Dentistas tratam sorrisos e… rugas

Texto de Filomena Abreu

A busca do sorriso perfeito vai muito além dos branqueamentos e da colocação de aparelhos que nos prometem fazer brilhar como as estrelas de cinema. A medicina dentária como a idealizamos mudou. Hoje, os dentistas não estão no consultório só para tratar cáries ou tirar dentes.

Os padrões de beleza são cada vez mais exigentes e ditam o surgimento de novos tratamentos que complementem a estética funcional do sorriso. Cirurgias como a bichectomia e procedimentos com recurso a botox estão a aproximar os médicos dentistas dos cirurgiões plásticos. Com o aumento de profissionais interessados em dominar estas novas técnicas teme-se que possa existir um conflito com outros especialistas da estética. Apesar de confrontada com esta questão, a Ordem dos Médicos Dentistas não se pronunciou.

Em novembro de 2017, uma das salas de conferências da Altice Arena, em Lisboa, encheu-se de curiosos para ouvir Ana Elisa Pawlenko. A médica brasileira fazia uma apresentação no 26.º Congresso da Ordem dos Médicos Dentistas. Falava sobre a aplicação da toxina botulínica e de ácido hialurónico. As imagens que acompanhavam o discurso fizeram com que a plateia se interrogasse: até que ponto aquilo poderia ser realizado em Portugal?

Pode soar estranho, mas a verdade é que, desde que estejam habilitados para tal, os médicos dentistas podem reduzir-nos as rugas faciais ou mesmo realizar “cirurgias plásticas” para termos um rosto mais harmonioso. Os anúncios das clínicas dentárias já garantem a eliminação de sulcos de expressões indesejáveis da face através do preenchimento com ácido hialurónico ou com a aplicação de toxina botulínica, mais conhecida por botox. Os materiais de preenchimento reabsorvíveis são opções topo de gama para, por exemplo, tratar dores orofaciais, cefaleias, paralisias faciais, corrigir assimetrias labiais, diminuir o sorriso gengival, etc.

E de bichectomia, já ouviu falar? É uma cirurgia plástica em que se retiram parcial ou totalmente duas bolsas de gorduras (bichat) presentes em cada lado da boca, entre o maxilar e a mandíbula. A finalidade é puramente estética: reduzir o volume da parte de baixo do rosto e afinar o queixo. Algo que agora também já pode ser feito por um dentista, desde que domine a técnica.

Mariana Teixeira foi uma das dentistas que assistiu à referida palestra em Lisboa. O seu interesse pelas novas técnicas cresceu em paralelo com o dos pacientes, mas também devido à chegada de médicos dentistas provenientes do Brasil. “O fluxo de mercado acaba por ditar a tendência na formação. Sendo a estética uma área emergente, é natural que os profissionais de medicina dentária estejam a tentar responder a essa demanda.”

A médica, diretora clínica da Ensanis Saúde, em Braga, diz que recebe “cada vez mais pedidos de pacientes femininos e masculinos para aplicação destes injetáveis com resultados promissores, não só pela questão estética como também para tratamentos de casos patológicos, como o bruxismo”.

José Frias Bulhosa é vogal do Conselho Deontológico e de Disciplina da Ordem dos Médicos Dentistas, mas fala a título pessoal: “Acho que a formação sobre a técnica, quando disponibilizada a nível pré-graduado, será meramente informativa e não confere competência técnica (médica e cirúrgica) para a sua execução por médico dentista.”

Já o médico brasileiro Renato Valle Oliveira, responsável pela administração de vários cursos de formação de Toxina Botulínica, contrapõe que a medicina dentária trabalha com a estética desde a sua formação. Além disso, “o paciente exige cada vez mais do profissional e com isto a medicina dentária tem-se capacitado para oferecer finalizações intra e extra oral de acordo com a sua área de atuação”. Os médicos dentistas “são os profissionais que mais estudam a cabeça e o pescoço durante a sua formação”. Por isso, “podem e devem” aprender estas novas técnicas. Até porque “no quotidiano dos seus consultórios realizam procedimentos mais complexos do que a aplicação de tais produtos”.