Benjamin Clementine: «O próximo álbum será o último. Sinto que não tenho mais nada a dizer»

Texto Ana Patrícia Cardoso / Fotografia DR

A voz tímida do outro lado do telefone. As pausas antes das respostas criam expetativas sobre o que Benjamin Clementine tem para dizer. O cantor londrino de 28 anos não perde tempo com rodeios e de vez em quando solta um riso contido para nos relembrar que nem tudo é tão sério.

Depois de subir ao palco do Festival Paredes de Coura no ano passado, volta a Portugal
durante a sua The Wandering Tour. «É o nome perfeito. Eu nasci para ser um viajante. E este álbum é inspirado numa viagem para encontrar a paz. Nascemos todos para seguir em frente. Nascemos todos para novos inícios.»

Para além do Reino Unido, onde nasceu, Portugal e Espanha são os únicos países europeus onde vai atuar. A razão é simples. «Sinto-me completo a tocar para vocês. Sinto que o público português está comigo desde o início. É muito importante para mim sentir que a plateia está a fazer a mesma viagem do que eu.»

Assim é Benjamin. Um jovem contemplativo e à procura da exploração musical das suas emoções.

Quando não está em palco, gosta de dar longos passeios por Lisboa ou Porto. «Como adoro essas cidades. Caminhar e ouvir os sons à minha volta faz-me pensar em melodias novas, estimula a minha criatividade. Já compus músicas em passeios por aí.»

Assim é Benjamin. Um jovem contemplativo e à procura da exploração musical das suas emoções. «A música é mais do que apenas a junção de acordes. É terapia, de certa forma. Não devíamos tentar percebê-la. Devemos senti-la como é.»

Pode chamar-se terapia ao que fez no primeiro álbum, At Least for Now. Através da música, exorcizou uma infância difícil no bairro londrino de Edmonton. Clementine nasceu numa família de origem ganesa e é o mais novo de cinco irmãos. O pai, personagem marcante no seu percurso, era um fervoroso católico que não aceitava a paixão do filho pela música, chegando mesmo a proibir instrumentos em casa.

Foi uma criança tímida que sofria bullying pela forma diferente como se apresentava. Gostava de usar o uniforme da escola mesmo quando não lhe era pedido e o pai tinha por hábito rasgar as roupas desportivas dos filhos, obrigando-os a vestirem-se como pequenos adultos, também para não chamarem a atenção da polícia.

Os seus amigos estavam nos livros e na rádio, onde sintonizava sempre as emissoras de música clássica. O comercial nunca lhe interessou. «Foram os Beatles que inventaram essa receita. Músicas de dois minutos, sempre com a mesma cadência, refrões que ficam na cabeça. Eu nunca achei que a música tivesse de ter uma fórmula», diz.

Não lhe é fácil revisitar a dor de um passado incompreendido cada vez que canta as músicas do álbum de estreia. «Estava noutro momento, embrenhado nesse sofrimento. Agora não estou e é muito cansativo revisitar esse espaço. Não consigo cantar sem sentir emoção e fico mesmo esgotado quando volto a esse momento da minha vida sempre que estou em palco.»

«O momento mais difícil para um artista é aquilo que estou a viver agora. Alcancei tanto que é difícil sentir que ainda tenho algo dentro de mim para lutar.»

«Em Londres não encontrei a minha paz», diz. Por isso, mudou-se para Paris, onde tocava no metro e chegou a viver nas ruas. O anónimo que criava a banda sonora do dia-a-dia de desconhecidos. «Se pudesse voltar atrás, voltaria a ser esse mesmo anónimo. Nessa altura eu sabia qual era a minha luta. Era muito claro, estava ali à minha frente e eu batalhava.»

Hoje, depois de ter sido descoberto num programa de televisão da BBC, de ter editado dois álbuns, de ter viajado por todo o mundo, Benjamin tem de se relembrar constantemente qual é o seu desafio. «O momento mais difícil para um artista é aquilo que estou a viver agora. Alcancei tanto que é difícil sentir que ainda tenho algo dentro de mim para lutar.»

Ainda assim, reconhece que o sucesso é o resultado de muito trabalho. «Eu vivo uma vida privilegiada. Tenho noção de que é justo, que resulta do meu esforço, da minha entrega, eu sei. Mas não quero estar demasiado confortável, demasiado fechado na minha bolha. Nada é certo, amanhã posso estar de volta ao metro de Paris.»

Com uma sonoridade difícil de enquadrar em qualquer género musical, Benjamin reinventa-se no segundo álbum, I Tell a Fly, lançado em setembro de 2017. Se, no primeiro disco, olhou para dentro de si, neste segundo, olha para o mundo que o rodeia, o seu mundo. Do outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, encontrou a inspiração que precisava durante os tempos conturbados das eleições presidenciais de 2016.

«Onde há desastre, há espaço para a criatividade. Quando fui para a América não pensei que fosse fazer este álbum mas deparei-me com a campanha para a presidência que moldou toda a minha experiência. Um desastre estava a acontecer, Donald Trump era candidato. Algumas pessoas estavam confusas, outras bastante chateadas, outras felizes. Comecei a pensar no tempo em que vivemos. Não só na América mas na Europa. O brexit veio numa altura péssima, estamos a dividir-nos. Como podemos mudar isso e caminhar para a união?» Não tem ainda a resposta mas dedicou um álbum inteiro a procurá-la.

«Sinto que não tenho mais nada a dizer. Um artista tem de sentir que está a acrescentar algo de novo e eu penso que já o fiz. Depois do terceiro disco, vou fazer outras coisas.»

A selva que canta nos seus versos é o mundo que se desmorona perante os olhos dos que aceitam o conforto como premissa para a inação. Na música Phantom of Alepoville, o massacre que se vive na Síria é cantado com sentido de dever. «Olhemos à nossa volta. O que vemos? Fronteiras a serem fechadas, vidas a serem destruídas. Olhem a Síria! Este é o tempo em que vivemos. Como poderia escrever eu sobre outra coisa?»

Ao colocar a música ao serviço do mundo em constante transformação, é quase paradoxal o rumo que a conversa toma. Benjamin confirma os rumores de que o terceiro álbum encerra a sua carreira. «É verdade. Será muito possivelmente o último. Sinto que não tenho mais nada a dizer. Um artista tem de sentir que está a acrescentar algo de novo e eu penso que já o fiz. Depois do terceiro disco, vou fazer outras coisas.»

Enquanto essa pausa não acontece, cá o esperamos pela voz, pela presença, pela emoção, pela catarse, pela música. Até já, Benjamin.