saber o que se quer fazer. Tudo ou nada querer. Nascer, envelhecer, adoecer e morrer.

“Não devemos limitar-nos a dizer: ‘Somos assim’, mas podemos desvendar o mistério do nosso corpo e da nossa mente e utilizar o nosso potencial verdadeiro. Viver com alegria e contentamento, atravessando os inúmeros portais da existência. Ao reconhecer o que nos é prejudicial ou benéfico, deixamos de nos alimentar das misérias e dos sofrimentos”, sublinha no seu livro.

É importante identificar e descodificar os sentimentos. Perceber o corpo, os seus músculos, a sua respiração. Há várias possibilidades de travessia e a meditação é um dos caminhos. Nirvana, paz e tranquilidade. Lembrar o que é realmente verdadeiro, largar frases feitas, afastar pensamentos negativos. “O estado depressivo pode ser resultante de um eu que teme desaparecer. Um eu conhecido, criado pela própria pessoa e que a faz pensar ser diferente das demais – essas pessoas aparentemente felizes, realizadas, satisfeitas. Um eu pequeno, invasor e dominador que quer manter-se no controlo dessa mente, fazendo-a sentir-se mais triste, mais infeliz, menos motivada do que qualquer um, e que encontra conforto nas tristezas e nos sofrimentos do mundo”, avisa.

“Se quisermos transcender a depressão, atravessar esse mar morto de emoções, temos de rever o nosso olhar”

Monja Coen refere que a mudança de um comportamento permite desfazer a depressão. Por isso, é preciso aprender novas maneiras de ser e de pensar. Fazer mudanças na vida para que a mente também se transforme. “A nossa identidade não é fixa nem permanente. Estamos sempre a recriar-nos a nós mesmos. Refazemo-nos. Deitamos fora roupas, livros, pensamentos, memórias, projetos, poemas, músicas, relacionamentos. E novamente encontramos outras roupas, livros, pensamentos, memórias, projetos, poemas, músicas, relacionamentos. Podemos simplesmente repetir ou ir além, crescer, sem medo de abandonar o que deve ser abandonado.”

“Faça tudo da melhor forma que puder e, quando errar, arrependa-se e procure corrigir o erro. Não se lamente nem cause lamento aos outros. Cause alegria com a sua presença e o seu tom de voz. Seja você – inteiro e completo”

Mais do que lutar contra a depressão, é preciso reconhecê-la e saber tratá-la. Não lutar contra ela e saber que o processo de libertação só ocorrerá se houver predisposição. O esforço é fundamental. A budista brasileira lembra que criamos hábitos de pensar, de perceber, de viver. “Se não são corretos, se nos estão a causar tormento, dor, tristeza, desesperança, sofrimento – para nós e para outros seres -, é necessário procurar ajuda para mudar. A vida correta é ter humildade e saber que precisamos uns dos outros, que nos fortalecemos criando redes de relacionamentos que nos inspiram a viver bem, com saúde física, mental e social.”