Dez livros para o verão

Diários, biografias, retratos da História recente e ficção de tempos remotos. Eis as propostas de leituras para dias de férias das equipas do “Jornal de Notícias” e “Notícias Magazine”.

Playing Changes

Nate Chinen
Pantheon Books

A capacidade de adaptação do jazz a sucessivos contextos políticos, sociais e culturais é não menos que notável. O século XXI tem assistido ao ressurgimento de músicos do género, no mainstream ou lá perto; a conferências bem-sucedidas com outros idiomas musicais; à expansão do circuito dos festivais de jazz; e ao florescer mundo afora de editoras independentes com abundante atividade e reconhecimento. “Playing Changes: Jazz for the New Century” anuncia ser análise e testemunho destas mudanças e resiliência, escrito por um dos autores que melhor reflete o estado da arte no presente: Nate Chinen foi jornalista e crítico de The Village Voice, JazzTimes e The New York Times, até chegar às funções de diretor de conteúdo editorial da WBGO, estação de rádio ligada à NPR, a emissora pública americana. O livro é lançado a 14 de agosto. (Jorge Manuel Lopes)

Diários

Virginia Wolf
Relógio d’Água

Não vai ser um passeio no parque. É um daqueles livros que se enfrenta. Eufórica e deprimida, humilde e snob – quantas mulheres foram Virginia Woolf? Em “Diários”, que Jorge Vaz de Carvalho traduziu e prefaciou, vive-se com Virginia desde o primeiro dia de 1915 (ela prestes a celebrar 33 anos) até somente quatro dias antes do suicídio, a 28 de março de 1941. Tudo fazia prever. Nada fazia prever. São cinco volumes de escrita diarística, um festim de detalhes da vida privada, das figuras que a rodearam, do contexto histórico e social que atravessou, dos tempos do intelectual Bloomsbury Group e da Hogarth Press. Um livro para ler a dois separadores: um nos diários e outro nas notas que acompanham toda a obra, preciosas para saber tanto mais sobre a autora de “Mrs. Dalloway”. Se é para enfrentar o mundo Woolf, então este é o livro perfeito. (Cláudia Luís)

Cozinha Confidencial

Anthony Bourdain
Livros D’Hoje

Admirava o chef Anthony Bourdain pela autenticidade com que procurava e partilhava o lado genuíno das comunidades. O lado que é feito de gente, de sabores e dissabores reais, da coisa feia que é bela porque genuína. Admirava-o naquele registo distante da minha idade adulta. Quase não vejo televisão e não terei assistido sequer a um décimo de todos os programas que gravou pelo mundo fora. A notícia da morte de Bourdain, encontrado pelo melhor amigo no quarto de um hotel em França, em junho, chocou-me e entristeceu-me, também por nunca ter encurtado a distância para o conhecer melhor. Tal como muitos pelo mundo fora – o livro “Cozinha Confidencial” voltou ao top de livros mais vendidos no “New York Times”, na categoria de não-ficção -, comprei para ler nas férias este relato de uma honestidade brutal, escrito há 18 anos. (Maria Cláudia Monteiro)

Número Zero

Umberto Eco
Gradiva

O caldeirão de informação de onde saem as notícias que fazem as manchetes ou as pequenas notícias de todos os dias está cheio de mistérios e motivações insondáveis. Num tempo de “fake news”, o “Número zero” de Umberto Eco ajuda a entender o percurso tortuoso e os truques de manipulação de factos, a partir da Itália do início dos anos 90 do século passado e da história de um professor universitário que contrata um grupo de jornalistas menos conhecidos e conceituados para fazer edições teste (números zero) de um jornal que nunca irá chegar às bancas. A ideia é inventar histórias plausíveis para explicar factos reais, torcendo-os de acordo com os interesses do financiador do projeto, que pretende usar as edições simuladas para pressionar dirigentes políticos. Tudo corre bem até que uma dessas histórias se transforma numa ameaça para todos. (António Soares)

Danúbio

Claudio Magris
Quetzal Editora

Nestes tempos de encruzilhada, de onde sopram ventos que fazem reavivar as piores memórias e alertam para os riscos de o projeto de uma Europa solidária terminar antes de ter começado, o romance do italiano Claudio Magris´ é uma viagem a esse espaço cultural e político. “Danúbio” é um livro de viagens ao sabor desse rio que nasce na floresta negra alemã e atravessa essa velha Europa que volta a estar no centro da política do velho continente, nem sempre pelas melhores razões. Magris leva-nos através do grande rio europeu, servindo-se dele como “uma linha de orientação para atravessar o conjunto de culturas e etnias que se entrecruzam, sobrepõem mas raras vezes se misturam ou diluem umas nas outras insistindo, pelo contrário, no esforço de preservar uma identidade cultural face à força do federalismo e da standardização cultural e económica”. (Paula Ferreira)

General Loureiro dos Santos

Luísa Meireles
Temas e Debates

Gosto de biografias, e a que recomendo é a de um dos mais notáveis portugueses vivos, um homem à frente do seu tempo, testemunha e ator dos mais marcantes episódios político-militares da nossa história recente – da guerra colonial em África ao 25 de Abril, ao 25 de Novembro e à normalização democrática. Loureiro dos Santos nasceu pobre, numa aldeia do Douro, era para ser caixeiro e acabou general, uma vida construída a pulso, feita a cumprir missões, mas quase sempre no posto de comando, em cada patamar da carreira em que camaradas são aqueles por quem somos capazes de arriscar a vida e onde se aprendem as virtudes da temperança, da lealdade e da coragem. “General Loureiro dos Santos – O que tem de ser tem muita força” é assinado por Luísa Meireles, uma das melhores jornalistas da minha geração, e o prefácio é de António Ramalho Eanes, “irmão de escolha” do biografado. (Afonso Camões)

Fogo e Fúria

Michael Wolf
Actual Editora

“O acordo tácito de todos [os elementos da campanha] era que não só Donald Trump não seria presidente, como provavelmente não deveria sê-lo. De forma muito conveniente, a primeira convicção significava que ninguém tinha de lidar com a segunda. […] Trump e o seu pequeno grupo de guerreiros de campanha estavam preparados para perder com fogo e fúria. O que não estavam era preparados para ganhar.” Michael Wolff passou dezenas de dias num sofá da Casa Branca, autorizado não sabe como e logo esquecido, ouvido e olhar atento. O que descreve, 100 dias depois, em “Fogo e Fúria – Por Dentro da Casa Branca de Donald Trump”, é um homem impreparado, esquecido e desconhecedor de quase tudo e que, após ano e meio, se mantém fiel à descrição. A obra é uma imersão nos meandros de uma conquista inesperada e dos sobressaltos de uma presidência que se refletem em todo o mundo. (Ivete Carneiro)

Uma Coluna de Fogo

Ken Follet
Editorial Presença

Se é dos que gosta de viajar mesmo sem sair do sítio, Ken Follet é o piloto ideal para o levar numa viagem pelo tempo. Em “Uma Coluna de Fogo”, terceiro título da série “Os Pilares da Terra”, o autor britânico transporta-nos ao século XVI e a uma Inglaterra de costas voltadas para a Europa, onde reina o extremismo religioso e se desvendam os jogos de espionagem após a ascensão ao trono de Isabel Tudor. É mais um apaixonante casamento entre realidade e ficção, como Follet já habituou os seguidores. Depois de “Os Pilares da Terra”, obra-prima e maior sucesso do escritor (até chegou à televisão, numa série homónima com Eddie Redmayne), e da sequela “Mundo Sem Fim”, Follet convida a regressar a Kingsbridge, 400 anos após o início da aventura. E não há como recusar a viagem, que só poderá ter como destino uma agradável e surpreendente leitura de verão. (Tiago Rodrigues)

A Mão de Deus

Diego Armando Maradona
Editora Vogais

À entrada para a fase decisiva do Mundial, com prolongamentos e penáltis a aumentarem a carga dramática dos “mata-mata”, oportunidade para revisitar a aventura do astro Diego Armando Maradona e a epopeia que conduziu a seleção da Argentina à conquista do título mundial de 1986 no México. Uma façanha com contornos de lenda que a formação albiceleste nunca mais repetiu apesar do génio de Messi. Na primeira pessoa, o irascível Maradona, que chorou há dias a eliminação da Argentina aos pés da França, abre o livro e recorda o período em que esteve impedido de vestir a camisola da seleção, a lesão gravíssima após uma falta selvagem de Goikoetxea, e os problemas de saúde inerentes ao consumo de cocaína. “El Pibe”, o homem que apontou com a “Mão de Deus” um dos golos mais icónicos de sempre, diante da Inglaterra, mostra a sua verdade. (Arnaldo Martins)

The Terrible

Yyrsa Daley-Ward
Penguin Books

Em Inglaterra, Yrsa Daley-Ward, manequim descendente de mãe jamaicana e pai nigeriano, é um fenómeno. Em Nova Iorque, em junho, houve fila à porta da livraria para assistir à sessão de leitura em que iria declamar poemas de “Bone”, pequeno livro de 2014, edição de autor que vendeu 20 mil exemplares. Tão raro numa rapariga negra que ninguém conhecia, mais raro por ser poesia. Tão raro que a insuspeita Penguin fez, em 2017, nova edição. Em Portugal, a autora de 29 anos que se revelou no Instagram não está traduzida, mas a Penguin acaba de lhe publicar “The Terrible”, uma viagem comovente e poética pelas memórias que guarda desde a infância. Há sexo, unicórnios, droga, depressão e rock’n’roll. Há o peso da religião e da disfuncionalidade familiar. E há o momento em que é salva pela poesia. “Nunca podemos fugir daquilo que somos.” (Helena Teixeira da Silva)