Texto de Filomena Abreu
A queda que Hannah Jenkins foi aparatosa, mas ninguém estava à espera que uma das lesões fosse tão estranha. Tudo se passou da seguinte forma: a britânica estava a dar um passeio de bicicleta num parque quando, ao dobrar uma curva, colidiu com outro ciclista. À equipa médica o homem contou que depois do choque Hannah ficou no chão, imóvel e a sangrar. Por isso, ele ligou para o serviço de emergência.
Uma vez no Royal Berkshire Hospital, na cidade de Reading, no Reino Unido, algo raro se passou quando a vítima acordou: não sabia onde estava, não se lembrava do que tinha acontecido e, na sua percepção, achava estranho que ali ninguém falasse inglês. Tempos depois, Hannah contou a sua história à BBC: “Não conseguia entender nada”. O que a fez sentir como “se tivesse acordado num país estrangeiro”.
Do lado dos médicos a confusão era semelhante. Se os documentos de Hannah indicavam que ela era inglesa, por que razão não estava a compreender nem a responder em inglês? Quando Margaret, a irmã da acidentada, falou com ela fez-se luz. Ela era a única que a compreendia. Aparentemente, após o acidente, o inglês desapareceu da cabeça de Hannah e só ficou o alemão que tinha aprendido durante a infância, razão que fazia com que Margaret a compreendesse.
Ambas foram criadas no Reino Unido. Os pais eram poliglotas: A mãe austríaca falava quatro línguas e o pai, um professor de línguas da Inglaterra, falava sete. “O alemão foi a minha primeira língua falada”, explicou Hannah à BBC. “Era uma regra que tínhamos em casa: quando estivéssemos em família, deveríamos usar o alemão, para manter a língua fresca nas nossas cabeças.”
O neurocirurgião Colin Shieff também falou com o canal e afirmou que a doente tinha vivido a chamado perda de linguagem secundária. “Os nossos cérebros são muito sensíveis e qualquer coisa que tenha a capacidade de perturbar este ‘computador’ pode afetar potencialmente as palavras que saem dele”, disse.
O impacto físico do acidente foi mínimo e Hannah recebeu alta em poucos dias. Porém, através da irmã, ela percebeu que a lesão cerebral era significativa e levaria anos a recuperar.
Enquanto tudo isto acontecia, Andrew Wilde, o companheiro de Hannah, estava numa montanha nos Estados Unidos da América, a treinar para uma competição internacional de tiro. Foi lá que recebeu uma mensagem confusa da mulher. Só compreendeu duas palavras: “cão” e “hospital”. O texto estava em alemão, uma língua com a qual Hannah cresceu, mas Andrew não entendia a missiva. Afinal, eles sempre tinham comunicado em inglês. Sem conseguir falar com ela ao telefone apanhou um avião para casa.
Entre os cenários que lhe passaram pela cabeça não estava o facto ter deixado de entender a mulher. Só quando viu Andrew é que Hannah percebeu o que iria enfrentar. Tinham uma relação de oito anos e literalmente tinham chegado a um ponto em que não se percebiam. Mas não desistiram. O casal criou uma linguagem de sinais e com o passar do tempo tudo melhorou. “Quando a comunicação ficava difícil recorríamos à escrita, por mensagens de texto ou e-mails. Mesmo que estivéssemos na mesma sala”, lembrou ela.
Contudo, nem tudo foi um mar de rosas. “É difícil ter paciência, mas eu não poderia ter chegado até aqui sem ele”, agradeceu Hannah ao companheiro. Andrew chegou a deixar de trabalhar durante 18 meses só para a ajudar. Pouco a pouco, ela recuperou o domínio do inglês – mas, passados três anos do acidente, ainda não está a 100%. “De manhã estou bem, mas à tarde fico mais cansada e passo a pensar em alemão.” Agora, o que era sua principal língua tornou-se a segunda.