Rui Cardoso Martins

Assalto no dia de anos

João Vasco Correia

Ainda agora comecei e já me soa a exagero, mas tenho no ouvido umas estatísticas sopradas há dias pela rádio: metade dos jovens no mundo foram vítimas de assalto ou de bullying (violência e perseguição entre colegas). Se ouvi bem, leu bem: metade dos jovens em todo o planeta Terra. Não sei como se chegou a este número, se é rigoroso, se o estudo inclui tanto ultra-ricaços da Ásia como remediados da Europa e pastorinhos em África, mas dá muitas centenas de milhões de traumas. E em Portugal, que decerto não foge a esta regra (como o caso do Zé vai demonstrar), ainda temos o fenómeno de uma escola que, em vez de apostar na formação de adultos saudáveis, de pessoas rectas, aposta em diplomar corcundas curvados pelas mochilas. “Medidas para baixar peso das mochilas ficaram na gaveta”, informou-nos o JN esta semana.

-Eu toquei nas costas da minha amiga para a avisar e ter cuidado, que lhe podiam tirar o telemóvel, mas ela assustou-se e fugiu, pensou que a iam roubar…

Zé está no tribunal, em pé, a contar o dia dos acontecimentos. Tem 16 anos, é alto, magro, de óculos frágeis e transparentes. Não parece perturbado pelo interrogatório da juíza e da procuradora. Às vezes encolhe os ombros. Ele é a vítima de mais um caso que acontece nas escolas. Parece que se está a falar de um facto recorrente, como dizer que no Inverno chove, na Primavera há pólen e no Verão…, bem, o Verão não dura sempre. Voltou a época de estares preparado para o que for preciso, estudante de Portugal.

-Correu entre os alunos que havia por ali um grupo que andava a assaltar.

Era verdade e calhou-lhe a ele. Mais tarde alguém lhe explicou que os assaltantes procuravam um alvo, tinham uma referência: um rapaz alto, de mochila creme (o mesmo caqui do deserto que trouxe ao julgamento e pôs no chão), e que tinha um telemóvel valioso.

-Alguém me deve ter visto a ver as horas, à saída.

Zé tinha outra característica importante que nos calha a todos uma vez por ano e que faz de nós vítimas interessantes (prendas de familiares, dinheiro no bolso, etc.):

-Eu fazia anos naquele dia.

-Era o seu aniversário?

-Sim.

A juíza suspira e continua o interrogatório.

-O que é que aconteceu ao certo?

-Eu estava a chegar perto da paragem do autocarro quando vi três rapazes que olhavam para mim desde o outro lado da rua. Taparam a cabeça com o capuz da camisola e avançaram.

-Um capuz como?

-Daqueles normais das camisolas, que se põem assim.

Zé coloca palas com as mãos no fundo da testa, desenha um arco gótico.

-Não se conseguia ver a cara deles?

-Ficou meio tapada.

-E depois?

-Avançaram para mim e cercaram-me. Queriam o telemóvel da mochila. Mas consegui fugir. Quando ia a fugir, um deles deu-me um murro nas costas.

Zé, que não costumava apanhar o autocarro, correu, saltou para um veículo e saiu na paragem mais à frente. Mas depois percebeu que os outros o tinham seguido.

-Pedi ajuda a um senhor e a uma senhora que estavam na paragem, que me protegeram.

E assim falhou o assalto. Os três acabaram por ser identificados e o raide criminoso está a ser julgado agora, meses depois. São tantos os casos que é bom vermos que um chega a tribunal. Isto está sempre perto de nos acontecer, e aos nossos filhos. Foi-se mais um telemóvel, um blusão, uma carteira. Já nem se fala demasiado deste problema, ficou uma coisa tão próxima que nem parece inadmissível.

Por falar nisso, como é que os assaltantes sabiam que o Zé fazia anos?

-Um deles eu até conhecia. Vive no mesmo prédio de um amigo meu.

O autor escreve de acordo com a anterior ortografia