As crianças também precisam de cuidados paliativos (não, não são apenas os velhos)

Rui Oliveira/Global Imagens

Em Portugal, há pelo menos seis mil jovens com necessidades paliativas e as respostas são insuficientes. Outubro é o mês dedicado ao tema. Há uma campanha no terreno, um congresso marcado e alertas de quem percebe do assunto.

Os cuidados paliativos não são apenas cuidados em fim de vida. Não são só os mais velhos que precisam desses cuidados e a procura continua a superar a oferta. Em termos gerais, estima-se que cerca de 89 mil portugueses necessitam de cuidados paliativos. No ano passado, a resposta terá chegado apenas a 12 mil. “A realidade no presente é preocupante. Cerca de metade dos que necessitam não chega a ser referenciada em tempo útil. Apenas 20% obtém acesso a cuidados paliativos especializados. E as assimetrias regionais são muito relevantes”, alerta Duarte Soares, presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP).

A realidade mostra que cerca de 50% das pessoas referenciadas acabam por morrer sem terem acesso aos cuidados que necessitam. O nosso país continua a ter apenas uma equipa de cuidados paliativos domiciliários por cada 590 mil habitantes, quando as recomendações internacionais sugerem uma por cada 100 mil habitantes.

“O desafio é enorme, sendo que apenas unidos – clínicos, académicos, investigadores e voluntários – estaremos à altura da missão que nos é conferida. Precisamos igualmente que os decisores-chave, tanto a nível técnico como político, reconheçam não apenas a necessidade mas a urgência em dar passos firmes no sentido de prestar mais e melhores cuidados de suporte em toda a trajetória da doença – e não apenas na terminalidade – a um número cada vez maior de concidadãos que deles necessitam”, refere Duarte Soares.

Os cuidados paliativos são respostas de saúde individualizadas prestadas por unidades e equipas específicas a pessoas com doença prolongada, incurável e progressiva, internadas ou no domicílio

No nosso país, pelo menos seis mil crianças e jovens têm necessidades paliativas. Os centros de referenciação encontram-se sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e são insuficientes face às necessidades. Duarte Soares sustenta que é fundamental perceber que os cuidados paliativos não são apenas cuidados na terminalidade, mas, sublinha, “verdadeiros cuidados holísticos de suporte, a partir do momento do diagnóstico e prestados independentemente da etiologia da doença, idade, prognóstico ou situação pisco-sócio-espiritual.”

“É igualmente relevante sensibilizar a população que os cuidados paliativos não se prestam apenas das doenças oncológicas, mas também nas insuficiências de órgão e nas doenças degenerativas. É uma preocupação da APCP chegar aos grupos de utilizadores tradicionalmente excluídos dos nossos serviços, nomeadamente as crianças, os jovens mas também os mais idosos”, acrescenta.

Um dos maiores desafios que o país enfrenta nas próximas décadas é a necessidade de, enquanto sociedade, oferecer cuidados de fim de vida humanizados e de alta qualidade. Neste momento, Portugal tem menos de 400 camas para os cuidados paliativos e, segundo as recomendações internacionais, teria de ter 1000. “Mas mais importante do que criar mais camas de cuidados paliativos, importa fazer chegar os cuidados paliativos a todas as camas existentes. Nomeadamente a nível comunitário. As ‘camas’ de cada um dos nossos utilizadores no domicílio são a nossa principal preocupação. O primeiro e mais urgente nível de cuidados, de forma a permitir que doentes, cuidadores e familiares possam, se assim o entenderem, permanecer no seu contexto durante o maior tempo possível.”

No nosso país, há apenas 20 equipas de cuidados paliativos comunitários, quando deveria haver 100

Há, no entanto, passos dados nesta área como a criação da lei de bases para os cuidados paliativos, a nomeação de uma comissão nacional, a elaboração de um plano nacional estratégico, a obrigatoriedade de criação de equipas intra-hospitalares de suporte tanto para adultos como para a pediatria. Há ainda decretos aprovados por unanimidade, pela Assembleia da República, para o reforço da formação nesta área e reforço dos direitos dos doentes em fim de vida.

Mesmo assim, muito continua por fazer. O presidente da APCP destaca a criação do estatuto do cuidador informal, já prometida pelo governo. O reforço das condições de trabalho para os profissionais clínicos a trabalhar na área, tanto em termos de dotação de recursos humanos como de horários. A obrigatoriedade formativa a nível pré e pós graduado. O reconhecimento dos cuidados paliativos como especialidade médica, especialidade de enfermagem, psicologia, assistência social. “De forma mais urgente, é necessário o efetivo cumprimento de todos os objetivos enunciados no plano estratégico para o desenvolvimento dos cuidados paliativos em Portugal”, constata.

A APCP tem em curso a campanha “Vamos continuar a escrever esta história” para mostrar que os cuidados paliativos não são cuidados de fim de vida, que devem ser aplicados após o diagnóstico e durante todo o processo de tratamento, nomeadamente quando os doentes são crianças. A campanha desafia a população a comprar o “Palis”, um porta-chaves mascote da associação, cujo valor angariado reverte para ações de sensibilização junto da população e formação para profissionais de saúde. Além disso, o IX Congresso Nacional de Cuidados Paliativos acontece de 25 a 27 deste mês, na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, no Porto.