Desembrulhar a vergonha e embrulhar a comida

André Rolo

Texto de Filomena Abreu

Estalaram como pipocas em muitos países e Portugal também entrou na onda. Pedir para que as sobras do que não somos capazes de digerir sejam postas numa caixa, para mais tarde saborear, já não é uma coisa assim tão estranha.

Aos poucos, a consciência do desperdício alimentar começa a ser mais forte do que a vergonha de ser visto como “aquele que leva os restos para casa”. Analisando bem, se pagamos pela comida que nos é servida à mesa (por vezes em doses exageradas) por que haveríamos de nos sentir incomodados por pedir aquilo que não conseguimos comer? E ao mesmo tempo evitamos que toneladas de comida vão parar aos contentores de lixo, todos os dias.

Aos poucos, a consciência do desperdício alimentar começa a ser mais forte do que a vergonha de ser visto como “aquele que leva os restos para casa”.

Mas essa moda não é de agora. Começou nos Estados Unidos da América, pela altura da II Guerra Mundial. Terá nascido em Greenwich Village, Nova Iorque. Mais concretamente no Dan Stampler Steak Joint, com o nome de “doggy bag” (saco do cachorro). Algo equivalente aos tupperware que as mães nos dão quando sobra comida – sobra quase sempre – no almoço de domingo. A alusão ao canídeo servia, ao que parece, apenas para encobrir a verdade e afastar a vergonha de quem sabia que seria bom ter mais uma refeição, numa época em que os alimentos eram escassos.

Com o tempo, os simples sacos de papel deram lugar às embalagens de alumínio e plástico. Entretanto, o ambiente foi ditando novas regras. Substitui-se o malfadado plástico por cartão, dão-se às caixas nomes mais sexys (“Gourmet Bag” ou “Good to Go”), acrescentam-se slogans atrativos – “Está tão bom que vou terminar em casa” – e o Mundo converte-se à evidência de que o futuro passa por aqui.

Por cá, principalmente a Norte, o projeto “Embrulha.” não só criou raízes como até se está a expandir. A iniciativa saiu da gaveta há precisamente dois anos. O formato piloto resultou de uma parceria da Câmara do Porto com o apoio da Universidade de Wageningen (Holanda). Correu tão bem que foi relançado em 2017. Impulsionado pelos bons resultados na Invicta, o objetivo é chegar aos 50 restaurantes aderentes no Porto e, até ao final do ano, avançar para Matosinhos.

Só no Porto já há 36 estabelecimentos aderentes ao projeto “Embrulha.”. Foram distribuídas mais de 23 mil embalagens.

Só no Porto já há 36 estabelecimentos aderentes. Foram distribuídas mais de 23 mil embalagens. Foram reaproveitadas 8,40 toneladas de alimentos (valor corresponde aos dados estimados que têm por base o peso médio das embalagens utilizadas pelos clientes). E foi evitado o equivalente a 1,76 toneladas de dióxido de carbono. Prova de que a adesão tem sido grande e que, ao contrário do que se podia esperar, “o comportamento de levar a comida que sobrou para casa está a desmistificar-se e a deixar de ser um estigma”, atesta a Lipor, o Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, um dos parceiros.

Além deste e da Autarquia, o projeto conta ainda com a Hidurbe (Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios) e a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria Restauração e Turismo.