As mulheres são uma maçada

Notícias Magazine

Há uns anos, escrevi um artigo sobre feminismo. Falei com muitas mulheres, entre as quais Simone de Beauvoir, uma das maiores pensadoras contemporâneas da matéria. Não falámos pessoalmente, porque ela já tinha morrido, mas foi como se falássemos.

Li livros que escreveu e entrevistas que deu, e, embora me irrite que tenha ficado a vida toda agarrada àquele homem, o Sartre, a filósofa francesa mãe-do-feminismo-moderno é uma das minhas referências.

Numa entrevista ao Le Monde, dizia que só nos anos 1970 se tinha juntado às jovens feministas francesas, por que a luta destas não passava por quererem tomar o lugar dos homens, mas sim por mudar o mundo feito por eles. Já estão a revirar os olhos?

É que quando se fala em mudar o mundo, há sempre revirares de olhos. E, no entanto, se é de luta pela igualdade que se trata, não há volta a dar, é mesmo preciso mudá-lo. Uma trabalheira, eu sei.

Outra coisa de que Simone de Beauvoir falava era das «mulheres-álibi», aquelas que os homens fazem chegar aos lugares de topo para mostrarem às outras que é possível. E assim distraí-las das questões fundamentais, como lutar por melhores salários, mais direitos laborais, igualdade de oportunidades, justiça social e essas coisas maçadoras e gastas, de tantas vezes gritadas por mulheres trabalhadoras em manifestações e greves gerais, também maçadoras, sobretudo porque são quase sempre organizadas por sindicatos e outras organizações igualmente maçadoras.

Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, disse ao Expresso, no fim de semana passado, que se via como primeira-ministra. Aposto que muitas mulheres, da esquerda à direita, gostariam de vê-la ocupar o lugar. Como se, por si só, a chegada de uma mulher ao cargo de primeira-ministra fosse uma vitória da luta das mulheres.

Questionado sobre estas declarações durante a sua participação na Manifestação Nacional de Mulheres de 10 de março, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, respondeu que as
mulheres importantes estavam ali [na manifestação], «a lutar pelos seus direitos, por salários e horários de trabalho mais justos, coisas que não passam pelo congresso do CDS».

Ao ouvi-lo, lembrei-me das palavras de Simone de Beauvoir. Apesar de ter uma mulher aos comandos, mudar o mundo feito pelos homens não me parece ser uma das bandeiras do CDS-PP.

Já os milhares de mulheres e homens que se juntaram à marcha organizada pelo MDM empunhavam essa bandeira. «A igualdade é a razão desta manifestação», gritou-se naquele sábado, ruas fora.

Sim, há razões para as mulheres se manifestarem em Portugal. Muitas. Aqui, como em Espanha – onde no dia 8 de março milhares fizeram greve e se manifestaram na rua pelos seus direitos –, como no resto do mundo. Razões não faltam para as mulheres lutarem. Seria importante que não lutassem entre si.