Cuidados de saúde à porta de quem vive longe de tudo

Texto Cláudia Pinto Fotografias Pedro Martins/Global Imagens

O dia está cinzento e vem com chuva, nevoeiro e frio. Nesta primavera incerta, a beleza das aldeias do concelho da Covilhã interage com caminhos sinuosos difíceis de percorrer.
No centro de internet de São Jorge da Beira, a quarenta quilómetros da cidade, as
cadeiras são poucas para a espera longa.

Em março, o médico de medicina geral e familiar João Carlos Lima visitou os habitantes, pela primeira vez, numa iniciativa do projeto Saúde mais Perto de Si, promovido pela Mutualista Covilhanense (MC), com o objetivo de prestar cuidados de saúde a populações isoladas de dez aldeias.

Augusto Albino tem 77 anos, esteve emigrado em França e na Suíça, regressou em 2001 devido ao tumor na próstata e na bexiga. «Deram­‑me meio ano de vida e já cá ando há dezassete. Não sei como ainda estou vivo.»

Enquanto aguardam por vez, a diretora técnica da farmácia social da MC, Catarina Canário, ocupa­‑lhes o tempo com a medição da tensão arterial. «Também avaliamos o açúcar no sangue e o colesterol total. Registamos os valores no cartão individual do utente mostrado ao médico para que seja feito o acompanhamento farmacoterapêutico e verificar se é necessário ajustar a medicação», diz.

Augusto Albino tem 77 anos, esteve emigrado em França e na Suíça, regressou em 2001 devido ao tumor na próstata e na bexiga. «Deram­‑me meio ano de vida e já cá ando há dezassete. Não sei como ainda estou vivo.» Mas está, a ver crescer os oito bisnetos e a visitar as três filhas emigradas na Alemanha [tem mais dois em Portugal]. A primeira consulta com o médico correu bem. «Estou a cem por cento.»

«O acesso ao médico de família não é suficiente. A população é envelhecida, os transportes públicos não existem, e ou têm dinheiro para alugar um táxi e ir à Covilhã ou têm de se sujeitar à vinda dos médicos do Serviço Nacional de Saúde, o que nem sempre acontece», diz José Branco, presidente da Junta de Freguesia de São Jorge da Beira.

Esta é uma das oito aldeias (a par das Minas da Panasqueira, Vale de Cerdeira, Cambões, Casal de Santa Teresinha, Barroca Grande, Aldeia de São Francisco de Assis e Trigais) que, uma vez por mês, recebem a visita do médico – quinzenalmente têm apoio de enfermagem.

Em Casal de Santa Teresinha, onde moram apenas dez pessoas, toca­‑se o sino da Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro para avisar a chegada da unidade móvel. Nem o frio demove os beneficiários. Alice Bernardo tem 68 anos e não se demora. «Nasci aqui e cá vou morrer. Para onde hei de ir?»

Não esquece o dia em que detetaram os valores de glicemia muito altos ao marido e que aconselharam a ida às urgências do Centro Hospitalar da Cova da Beira, na Covilhã. «Ele andava bem, não tinha sintomas. Se não nos tivessem alertado, era até cair para o lado. Foi Deus que apareceu com esta carrinha.»

Nas visitas que faz, o médico tem­‑se apercebido de que alguns utentes confundem as embalagens dos remédios e medicam­‑se em duplicado. A consulta acaba por ajudá­‑los a aderir corretamente às terapêuticas e a esclarecer dúvidas.

Passa os dias a cuidar das galinhas e das hortas junto à casa e ganhou um novo alento com o projeto. «É outra segurança, estão a fazer muito por nós. Estamos muito isolados nestas aldeias.» A cumplicidade é tal que os profissionais da MC vão buscar os utentes à porta de casa, pessoas que, não raras as vezes, pagam valores elevados de táxi para se deslocar a uma consulta médica.

«São cinquenta euros de cada vez», diz Laura Lopes, de 84 anos, de Vale de Cerdeira. «A reforma não chega para tudo.» A viver sozinha com o marido, tem os sete filhos a morar longe. «Este médico escuta­‑me.»

João Carlos Lima não tem dúvidas. «Muitas vezes, ou o médico já está um pouco cansado da história clínica destas pessoas ou elas próprias já se incompatibilizaram. A minha presença vem renovar um pouco a confiança que deve pautar a relação médico­‑doente. Por vezes, acabavam por adiar a ida ao médico e as situações clínicas arrastavam­‑se. Estamos a melhorar a qualidade de vida destas pessoas.»

Nas visitas que faz, o médico tem­‑se apercebido de que alguns utentes confundem as embalagens dos remédios e medicam­‑se em duplicado. A consulta acaba por ajudá­‑los a aderir corretamente às terapêuticas e a esclarecer dúvidas.

Na ronda seguinte, nas aldeias onde não existe farmácia, são os farmacêuticos da MC que levam os medicamentos aos utentes, reforçando o aconselhamento (os associados da Mutualista podem adquirir medicação com desconto).

Em 2016, no âmbito do prémio BPI Seniores, a iniciativa recebeu 28 500 euros, que permitiram à MC contratar uma psicóloga a meio tempo e uma enfermeira a tempo inteiro. «A verba foi ainda utilizada em material de papelaria, equipamento médico e de enfermagem e em publicidade e marketing», explica Isabel Fazendeiro, socióloga responsável pelo gabinete de ação social e pelo gabinete de projetos.

«O projeto continua em expansão e superou as nossas expetativas», diz Nélson Silva, presidente da direção da MC. Desde o arranque e até ao final de março deste ano, foram realizados 2875 rastreios (audição e visão) e atos de enfermagem, 174 consultas médicas, 13 consultas de psicologia e 44 ações de sensibilização.

«Foram­‑se criando laços de afetividade, empatia e confiança», explica Isabel Fazendeiro. Ninguém falta à passagem da unidade móvel, à hora marcada, mesmo que haja algum atraso. «A nossa visita já entrou na rotina da população. Os itinerários são fixos, assim como a data e as horas em que nos deslocamos a cada aldeia.»

Albertina Brás, de 66 anos, esteve emigrada em França mas dois AVC obrigaram­‑na a uma vida mais calma. Vive em Cambões (onde não existe posto médico nem farmácia perto), com mais 12 pessoas e, apesar dos problemas de saúde, não perde o sorriso. «Estive cinquenta anos em França e nunca lá vi disto. Quando os meus filhos me ligam a perguntar como estou, respondo que estou bem. E que até tenho médico à porta.»

Aplicação permite antecipar doenças cardíacas

A Health é uma aplicação para tablet através de bluetooth – uma espécie de eletrocardiograma móvel – vocacionada para populações de zonas rurais e remotas. Criada por um grupo de estudantes de Engenharia Informática da Universidade da Beira Interior, em parceria com o Laboratório de Investigação NetGNA, tem vindo a ser testada no projeto da MC e pode vir a ser usada no futuro, como rotina, para prevenir doenças cardíacas.

Já foram feitos cerca de cinquenta testes e neste momento estão a ser validados os resultados. «Já detetámos uma arritmia a uma utente que foi reencaminhada para uma consulta de especialidade em que veio a confirmar­‑se um problema cardíaco, sendo prescrita a medicação adequada», explica André Ramos, aluno do primeiro ano de mestrado que escolheu a app como tema da tese que irá defender em 2019.