O bairro que precisa de ajuda e as freiras que estão lá para o que é preciso

Texto Cláudia Pinto Fotografias Orlando Almeida/Global Imagens

Carrega o peso de uma vida dura. Os 60 anos de Valdemar Ferreira Vasconcelos incluem dependência de drogas, roubo de carros e 18 anos numa prisão. Não esconde o que fez. E sabe que o presente é, em grande parte, fruto de escolhas no passado. «O passado fica escrito na nossa memória. A minha mulher diz que a troquei pela droga, e é verdade. Estraguei a minha vida.»

Valdemar não consome há 15 anos, mas não escapou aos problemas de coração e a múltiplos problemas de saúde que o têm obrigado a consultas médicas regulares.
A medicação é diária e será para o resto da vida, para tentar controlar a diabetes, o HIV ou a asma crónica, entre outras doen­ças. «Tenho um nódulo no pulmão mas não consigo deixar o tabaco. Já fumei muito mais.» De quando em quando, é no álcool que se refugia.

Alimentos, roupa, marcação de consultas, apoio domiciliário. Ou apenas ouvir quem precisa de falar. «O nosso objetivo foi sempre o de estar no meio das pessoas», diz a irmã Maria José Gonçalves.

Vive na Quinta da Fonte da Prata, em Alhos Vedros (Moita), com as dificuldades de quem recebe 230 euros de rendimento social de inserção (RSI) e tem uma renda de 170 euros para pagar. É um dos beneficiários da Fundação Santa Rafaela Maria (FSRM), localizada no mesmo bairro.

Como ele, a instituição apoia mais de 750 pessoas atual­mente. «Isto aqui é tão bom, ajudam­‑me bastante. Se não fosse este apoio, já tinha morrido à fome. Quando estou internado, vão­‑me visitar ao hospital. As irmãs têm­‑me dado muita força para viver.»

O trabalho diário da Fundação Santa Rafaela Maria só é possível com a ajuda de mais de trinta voluntários e com «donativos particulares ou de possíveis financiamentos», diz a presidente.

Criada em fevereiro de 2006, a fundação está integrada na Congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus (CESCJ), em Portugal desde 1933 (foi fundada em Espanha em 1877) com uma vertente de educação das crianças pobres. «Vivemos em comunidade e o nosso objetivo foi sempre o de estar no meio das pessoas para aquilo que precisassem», diz a irmã Maria José Gonçalves, presidente da FSRM.

Duas vezes por semana distribuem pão e roupa e todas as quartas­‑feiras oferecem um cabaz maior em parceria com o Banco Alimentar contra a Fome. À hora marcada, pessoas de várias idades fazem fila para receber o donativo e aproveitar para desabafar ou fazer outros pedidos. Sabem que, pelo menos ali, têm quem as escute.

Duas vezes por semana distribuem pão e roupa e todas as quartas­‑feiras oferecem um cabaz maior em parceria com o Banco Alimentar contra a Fome.

Sabadozinha Gomes, da Guiné-Bissau, tem 62 anos e vê nestas pessoas uma segunda família. «Recebo muita ajuda, nem tenho palavras. Ajudam­‑me com alimentação, marcam­‑me consultas de saúde e os nossos netos podem estudar e participar em atividades.»

Vive mesmo em frente às instalações da fundação e à casa das irmãs da CESCJ [no primeiro andar], o que lhe dá uma certa segurança quando precisa de apoio. Vive sozinha e tem dificuldades em movimentar­‑se, dependente de muletas há três anos. «Já fui operada à coluna e faço fisioterapia mas não se veem melhorias. O meu sonho é voltar a fazer as minhas coisas em casa.»

O trabalho diário da FSRM só é possível com a ajuda de mais de trinta voluntários e com «donativos particulares ou de possíveis financiamentos», diz a presidente. Um dos mais recentes foi conseguido através da distinção no Prémio BPI Solidário 2016, no valor de cerca de 55 mil euros.

«Temos muitas problemáticas de saúde mental no bairro, e estas pessoas não teriam outra forma de ser acompanhadas em psicoterapia.»

«A verba tem permitido assegurar os vencimentos de uma psicóloga, de uma assistente social [que veio reforçar a equipa que já contava com uma técnica nesta área] e de um monitor desportivo, durante três anos, de 2017 a 2019», explica a irmã Maria José Gonçalves. Com a distinção, foi possível começar a prestar apoio psicológico a quem precisasse, serviço que veio juntar­‑se ao Gabinete de Apoio Social e ao de Apoio ao Emprego.

«Temos muitas problemáticas de saúde mental no bairro, e estas pessoas não teriam outra forma de ser acompanhadas em psicoterapia.» É o caso de Maria José Huber, nascida em Moçambique há 58 anos, em Portugal há 28. «Desde o ano passado que tenho apoio psicológico porque desenvolvi um transtorno obsessivo­‑compulsivo que tem vindo a atrasar a minha vida e ocupa­‑me a maior parte do tempo. Estou sempre a voltar atrás para verificar se fechei a porta ou se deixei alguma coisa em algum lado.»

O trabalho diário da FSRM só é possível com a ajuda de mais de trinta voluntários em várias áreas, nomeadamente nas aulas de desporto. Mais de 750 pessoas beneficiam desta ajuda, muitas delas crianças.

A viver sozinha, com o único rendimento proveniente de RSI no valor de 180 euros, recebe ainda apoio alimentar, de vestuário e ao nível de documentação. «Não é fácil gerir o mês com este dinheiro. Apesar de ter uma renda apoiada, tenho de pagar renda, água, luz.» A música, o canto e o sorriso permanente ajudam­‑na a atenuar os momentos de maior solidão.

Almerindo Fortes tem 25 anos e é o monitor desportivo da FSRM. Ele próprio foi apoiado em criança pela instituição, tendo­‑se inspirado a seguir esta área. A sua ligação com as crianças é de grande proximidade, mas também de respeito.

«Elas sabem que podem desabafar comigo e que eu também passei pelas mesmas fases da vida no bairro. O mais gratificante é perceber que a taxa de afluência das crianças nas atividades é total», diz. Apesar de já não viver no bairro, nunca perdeu as raízes. E é ali que volta para ajudar os que agora precisam. Como ele já precisou.

Projeto Capaz

Cerca de cinquenta crianças do bairro participam no projeto Capaz, graças ao qual têm acesso gratuito a atividades desportivas depois das aulas: basquetebol, corfebol e futebol. Mas há também espaço para a dança e para participar no Clube de Expressões. «Tentamos combater o insucesso escolar e aumentar as competências destes miúdos», diz a irmã Maria José Gonçalves, presidente da FSRM. Este projeto complementa um outro já existente, o TASSE, na linha de complemento aos estudos e de forma a apostar na inclusão escolar de crianças e jovens. «Queremos dar­‑lhes novos projetos de vida e precisamos de dinamizar muito esta a área porque a exposição destas crianças e jovens aos comportamentos do bairro, nomeadamente álcool e droga, é enorme», sublinha.

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