O bidé pode ter os dias contados

A invenção francesa já foi objeto “pecaminoso” e sinónimo de status, mas tem perdido protagonismo para as sanitas inteligentes e outros utensílios. A culpa é da gestão do espaço nas casas de banho.

Traído pela utilidade, que passava pela limpeza das ditas “partes íntimas”, o bidé nunca se conseguiu livrar do rótulo de objeto imoral, associado a práticas pecaminosas e pouco higiénicas. Irónico. Houve até um tempo em que era considerado um método de controlo de natalidade, principalmente pelas mulheres de “vida fácil”.

Nascidos em França, no século XVII, os bidés, um dos grandes símbolos culturais do Velho Continente, podem estar em vias de extinção. Por falta de espaço, por serem inestéticos e porque grande parte do mundo não acha que nos dias de hoje eles sirvam para grande coisa.

À medida que os estabelecimentos que vendem louças sanitárias assistem ao desinteresse dos compradores por este objeto, há uma crescente procura por outros utensílios que os substituem, tais como sanitas inteligentes que já têm um sistema de lavagem incorporado, e mangueiras, que têm o mesmo propósito de higienização após as necessidades.

Lina Sousa, da empresa Sanitana, confirma que “tem havido um decréscimo da venda de bidés no mercado português, cerca de menos 4% nos últimos cinco anos”. Embora a representante da empresa não considere esta queda “particularmente significativa”, reconhece que “nos mercados de exportação, e por motivos de natureza cultural, a venda de bidés é um fenómeno residual”.

Costumava ser um móvel. Constituído por uma espécie de bacio, pintado com motivos florais, apoiado sobre uma estrutura em madeira com pés e tampo. Uma peça integrante da decoração, tanto que aparecia em pinturas onde meninas se lavavam sem pudor. A pouco e pouco, o bidé passou a não sair dos dormitórios.

Depois foi movido para os quartos a que agora se chamam casas de banho. Até ficar fixo à parede, ali, ao lado da sanita. A origem da palavra é interessante: vem do francês “bidet”, ou “bider”, que quer dizer “trotar”. Uma óbvia comparação à posição de montar a cavalo, algo similar com a utilização do utensílio doméstico.

Em Portugal, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), cujo conteúdo foi publicado a 7 de agosto de 1951 e alterado em agosto de 1952, impôs às instalações sanitárias “lavatório, banheira, uma bacia de retrete e um bidé”. No entanto, de acordo com o arquiteto Fernando Jorge, a maioria dos clientes que o procura para projetar as casas dispensa o objeto. “Já ninguém quer os bidés”, assegura.

E um dos fatores que contribuiu para a sua supressão é a “preferência em aplicar bases para banho em detrimento da banheira, uma vez que lhes permite tornar a higienização do corpo mais prática, substituindo, em parte, a função que tinha o bidé”. Mas não é só por isso. O aumento do custo do metro quadrado fez com que as pessoas valorizassem mais os espaços de convívio, como as salas, e por isso reduzissem ao “mínimo regulamentar as instalações sanitárias”.

Além do mais, as alternativas ao bidé, como as mangueiras, revelam-se mais económicas do que o ancestral utensílio. E também mais fáceis de instalar. “No caso do bidé, há a considerar o custo da peça em si silicones de fixação e vedação, a instalação e acessórios e, se for aplicado suspenso, o sistema de fixação à parede. Para a mangueira, é simplesmente necessária uma pequena mangueira e uma ponta de pressão, para abertura da água”, argumenta o arquiteto.

Ninguém diria que houve um tempo, com a evolução das sociedades, em que ter bidé era sinónimo de status.