Auschwitz: fez abortos para salvar as mulheres

“A latrina funcionava como um local de encontros. Era ali que prisioneiras e prisioneiros se encontravam para ter relações sexuais furtivas e sem alegria, nas quais o corpo era utilizado como uma mercadoria para pagar os produtos de que tanto se necessitava e que os homens eram capazes de roubar dos armazéns”, recorda Gisella Perl, prisioneira em Auschwitz, no seu livro “Eu fui uma médica em Auschwitz”, publicado em 1948.

A ginecologista romena interrompeu a gravidez de centenas de companheiras de martírio ao descobrir que as grávidas eram enviadas vivas para o crematório. A história foi agora resgatada por dois historiadores do Holocausto, o israelita Georg M. Weisz, da Universidade da Nova Inglaterra, e o alemão Konrad Kwiet, do Museu Judaico de Sidney, num artigo publicado na revista médica israelita “Rambam Maimonides Medical Journal”.

“Mesmo que fossem capazes de trabalhar, as mulheres grávidas eram levadas para as câmaras de gás assim que chegavam [aos campos de concentração]. Se conseguiam esconder a gravidez, os bebés recém-nascidos eram assassinados com injeção legal ou afogados”, explicam Weisz e Kwiet.

Os responsáveis das SS tinham uma estratégia para identificar as grávidas: dirigiam-se às mulheres judias e pediam que as futuras mães dessem um passo em frente, prometendo-lhes pão e leite em dose dupla. Gisella Perl rapidamente percebeu que o aparente gesto de boa vontade não passava de uma farsa.

As mulheres grávidas “eram espancadas, atacadas por cães, arrastadas pelos cabelos e golpeadas na barriga com as pesadas botas alemãs. Quando caíam, eram atiradas para o crematório. Vivas”. A médica decidiu, então, arriscar a própria vida para tentar salvá-las.

“Ajudei muitas mulheres a dar à luz, na escuridão, em condições terríveis”, revelou, na sua autobiografia. Mais tarde, o testemunho da ginecologista foi crucial para a condenação do médico de Auschwitz. Terminado o pesadelo, Gisella tornou-se especialista em fertilidade no Hospital Monte Sinai de Nova Iorque, tendo ajudado mais de três mil bebés a nascer. Desta vez sem uma sentença de morte.