Texto de Catarina Vasques Rito
A vida de Vivienne Westwood dava um filme… e deu. No início deste ano, no Festival de Cinema de Sundance, foi apresentado o documentário Westwood: Punk, Icon, Activist, realizado por Lorna Tucker e protagonizado pela própria.
O filme presta homenagem a uma das mais fascinantes designers de moda contemporâneas, a mulher que trouxe para a cultura popular o estilo punk rock, numa abordagem estética pouco consensual e muitas vezes provocatória. A homenageada e o seu filho Ben não gostaram do resultado final do documentário, que, disseram em comunicado, se focou mais no Punk e no Icon do que no Activist, ao contrário do que eles desejariam.
Mas, na verdade, para chegar a ativista, como defende a realizadora à Vanity Fair, Vivienne Westwood fez a diferença ao levar o punk a vencer na moda, rompendo todas as barreiras, de tal forma que se tornou um ícone. Foi a vida e a personalidade complexa da antidiva que Tucker procurou retratar no seu documentário.
Vivienne Isabel Swire nasceu em Derby Shire, Inglaterra, uma cidade industrial, onde a maioria tinha pouco ou nenhum acesso à cultura. Na sua biografia, escrita por Ian Kelly – Vivienne Westwood (Ed Rocco, Anfiteatro, 2016) –, a criadora conta que até chegar a Londres nunca tinha visto uma galeria de arte ou sabia o que isso era, nem tinha alguma vez posto os pés num teatro.
Abre a loja Let it Rock, na 430 Kings Road, no West End londrino, e inicia o seu percurso de sucesso no mundo da moda, apesar da (ou graças à) sua excentricidade.
Aos 17 anos, ruma da pequena terra natal para Londres, onde, em 1962, se casa com Derek Westwood. Deste, depois do divórcio, no início dos anos 1970, ficou um filho, Benjamin (fotógrafo, conhecido como Ben Westwood) e com o apelido, que tornou famoso.
Para isso contribuiu o ambiente punk-sexo-drogas-e-rock-and-roll a que Malcolm McLaren, o sedutor produtor musical da banda Sex Pistols (o seu segundo marido), a apresentou. É com ele que abre a loja Let it Rock, na 430 Kings Road, no West End londrino, e inicia o seu percurso de sucesso no mundo da moda, apesar da (ou graças à) sua excentricidade.
Com McLaren, de quem se divorciará nos anos 1980 e que acusará de ser abusivo e violento, tem o segundo filho, Joseph Corré (ativista e fundador da marca de lingerie Agent Provocateur), e marcará a cultura e a estética da capital inglesa nos anos 1970 e 1980.
O trabalho da designer inglesa vai tomando forma ao mesmo tempo que surgem várias bandas punk como os The Clash e os The Exploited, que davam voz à «rua» e ao não conformismo, em sintonia com a «antimoda» que contrariava agressivamente aquilo que até então era considerado «bom gosto».
Tecidos tradicionalmente femininos como rendas, redes, estampados e couro preto, são rasgados e apresentados com rachas e presos com alfinetes de ama. A liberdade, o tudo é possível, o faz tu mesmo, do movimento punk, marcam as primeiras criações de Vivienne e desafiam tanto o status quo que a loja tem de alterar várias vezes o nome: de Let It Rock mudou para Too Fast to Live, depois para Too Young to Die e finalmente SEX.
No final da década de 1970, Westwood, deixa os alfinetes de ama e procura uma nova abordagem estética. Em 1981, o desfile da coleção Pirates, inspirada em silhuetas históricas, regressa à grandeza «fim de século» e à decadência do rococó, combinando tecidos e técnicas tradicionais com modernidade e a habitual ironia social.
A verdade é que as suas criações provocadoras acabaram por se integrar no trabalho de outros estilistas: crinolina descartável, também conhecida como mini cri, o twin set de pérolas para homem ou os sapatos de plataforma e salto stiletto, são exemplo disso. E artistas como Boy George ou Adam Ant adotaram o estilo irreverente.
No fim dos anos 1980, já livre de McLaren, entra naqueles que chama de «anos pagãos» e em 1990 lança a sua primeira coleção para homem, marcada por um forte erotismo. Esta é uma década importante na vida de Westwood. Aos 50 anos, depois de dois casamentos falhados, Vivienne volta a apaixonar-se, por um jovem de 25 anos, Andreas Kronthaler, designer de moda austríaco com quem se casa secretamente em 1992. Um amor para a vida.
Ao longo da sua carreira, Vivienne venceu duas vezes o prémio de Melhor Designer de Moda Britânica. Entretanto, já tinha sido galardoada com a Ordem do Império Britânico pela Rainha Isabel II, numa cerimónia que ficaria marcada pelo facto de ter sido fotografada de saia levantada, sem roupa interior. A rainha terá achado graça à fotografia. Ou, pelo menos, o episódio não a faz cair em desgraça.
Em 2006, a soberana atribui-lhe o título de Lady e, em 2012, Westwood foi umas das sessenta personalidades escolhidas para integrar o documentário The New Elizabethans, que celebrava os sessenta anos de reinado de Isabel II.
O novo milénio trouxe o ativismo político e ambiental para o centro das atenções da designer, o que se refletiu nas suas criações, agora mais viradas para o ambiente, a natureza e os direitos humanos.
Em 2014, surpreendeu o mundo ao rapar o cabelo (conhecida por usar cabelo comprido e pintado, admite que acha pouco apropriado uma mulher da sua idade usar o cabelo comprido solto)
A coleção outono‑inverno de 2011 ‑12, Ethical Fashion Africa, é exemplo disso. Produzida em África e fotografada por Juergen Teller, o projeto teve como objetivo ajudar as mulheres locais a usarem os seus conhecimentos e a obterem compensação económica para viverem dignamente, anunciou na altura a designer, avessa a atos de caridade por defender que esta forma de ajuda cria «dependência e não gera proatividade».
Em 2014, surpreendeu o mundo ao rapar o cabelo (conhecida por usar cabelo comprido e pintado, admite que acha pouco apropriado uma mulher da sua idade usar o cabelo comprido solto), não por motivos de saúde, mas para alertar para as alterações climáticas, conforme explicado pela própria: «O clima está a mudar e temos de agir. Esta é a minha forma de chamar a atenção para este assunto, sabendo‑se que tenho uma relação muito especial com o meu cabelo.» Várias vezes ao longo dos últimos anos tem reforçado a sua posição face ao excesso de consumo de roupa e de outros produtos associados com a moda.
Na biografia de Ian Kelly, Vivienne Westwood, revela que parte do seu percurso profissional foi inspirado pela ruas, mas hoje já não é. Atualmente, diz, procura que a sua roupa seja vista como um produto que transcende a divisão de classes, o género, a etnia, a orientação sexual, cria roupa que desafia e encoraja as pessoas a «mascararem ‑se no seu dia‑a‑dia conjugando sugestões usadas no século XVIII e no século XXI.
A mistura, o jogo, a máscara, são reflexos de nós mesmos e devemos lutar consistentemente pela nossa liberdade e não nos deixarmos iludir por uma tranquilidade facultada por uma ideia de democracia. Somos responsáveis e temos de nos responsabilizar».
E confessa ‑se uma mulher feliz, mais feliz do que há uns anos, por poder expressar os seus receios e convicções através da sua criatividade. «Não estou interessada em estar contra tudo e contra todos e antes em descobrir coisas novas. Sou curiosa e feliz.»