A boca cheia de ética

Notícias Magazine

Quando se apresentou como candidato à liderança do partido, o agora presidente do PSD, Rui Rio, declarou que «a política precisa de um banho de ética». Depois venceu as eleições internas e, em sítios como Ovar, fê-lo de forma esmagadora. Contou até com o voto dos 17 sociais‑democratas‑fantasma que vivem numa casa onde só habitam oito pessoas (e nenhuma é militante do PSD).

Apenas algumas semanas depois, o líder da bancada parlamentar escolhido por Rio, Fernando Negrão, acusou uma parte dos deputados do PSD de «falta de ética». A seguir pediu ‑lhes desculpa pelos «excessos de linguagem».

Mas aparentemente não lhe ocorreu que acusar alguém de falta de ética por «excesso de linguagem» é, em si mesmo, um exemplo acabado de falta de ética e mais uma demonstração do adágio hipócrita que diz «olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço».

Não estranho a incoerência, porém. O novo líder do PSD é, afinal, o mesmo indivíduo que, quando necessita, estaciona o carro em cima do passeio (porque está provavelmente convencido de que as leis só se aplicam aos outros) e que, na Câmara do Porto, usava e abusava de meios públicos para gerir os seus ódios pessoais e procurar desacreditar os jornalistas que não contavam a única versão certa da história – a dele.

Em 2002, por exemplo, o então presidente da Câmara Municipal do Porto foi entrevistado na Rádio Nova e declarou, entre outras coisas, que o vereador do PCP, «pelas suas referências políticas», não se oporia ao seu Plano Municipal de Erradicação dos Arrumadores de Automóveis, aludindo às práticas policiais na ex‑União Soviética. Eu era jornalista e, na agenda desse dia, tinha marcada a redação de uma notícia sobre a entrevista em causa.

No final da notícia que escrevi dei conta daquela elucubração, mas Rio não gostou (o vereador comunista era, então, seu aliado). Chamou‑me mentiroso num canal de televisão e queixou‑se, pasme‑se, ao Presidente da República.

Telefonaram‑me um dia do jornal informando‑me de que dois assessores de Jorge Sampaio se tinham deslocado de Lisboa ao Porto para averiguar. Indiquei que seria muito fácil esclarecê‑los: bastava que os senhores ouvissem a gravação da entrevista à Rádio Nova, cujo estúdio funcionava por baixo da redação do jornal. A averiguação ficou por ali. E eu fiquei elucidado quanto ao carácter do indivíduo que tem sempre a boca cheia de ética.

A pedido do autor, esta crónica não segue o novo Acordo Ortográfico.