CR7, Império Ilimitado

Últimos cartuchos da noite de 26 de maio de 2018. No Olimpiyskiy Stadium, em Kiev, festa rija do Real Madrid. O caso não é para menos: os “merengues” acabam de conquistar a 13.ª Liga dos Campeões, a terceira em três épocas, graças a uma vitória por 3-1 sobre o Liverpool. Nos 90 minutos, Benzema e Bale (por duas vezes) marcam para os espanhóis, Sadio Mané faz o único golo dos ingleses. Assim que soa o apito final, o Real dá largas à festa. Zidane, o treinador, é atirado ao ar, Cristiano Ronaldo, bandeira portuguesa a pender orgulhosa sobre as costas, abre bem a mão, a assinalar as cinco Champions que já festejou, chovem confettis, os flashes disparam sem tréguas.

Entre as poses para a posteridade, o português não abdica da habitual foto de família, com o clã Aveiro. Mas há outro retrato indispensável. Está lá o irmão, Hugo Aveiro. Estão também Ricardo Regufe e Miguel Paixão. O disparo é da autoria de Miguel Ribeiro. Amigos? Muito. Mas a película, incompleta, conta uma história maior, que extravasa os limites da esfera futebolística: a de uma equipa que tem aos ombros a responsabilidade de gerir o império do melhor do Mundo.

Desfiar o novelo desta história implica recuar mais de 15 anos, até à época 2001/02. Cristiano Ronaldo brilhava na equipa de juniores do Sporting, Ricardo Regufe era o “sports marketing manager” da Nike. Desde 2000 que fazia a ponte com futebolistas patrocinados pela marca e estava habituado a que lhe anunciassem este ou aquele prodígio, com vista a eventuais acordos publicitários.

Assim foi com Cristiano. Falaram-lhe dele uma, duas, três vezes. Até que decidiu ir ver com os próprios olhos. Ao primeiro jogo, o puto maravilha que todos elogiavam convenceu-o. Ao ponto de logo comentar com os mais próximos que o miúdo era como o algodão: não enganava. Pouco depois, a jovem promessa assinava o primeiro contrato com a Nike.

Mas a história ainda só estava a começar. Aos poucos, Ronaldo e Regufe foram estreitando laços, a reboque da seleção portuguesa e de uma coincidência cósmica. É que, em 2002, o homem que abriu as portas da Nike ao jovem prodígio tornou-se o representante da marca junto da equipa das quinas. E no ano seguinte, em agosto, esteve pela primeira vez presente num estágio da seleção: em Chaves, antes de um jogo com o Cazaquistão, precisamente o primeiro do jovem Ronaldo na seleção A .

Como construir um plantel de qualidade
O que se seguiu, em termos futebolísticos, é de conhecimento obrigatório. O prodígio foi de vento em popa, saltou do Sporting para o Manchester United e daí para o Real Madrid. Agenciado por Jorge Mendes, assinou contratos milionários e estabeleceu recordes até se tornar o que é hoje – o melhor futebolista do Mundo. Pelo meio, Ronaldo virou íman irresistível para os departamentos de marketing das grandes empresas e até se aventurou por marcas próprias. A necessidade de criar uma equipa só dele, sem intermediários, que o ajudasse a conduzir pelos caminhos de um império crescente surgiu, por isso, com naturalidade.

E o nome que haveria de liderar a equipa também: Ricardo Regufe, o homem da Nike que, ao longo dos anos, foi dando provas de profissionalismo e se tornou amigo inseparável e confidente do internacional português. Depois, foi como construir um plantel de qualidade, com tempo e uma premissa fundamental: todos os que fazem parte da equipa de CR7 têm de lhe merecer confiança absoluta.

Foi assim com Miguel Paixão, antigo colega na formação do Sporting e hoje com papel importante em várias áreas, como o footwear e os hotéis; ou com Onofre Costa, que Ronaldo conheceu na seleção, ainda em 2006, e atualmente é o consultor para a área da comunicação. Foi assim também com Miguel Marques, o conselheiro financeiro; e com Miguel Ribeiro, o “reforço” que integrou a equipa recentemente e é o braço direito de Ricardo Regufe. Eis o núcleo duro que ajuda o português a comandar os destinos do universo CR7.

Um núcleo unido na prática e não no papel, ou numa sede, até porque o império de Ronaldo assenta em várias empresas e não apenas numa, onde estejam todos. Ou seja: a “sede” é onde Ronaldo estiver. Líder da equipa, Ricardo Regufe vive em Madrid para estar mais perto do internacional português e garantir o bom funcionamento da marca, ao passo que o resto da equipa viaja quase todas as semanas para a capital espanhola ou para locais onde haja sessões fotográficas ou outros eventos.

De resto, como em todas as grandes máquinas, a engrenagem não se faz sem umas quantas peças complementares, igualmente importantes. É o caso de Carlos Osório de Castro, advogado; da Polaris, a empresa do superagente Jorge Mendes que faz a gestão dos direitos de imagem e dos contratos comerciais da marca CR7; do irmão, Hugo Aveiro, diretor-geral do Museu CR7; ou da 7egend, a agência digital de que Cristiano Ronaldo se tornou acionista maioritário no ano passado. Mas já lá vamos.

Da roupa interior aos ginásios
Para já, “rewind” até ao ano 2013. Cristiano Ronaldo vinha de mais uma época mirabolante, com 55 golos marcados pelo Real Madrid, quando se aventurou com uma coleção de roupa interior e meias em nome próprio. “Estou super entusiasmado por lançar oficialmente a minha coleção CR7 em Madrid”, anunciou ao Mundo, através das redes sociais. Começava a comercialização de produtos com a marca CR7.

À roupa interior seguiram-se os perfumes. Depois as gangas. Entretanto, foram lançadas as camisas e o calçado. Mais recentemente os ginásios. Tudo segue uma lógica simples: a marca expande-se sempre para áreas que sejam do interesse do camisola 7 do Real Madrid – gangas e camisas porque gosta de roupa, fragrâncias porque adora perfumes, ginásios porque é adepto devoto da velha máxima “mente sã em corpo são”. Por isso, faz questão de se envolver ativamente. Dá orientações em vários projetos, avança com ideias e sugestões e, regra de ouro, tem sempre a última palavra. Assim prospera uma marca que atualmente chega aos quatro cantos do Mundo, seja através dos sites da marca CR7, que permitem comprar online, seja via retalhistas selecionados.

Mas o universo CR7 está longe de se confinar às marcas próprias. Através de investimentos e parcerias, o império do português estende-se à hotelaria, à restauração e até ao setor digital, tudo áreas com as quais se identifica. No caso dos hotéis, por motivos óbvios. Habituado a viajar por todo o Mundo, Cristiano Ronaldo conheceu, ao longo dos anos, centenas de hotéis e o bichinho da hotelaria foi crescendo.

É também por isso que, em 2015, embarca numa parceria com o Grupo Pestana para a abertura de várias unidades hoteleiras, num investimento então avaliado em 75 milhões de euros. O primeiro hotel abre no Funchal em julho de 2016, o segundo em Lisboa, no mês seguinte. Para o ano está anunciada a inauguração de outras três unidades Pestana/CR7 Hotel espalhadas pelo globo: Madrid, Nova Iorque, Marraquexe. E já há outros locais em estudo.

Digital, restaurantes e um museu em crescendo
O ano de 2017 dita um novo “upgrade” ao império. Em julho, o português adquire uma participação maioritária na Thing Pink, uma startup portuguesa da área digital responsável pela tecnologia do Museu CR7 e liderada por Luís Parafita. Meses depois, como resultado desse investimento, nasce a 7egend, agência digital especializada em desporto, com uma carteira de clientes que vai da Altice ao F.C. Porto, passando pelo Valencia C.F., a FNAC, a McDonalds e o Museu CR7. “Estou muito orgulhoso pelo lançamento oficial da 7egend, a minha agência digital para a qual tenho altas expectativas. Toda a gente sabe que eu tenho grande interesse em tudo o que tem a ver com inovação e tecnologia”, faz então saber Cristiano, em comunicado.

No mesmo ano, Ronaldo entra na área da restauração através do investimento no grupo Tatel, de que fazem parte o tenista Rafael Nadal, o basquetebolista Pau Gasol e o músico Enrique Iglesias. O grupo tem restaurantes em Madrid, Ibiza e Miami. Em breve, chegará a Los Angeles.

Investimentos distintos, uma lógica comum. Seja nas marcas próprias ou nas parcerias, CR7 quer sempre saber quem são as pessoas envolvidas nos projetos e só trabalha com quem lhe inspirar bom feeling. Pelo meio, faz questão de meter cunho pessoal em todos os negócios – seja nos perfumes, para escolher as fragrâncias, ou nos hotéis, para indicar que os quartos tenham ligações USB.

No universo empresarial de Cristiano Ronaldo, ainda que sem a expectativa de retorno das restantes apostas, cabe também o Museu CR7, aberto na Madeira desde 2013. Dirigido por Hugo Aveiro, irmão de Cristiano, o espaço mudou-se, em 2016, para uma das zonas mais frequentadas do Funchal e é já um dos locais mais concorridos do arquipélago da Madeira: só este ano, já recebeu perto de 100 mil visitantes.

Uma imagem que vale 50 milhões
Enquanto faz florescer o império com investimentos próprios, Cristiano Ronaldo não se livra do assédio de grandes marcas. O resultado é uma longa lista de acordos de publicidade pagos a peso de ouro. Só em “endorsement deals”, CR7 fatura perto de 50 milhões de euros anuais. Se a Nike resiste desde os tempos em que era ainda uma jovem promessa dos juniores do Sporting (entretanto, o português já assinou com a empresa um contrato a longo prazo), o leque de acordos de publicidade do avançado do Real Madrid foi engrossando à medida que o palmarés desportivo se foi avolumando.

Atualmente, Ronaldo tem relação contratual com 18 marcas internacionais, que cobrem um largo espectro de áreas, do desporto à saúde, passando pelo entretenimento, consumo e indústria. A todas, o português “empresta” a imagem para fins publicitários.

A ligação à Altice é uma das mais populares, mas na lista de “endorsements” encontram-se parcerias menos convencionais, como a que tem com a Egyptian Steel, empresa de aço do Egito, ou com a Striker Force, em que assume o papel de um super-herói de banda desenhada e jogos de computador.

Também aqui Cristiano privilegia marcas que têm valores com as quais se identifica – dinamismo, determinação, liderança, vida saudável – e gosta de se envolver ativamente. No caso das botas da Nike, por exemplo, fala frequentemente com os designers da marca e dá sugestões que muitas vezes são levadas em conta para o produto final. A prova é que já vários modelos saíram de histórias e momentos da vida do craque. As propostas são sempre endereçadas à Polaris, empresa que tem Jorge Mendes como acionista maioritário e que é responsável pela gestão comercial de toda a imagem de Cristiano Ronaldo. A Polaris é liderada por Luís Correia, sobrinho de Jorge Mendes, e Marisa, a filha deste agente FIFA, é uma das “accounts”, daí que seja presença habitual nos eventos a que CR7 vai. Depois de passarem pela Polaris, as propostas seguem então para Ronaldo e respetiva equipa que, em conjunto, decidem quais avançam e em que modelo.

Depois, há o lado mais popular do universo Cristiano: aquele que salta à vista de todos quantos estejam presentes nas redes sociais. Afinal, Ronaldo é a pessoa que maior número de seguidores tem no Mundo: mais de 350 milhões no total das redes. No Instagram ultrapassam os 127 milhões, no Facebook o número está para lá dos 122 milhões. A popularidade do português chega ainda à Weibo, rede social chinesa, em que a legião de fãs de C-LUO (o nome chinês de Ronaldo) é cada vez maior.

Aqui volta-se ao núcleo duro do império CR7. É que a gestão das redes sociais, elemento fundamental no imério Ronaldo, está precisamente a cargo da equipa liderada por Ricardo Regufe – e, no que toca à partilha de publicações mais pessoais, do próprio Cristiano. A Polaris também tem aqui uma palavra a dizer, visto que é responsável pela operacionalização das publicações comerciais, muitas vezes previstas nos acordos de patrocínio assinados com as grandes marcas.

Solidariedade “obrigatória”
E quem disse que a solidariedade e as causas sociais não têm lugar na lógica de um grande império? Cristiano Ronaldo prova que não só têm como podem assumir um peso relevante. Não é à toa que, já por várias vezes, o futebolista foi distinguido como o atleta mais solidário do mundo: em 2015 pela associação “Athletes Gone Good”, em 2016 pela Globe Soccer, em 2017 pelo jornal italiano “Gazzetta dello Sport”. Entre as boas ações que se tornaram públicas contam-se a doação de centenas de milhares de euros para a investigação do tratamento do cancro, o pagamento de uma operação ao cérebro de um fã de dez anos e donativos para ajudar vítimas de grandes tragédias, como o terramoto que varreu o Nepal em 2015.

Mas estão longe de ser as únicas. O futebolista gosta de manter a discrição e nem a pedido revela números totais das largas quantias que canaliza para a solidariedade. Só abre exceções quando entende que o mediatismo de que goza pode ajudar causas. Assim é com as atividades que vem realizando com a organização não-governamental “Save the Children”, que defende os direitos da criança, ou com a Liga Portuguesa Contra o Cancro.

Últimos cartuchos da noite de 26 de maio. No Olimpiyskiy Stadium, Cristiano Ronaldo diz que “foi muito bonito estar no Real Madrid”. As declarações correm Mundo e servem de rastilho a boatos de uma possível mudança de emblema, dissecados durante toda a semana pela imprensa internacional. No relvado de Kiev estão Ricardo Regufe, Miguel Paixão, Miguel Ribeiro e Hugo Aveiro. Peças de um império que toca os quatro cantos do Mundo, rostos de uma equipa que está ao lado do “The Best” aonde quer que ele vá.